Provas de inexistência

Quando uma pessoa atinge um certo grau de sofisticação filosófica, ela se convence de que é impossível provar que alguma coisa não existe. Quando essa sofisticação aumenta um pouco mais, ela se convence de que estava errada.
Em primeiro lugar, porque a própria sentença “é impossível provar que alguma coisa não existe” é uma afirmação de inexistência — no caso, de que não existe prova de que alguma coisa não existe. E, se não existe prova, em que essa afirmação se baseia?
Em segundo lugar, porque toda afirmação é a negação de uma negação: afirmar que a atmosfera atual do planeta Terra contém oxigênio é o mesmo que dizer que não existe algo que (a) seja atmosfera atual do planeta Terra e que (b) não contenha oxigênio.
Em terceiro, provas de inexistência abundam: na postagem anterior, mostrei uma prova de que não existe um número racional que seja a raiz quadrada de 2; também há provas de que não existe um método para dividir um ângulo em três partes iguais usando apenas uma régua não-graduada e compasso; de que não existe uma fórmula genérica para resolver equações de grau cinco (ou maior) e, claro, a prova do Último Teorema de Fermat demonstra que é impossível encontrar um valor de “x”, maior que 2, que satisfaça a equação ax+bx=cx .
Todos os exemplos que citei acima vêm da lógica e da matemática, as chamadas ciências dedutivas — que progridem através da manipulação sistemática de símbolos e definições. Alguém poderia argumentar que a impossibilidade de se provar inexistências se aplica, na verdade, às ciências indutivas, as que progridem a partir da observação sistemática da natureza. 
Mas é importante notar que, ao mesmo tempo em que esse argumento invoca uma distinção entre dois domínios da ciência, ele tenta impor um conceito particular de prova — o dedutivo — ao domínio indutivo.
Bolas, se há há tipos diferentes de ciência, então há que se aceitar que existem também tipos diferentes de prova. A idéia de que só as provas dedutivas são válidas é um preconceito, possivelmente vindo da filosofia — já que o exercício filosófico é principalmente dedutivo.
Pode-se argumentar que uma prova indutiva oferece menos certeza que uma dedutiva; mas a indução ainda assim é capaz de gerar prova além da dúvida razoável. Por exemplo, as leis da física provam, além de qualquer tipo de dúvida razoável, que o Sol não explodirá amanhã. Minha experiência pessola demonstra, além de qalquer dúvida razoável, que não serei devorado pelo Grande Crocodilo do Nilo esta noite.
Além disso, as leis da probabilidade mostram que é possível acumular um volume de observações grande o suficiente para gerar qualquer grau de certeza que se queira, ainda que abaixo de 100%. 
Provas além da dúvida razoável podem se mostrar erradas? Sim. Mas elas são boas o suficiente — têm de ser — para guiar as decisões humanas. A alternativa é um estado permanente de paralisia e indecisão, um agnosticismo universal e intolerável.

Discussão - 2 comentários

  1. João Carlos disse:

    Adorei o post! (Embora ache que Kurt Gödel não gostaria da redação do segundo parágrafo...)
    É algo que eu venho repetindo há muito tempo: "inexistência de provas" não é "prova de inexistência" (e você poderia ter estendido para "ausência de provas de inexistência" não é "prova de existência).
    De toda forma, qualquer coisa que seja impossível (ou impraticável) provar, jamais deve ser usado como argumento (principalmente como premissa).
    Mas não esqueça de trancar bem as portas... Murphy continua à solta e o Grande Crocodilo do Nilo é seu bichinho de estimação... 😀

  2. cretinas disse:

    Na verdade, a questão das verdades "inimprováveis" Gödel acabam sendo tratadas, ainda que indiretamente, na questão da prova indutiva: o que o teorema de Gödel (e o de Turing, etc) mostram é que, dentro de um determinado sistema de regras, a partir de um determinado nível de complexidade, passam a existir verdades que não podem ser provadas dentro das regras do próprio sistema.
    O segundo parágrafo é mais um ataque às pessoas que exigem provas dedutivas de tudo, inclusive de inexistências: bolas, a exigência delas se baseia numa afirmação que não tem provas! 😛

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