Monopólio do sofrimento

Ontem eu escrevi sobre a quebra do monopólio do supernaturalismo quanto às explicações para a vida e a origem da humanidade, e como as igrejas mais tradicionais estão se acomodando a essa quebra, fazendo questão e bater no peito e dizer que não temem Darwin.
Existe um outro monopólio, no entanto, do qual as religiões organizadas relutam muito mais em abrir mão — e creio que é essa relutância que está na raiz da tradicional oposição a vários avanços da medicina e, atualmente, às pesquisas com células-tronco e à eutanásia.
Trata-se do monopólio do alívio do sofrimento.
Durante milênios, a única forma administrável de alívio para muitas das dores humanas era estritamente emocional: buscava-se explicar, glorificar, tirar força da dor. A dor era boa, a dor ajudava a formar o caráter, a dor levava para o céu. E por que não acreditar nisso tudo? A alternativa ao sofrimento edificante era o sofrimento miserável.
Se a dor era inevitável, não fazia mal acreditar que, pelo menos, vinha por uma boa causa. E essa “boa causa” era, 99% das vezes, a expiação dos pecados. Você sofre porque merece, então pague seu dízimo e pare de gemer, seu bundão.
Desenvolvimentos dos últimos 150 anos, mais ou menos, criaram uma situação nova: a dor pssou a ser evitável. Com isso, o “status” moral do sofrimento, e suas implicações metafísicas, se desfazem.
Se prestarmos atenção nos principais argumentos religiosos contra — digamos — eutanásia, interrupção da gravidez de anencéfalos, e, até mesmo, o divórcio, o resumo geral é: sofrer é bom para você. Evitar o sofrimento é errado.
No fim, religião organizada tem facetas que são pouco mais que sadismo organizado. É o velho argumento do pastor Thomas Prince, que atribuiu a culpa pelo terremoto de 1755 em Boston à proliferação de pára-raios: se você acha que escapou do castigo de Deus, espere que coisa pior vem aí…

Darwin e as igrejas

Nos últimos dias, houve uma onda de manifestações de líderes cristãos no sentido de dizer que a teoria da evolução por seleção natural é, ao fim e ao cabo, irrelevante para suas fés — ou seja, não as toca, não as enfraquece, logo não há motivo para se opor ela.
Pode ser maldade minha, mas isso tudo me soou muito como o velho estereótipo do homossexual enrustido que se desdobra em provas e manifestações de macheza, ou a criança que fecha os olhos com força e fica tentando convencer a si mesma de que não, não, não tem medo do escuro.
O fato é que Darwin acabou com o monopólio metafísico da explicação pra a vida: até ele, era muito difícil imaginar uma explicação para a existência de seres vivos em geral (e seres humanos, em particular) sem apelar para algum tipo de agência sobrenatural. A seleção natural reduziu em muito essa dificuldade, que nos dias atuais sequer existe mais.
Claro todo mundo é livre para acreditar em uma origem sobrenatural, mas essa crença não é mais intelectuamente razoável.
Adendo: acaba de chegar a notícia de que Michael Reiss, que havia proposto a inclusão do criacionismo em aulas de Ciências no Reino Unido, deixou a Royal Society. Já posso ouvir os clarins dos teoristas de conspiração criacionsitas soando o velho toque da “liberdade de expressão suprimida pela ciência oficial”… Embora eu ache que ninguém reclamaria da demissão de um professor de geografia que ensinasse que a Terra é plana.

Teologia dos números perfeitos

“Número perfeito” é uma definição que remonta a Euclides (pelo menos) e se refere a números que são iguais à soma de seus divisores. Por exemplo, 6 = 3+2+1.
Quando a soma dos divisores é menor que o número, ele é chamado deficiente. Como os divisores de 8, que são 1,2,4 e cuja soma é 7. Números maiores que a soma dos divisores são “abundantes”, como 12, onde 1+2+3+4+6 = 16.
Com a proverbial capacidade dos teólogos de tirar coisas de contexto,  Santo Agostinho dizia que Deus criou o mundo em seis dias e, sendo seis um número perfeito, isso é sinal de que a criação é perfeita.
Já teólogos medievais lembravam que a humanidade que emergiu depois do dilúvio teve origem em oito pessoas (os tripulantes da Arca de Noé) e, portanto, a raça é deficiente.
Nunguém nunca explicou por que catzo o Cara  se deu ao trabalho de acabar com tudo só para recomeçar com o pé esquerdo — ou se o fato de haver um número abundante de apóstolos (12) significa que tinha cabide de emprego na jogada.

Lourdes

Eu iam fazer um “rant” interminável sobre a fraude cruel que é o santuário de Lourdes, arrastando desesperados de todo o mundo para enriquecer um punhado de vendedores de tranqueiras e donos de hotel, e a irresponsabilidade do papa em reforçar isso, mas achei melhor passra a bola para Richard Dawkins.
Com vocês, The Root of All Evil (agora, com legendas! Obrigado, Patola!):

E a tal da fronteira final?

Um tema cuja ausência sempre me chamou atenção nos debates sobre sustentabilidade é a exploração espacial. Geralmente, quando o assunto é levantado, as reações da maioria dos debatedores é de (a) dizer que isso é uma coisa fantasiosa, uma falsa promessa ou (b) que isso não é solução, já que nos transformaria num bando de gafanhotos, “indo fazer merda lá fora depois de foder com as coisas por aqui”.
O fato é que, no entanto, nenhuma das objeções realmente se sustenta. No caso da primeira, é verdade que os custos de estabelecer uma colônia na Lua, em Marte ou, mesmo, em pleno espaço (como defendia Gerard O’Neill) seria caro pra danar, mas essa é mais uma questão de definir prioridades — em que projeto faraônico vamos investir nossa grana — do que qualquer outra coisa.
Em linhas gerais, planejar transferir parte da população e da economia para o espaço não é mais fantasioso que achar que a agricultura orgânica vai acabar com a fome no mundo, ou que a civilização ocidental vai resolver cortar seus padrões de consumo milagrosamente, de boa vontade, antes que a Natureza nos force a isso.
Já a segunda objeção revela uma incompreensão do programa de exploração da “Fronteira Alta”, como dizia O’Neill: não se trata de trocar a Terra pelo espaço, mas de complementar a Terra com o espaço.
Como diz Dennis Wingo, autor de um livro sobre exploração econômica da Lua, Moonrush, quem acha que o hidrogênio é uma alternativa ecológica ao petróleo nunca viu o dano hediondo que uma mina de platina (metal usado nas células de combustível) causa ao ambiente.
A idéia, aqui, seria “exportar” crateras como Carajás ou Serra Pelada para asteróides, de resto, estéreis. Como diz John S. Lewis, autor de Minning the Sky, há NEOs (asteróides próximos da Terra, desses que às vezes ameaçam dar uma porrada das boas na gente) que contêm mais ferro do que toda a humanidade já consumiu desde a aurora da civilização.
No espaço, esses recursos poderiam ser explorados com impacto ambiental zero, com uso de energia solar que, lá fora, é abundante e existe o tempo todo — sem perdas para atmosfera, sem nuvens para refleti-la de volta.
São ideias extravagantes mas, de forma alguma, cretinas. A única objeção realmente séria que me ocorre é que elas podem ser taticamente inconvenientes: um jeito de botar as pessoas para sonhar com as riquezas infinitas do sistema solar e fazê-las parar de reciclar latinhas de cerveja.  Mas inconveniência não é motivo para desconsideração.
No fim, o mergulho na “Fronteira Alta” vai acabar se impondo, da mesma forma que a questão do uso racional dos recursos aqui na Terra, como um imperativo de sobrevivência. A dúvida é se vamos nos preparar para esse momento, ou se vamos deixar para marcar a primeira aula de natação pra quando a água já estiver batendo na bunda.

Algoritmo RSA e números primos

Num comentário na postagem abaixo, apareceu um pedido de uma explicação sobre a ligação entre números primos e criptografia. Tem uma explicação mais detalhada aqui, mas em linhas gerais é o seguinte:
Códigos de transposição, onde um número ou letra são trocados por um outro, são vulneráveis a análises de freqüência, como a que Edgar Allan Poe exemplifica em O Escaravelho de Ouro: se “a” é a letra mais freqüente da língua portuguesa, o símbolo mais usado na mensagem em código deve ser o “a”, etc.
Um jeito de contornar isso é usar uma transposição mais complexa que uma substituição simples, por exemplo adotando uma seqüência de números – a “chave” – que seria algo do tipo 6347494041209836352719103834746 e aplicá-la à mensagem, digamos, da seguinte forma: se a primeira letra da mensagem original for “B”, a segunda letra do alfabeto, então a primeira letra da mensagem em código será 2+6 (o primeiro dígito sa chave) = 8, ou H, a oitava letra do alfabeto. Se e mensagem tiver mais letras que a chave, repete-se a chave, ad infinitum.
Essas mensagens são bastante seguras, desde que a chave não vaze para o público
A criptografia de chave pública, usada na internet e que se baseia em um sistema conhecido como algoritmo RSA, usa duas chaves, uma para encriptar a mensagem e outra, para decriptá-la; uma dessas chaves é, audaciosamente, posta em domínio público. As duas chaves, pública e privada, são determinadas – e vinculadas – pelo produto de dois números primos muito grandes. 
Isso é seguro porque não existe um método simples para fatorar números grandes: se você tiver o produto e for obrigado a descobrir quais números foram multiplicados para chegar até ele, podem-se passar séculos antes de haver uma resposta. 
Resumidamente, é essa dificuldade que permite que uma das chaves seja exposta ao público. E quanto maiores forem os primos envolvidos, maior a dificuldade. Daí, o valor prático e econômico de primos astronômicos.

Mersenne 45 e 46

Descobertos mais dois números primos da forna (2^p)-1, e é bem possível que um deles tenha mais de 10 milhões de dígitos, já que o último tinha quase 9,9 milhões.
No início do século XX, um matemático britânico disse se orgulhar que seu trabalho em teoria dos números era tão abstrato que jamais seria usado “para aumentar a concentração de renda, matar africanos ou criar armas”.
Mal sabia ele que a teoria dos números viria a ser a base do sistema de transações bancárias do mundo globalizado…

Macacos no computador

Fiquei surpreso ao ver que a Wikipedia tem um verbete sobre o Teorema dos Infinitos Macacos Datilógrafos. Bem, talvez não devesse: a Wikipedia tem de tudo.
O teorema diz que um número infinito de macacos deve ser capaz de criar todo o acervo literário mundial em um instante ou,  ao contrário, que um único macaco poderia fazer o mesmo — num tempo infinito. Trata-se, na verdade, de uma constatação muito básica sobre probabilidades: tudo que é possível acaba acontecendo, desde que se espere o basante.
“Esperar o bastante” é a chave: no caso de macacos datilografando ao acaso, a demora até se conseguir um texto inteligível de algumas centenas de páginas  é maior que a idade do Universo.
Mas Seth Lloyd (já citei esse cientista aqui outro dia) sugere uma analogia diferente: que tal se botássemos macacos para digitar num computador, em vez de datilografar numa máquina?
Os primatas acabariam dando instruções à máquina, que tentaria executá-las; boa parte das instruções faria algumas das máquinas travar (digamos que cada macaco tem seu próprio laptop), outras gerariam outputs malucos, mas uma pequena fração produziria pequenos programas espertos. E se os laptos estivessem ligados em rede? Talvez alguns desses programas aprendessem a explorar a conectividade e…
Macacos em máquinas de escrever já foram usados como metáfora por criacionsitas que se achavam muito espertinhos. Mas chimpanzés no computador podem muito bem nos dizer algo sobre a seleção natural. A mim, ao menos, uma Chita com Pentium faz mais sentido que um velho barbudo no céu.

It’s alive!

O LHC conseguiu fazer com que seu primeiro feixe de prótons desse uma volta completa de 27 km na manhã desta quarta-feira, o que abre o caminho para o início dos trabalhos que poderão levar à descoberta do bóson de Higgs, de dimensões ocultas no espaço, de partículas supersimétricas e mais um monte de coisas. 
No lado negativo, o mundo não acabou, mas não percam as esperanças: buracos negros e strange quarks só terão a oportunidade de começar a surgir quando as colisões tiverem início pra valer.

Aritmética alternativa

Immanuel Kant, um gênio sob todos os aspectos, achava que a geometria euclidiana era a priori, isto é, um dado bruto da realidade, algo intrínseco à conformação do universo e da mente humana. Claro, as geometrias não-euclidianas apareceram depois, mostrando que, ao menos desse ponto, ele estava enganado.
E o que dizer da álgebra? As regras que aprendemos na escola para manipular símbolos de forma lógica a fim de resolver equações também parecem existir necessariamente e não admitir alternativas, mas álgebras não comutativas existem há um bocado de tempo, com regras diferentes e apresentando resultados bastante úteis e verdadeiros.
E então, o que dizer da aritmética, o ramo da matemática que lida com as propriedades básicas dos números — tipo 1+1=2, ou existem infinitos números primos? Será possível haver uma álgebra aritmética alternativa?
Imagine o impacto disso — haver um conjunto de regras diferente mas igualmente válido para totalizar saldos bancários, calcular impostos, contar quantas maçãs há na fruteira… Ou descobrir que há um jeito certo de calcular uma metade de 7 diferente de 3,5?
Eu adoriaria ter pensado nisso sozinho, mas a idéia está no livro de ficção científica Dark Integers, do escritor australiano Greg Egan. Esse é um dos caras que eu quero ser quando crescer.

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