É possível concluir qualquer coisa… (1)

Neste dia de ressaca cívica — e, para as cidades onde haverá segundo turno, de expectativa eleitoral — é interessante lembrar um princípio da lógica que parece contra-intuitivo, mas que é de muita valia para a retórica partidária:
A partir de uma premissa falsa ou de uma contradição, pode-se concluir qualquer coisa.
Quando o professor Luiz Barco contou essa lá no meu velho semestre de lógica da USP, fiquei meio encasquetado… E o curso do professor Barco era curto, então não deu para ir a fundo. Anos depois, no entanto, descobri o mecanismo por trás das duas partes dessa afirmação. 
A premissa falsa funciona por conta da implicação material, que é só um nome chique para a seguinte estrutura de pensamento: “se isso, então aquilo”, ou “haver isso é suficiente para que haja aquilo”, ou “Se A, então B”. Se você parar para pensar com calma no assunto, vai ver que só há um caso em que é possível garantir que uma implicação é falsa:
Quando A ocorre, mas B, não. Note que a falsidade da implicação depende da veracidade do termo A. Se eu digo que tomar manga com leite mata, mas uma pessoa toma manga com leite (tornando verdadeiro o termo A) e não morre (tornando falso B), minha implicação está provada falsa. 
Se “A” for falso, a implicação torna-se, do ponto de vista da lógica formal, verdadeira por “default”.
Isso provavelmente soou estranho. Claro que lógica formal não é o discurso do dia-a-dia, e ninguém vai engolir implicações como a (formalmente verdadeira, porque ambos os termos são falsos) “Se Einstein era uma drag queen, a Terra é quadrada” ou (também formalmente verdadeira, porque tem os dois termos verdadeiros) “Se Paulo Maulf descende de libaneses, a velocidade da luz é constante no vácuo”) como “verdadeiras” no sentido usual.
Mas o fato, importante para fins retóricos, é que implicações com premissas falsas são virtualmente indecidíveis, porque é perfeitamente possível ter B sem A (“se chover a rua estará molhada” — mas a rua pode molhar-se mesmo se não chover; por exemplo, alguém pode ter lavado a calçada); e é possível não ter A e nem B, e ainda assim a implicação soar razoável (“se chover a rua estará molhada”: não choveu, a rua está seca, pronto).
Resumindo: no discurso informal, uma premissa falsa abre espaço para tergiversações potencialmente intermináveis.
O exemplo clássico do dano causado pela premissa falsa é o famoso “Se 2+2=5, então eu sou o papa”.
Suponhamos que 2+2=5; manipulando a equação, chegamos a 2=3, ou que equivale a 1+1=3.  Subraindo 1 de cada lado, temos 2=1. Eu e o papa somos dois, portanto somos um. Logo, eu sou o papa.
E essa postagem já ficou um pouco longa demais, então eu guardo a contradição para outro dia.

Discussão - 6 comentários

  1. Claudia Chow disse:

    Eu nao quero ser o papa, eu quero ser milionária.

  2. cretinas disse:

    É substituir "papa" por "Warren Buffett" e vc conseguirá o mesmo efeito...

  3. João Carlos disse:

    Obrigado por me dar a "dica" que estava me faltando para a resenha do livro "Os 10 Mandamentos para uma vida melhor"... 😉

  4. Ulisses Adirt disse:

    Até que seria bem interessante ver vc como papa (de verdade...)... rs

  5. Ótimo post. Já fazia algum tempo que não mergulhava na lógica formal ou bivalente. Só queria acrescentar algumas considerações. Primeiro, o que você disse aplica-se exclusivamente ao operador lógico implicação (Se...então), ou seja, em se tratando de argumentos mais robustos, as coisas acontecem de outro modo (ver modus ponens e modus tollens, por exemplo). Segundo, o que sustenta a implicação material é sua tabela de verdade que, por sua vez, funciona como uma espécie de definição. Foi a implicação material, entre outras coisas, que mostrou aos lógicos a necessidade de incluir os conteúdos das proposições nos argumentos. Por conta disso desenvolveu-se o chamado cálculo de predicados (incorporando as funções ao racioncínio lógico).

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