Razão: modo de usar
Frase que volta e meia aparece em conversas com amigos religiosos: ‘Se você tivesse um plano perfeito, o que o impediria de matar seu vizinho?’ O argumento não é novo e está muito bem consagrado, por exemplo, no filme Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock. A idéia geral é a de que, sem algum tipo de cabide metafísico — um mandamento divino ou coisa a sim — não há onde “pendurar” uma moralidade pessoal.
Ou, o único motivo racional para não cometer um crime é o medo de punição. Se esse medo for removido…
Questões assim mostram uma certa incompreensão do que é, afinal, a racionalidade, motivo racional ou a razão. Para entender do que estou falando, é bom lembrara a distinção entre um argumento válido ou um argumento verdadeiro. Por exemplo, “Toda árvore cresce com as raízes para cima/meu carro é uma árvore/meu carro cresce com as raízes para cima” é válido, mas evidentemente falso.
A razão é uma ferramenta. Digamos, como um serrote: pode cortar tanto mogno quanto um compensado vagabundo.
A melhor definição sobre comportamento racional que já encontrei é dos sociólogos Rodney Stark e William Bainbridge: uma criatura dotada de objetivos e de crenças sobre como alcançá-los age racionalmente quando se comporta de forma consistente com essas crenças em busca daqueles objetivos.
Assim, um sacerdote pagão age racionalmente quando, em busca de chuva, sacrifica um touro para Zeus: afinal, ele acredita que Zeus é o manda-chuva (literalmente) e que pode ser subornado com a ajuda de uma carcaça de touro. Logo…
Resumindo: a razão é um instrumento que usamos para manipular nossas crenças em busca de nossos objetivos. Se (a) nossas crenças forem verdadeiras e (b) nossa aplicação da razão for correta, o objetivo tem uma bela chance de ser alcançado.
Assim, a razão não diz o que você quer, ela só sugere a melhor forma de como conseguir, com base no que você sabe ou acredita que sabe. Se o seu objetivo for só ter crenças verdadeiras, a razão leva ao método científico, mas esse é apenas um objetivo possível. A escolha de objetivos é muita vezes inconsciente, emocional, intuitiva. O homem é um animal, moldado pela seleção natural e pelas pressões da sociedade em que vive. Suas metas nascem desses condicionamentos. Sem eles, não seria possível ter metas. Um ser de razão pura, incapaz de sentir fome, sede, amor, ambição, etc., é como o deus de Espinoza ou o asno de Buridan: uma massa inerte.
Assim, a idéia de que o único ‘motivo racional’ para não matar alguém é o medo de punição representa um erro conceitual: o único ‘motivo racional’ para se ter um ou outro objetivo é se esse objetivo for um passo intermediário na busca de um objetivo maior, cuja justificativa não será racional, mas emocional, biológica, estética ou, até religiosa — a inquisição, por exemplo, teve motivos perfeitamente racionais para matar muita gente.
Assim, por que o racionalista não mata o vizinho? Porque não quer. Essa resposta, profundamente verdadeira, dificilmente satisfaz o argumentador religioso. ‘E se quisesse?’, é a réplica.
Aí é a hora de devolver a pergunta: por que o religioso não mata o vizinho? A resposta pode ser uma longa peroração sobre o valor intrínseco da vida humana como dom divino e etc e tal, mas no fim sempre cabe a tréplica: ‘E se seu deus mandasse?’
Discussão - 16 comentários
Será que a razão da vida não está na imanência de todo o ser humano, independente de suas crenças ou evolução, e o ato de matar ou desejar matar não tenha um peso inexcedível, sendo assim, quando materializado, uma transgressão consciente das leis naturais da existência?
Será que o exercício do racional levaria o homem unicamente ao método científico e isso o tornaria mais transparente e lógico, superior ao crente?
Será que a religiosidade é simplesmente crendice, ou crendice irracional, - irrestritamente condicionante no ser humano, - e o religioso não faz uso também, em larga escala, da racionalidade sem deixar de ser religioso?
Será que as ciências tratadas pelos céticos não são um calhamaço de teorias, que levam a devaneios e crenças e há nisso muito menos pragmatismos do que provas concretas, logo o chamado homem racional do método científico não será também um crente e muitas vezes fanático? E somente o objeto ou foco de sua devoção é que mudou?
Será mesmo que o ser humano é potencial e moralmente um assassino (do seu vizinho ou de qualquer outro), mormente o religioso, e o homem dito racional é muito mais seguro, frio e lógico? Será mesmo?
Será que o homem dito racional e lógico, quando mata em guerras, ou lança em populações indefesas armas químicas ou atômicas, fabricadas pelas suas ciências, estarão no uso correto da razão e lógica, porquanto guerra é guerra, e o inimigo é o seu vizinho?
Será que deveríamos levar a sério o cineasta Alfred Hitchcock, ou Rodney Stark e Wiliam Bainbridge, porque são sociólogos, por que explicam suas pessoais teorias sobre a razão e o condicionamento mental e emocional?
Será que o ato de um crime, não teria muito mais a ver com um tipo qualquer de loucura, anomalia, ou obsessão, que qualquer um possa ser contrair, que não condicionamentos de crenças ou manipulações religiosas?
Será que o homem racional, amante do método científico, pode criticar e julgar com desprezo as religiões e os religiosos da forma como faz e deplora, se para o entendimento mínimo dos seus conceitos, de suas máximas, dos aforismos e parábolas há que percorrer todo o possível passado, aprofundando-se não somente em obras atéias, mas em mitológicas e seus principais aspectos humanos e divinos, que ajudaram enormemente Freud a edificar e conceituar sua chamada psicologia? E, principalmente, vivenciar a religião, não como um estranho no ninho, teórico presunçoso, se o religioso vivencia ciências e tecnologia?
Finalmente, onde cretinas quer mais ainda chegar além de teórica e doutoralmente desejar derrocar as religiões, apequenar a inteligência e a estrutura psicológica do religioso e colocar num pedestal de barro os virtuosos do ceticismo e da racionalidade científica?
correção: possa contrair
correção II: estará no uso correto
Nesse comentário acima há um monte de perguntas... pra todas elas me parece caber a resposta: Por que não?
"Será que o homem dito racional e lógico, quando mata em guerras, ou lança em populações indefesas armas químicas ou atômicas, fabricadas pelas suas ciências, estarão no uso correto da razão e lógica, porquanto guerra é guerra, e o inimigo é o seu vizinho?"
Essa pergunta foi divertida, levando em consideração que a maioria das guerras se fez por motivos religisos, e o inimigo não era o vizinho, mas o seguidor de outra crença.
De qualquer forma me pareceu que o comentador acima não entendeu bem o caráter instrumental da razão.
Se eu entendi bem, o que o post quer dizer é que não é necessário uma base metafísica para agir moralmente, e que o pensamento puramente reliogioso pode, tanto quanto a ética racional, levar a atos imorais.
Em muitas discussões com um colega sobre isso, a conclusão invariável dele era "vc é muito materialista, só não faz coisas com medo de ser punido".
"Não repares no cisco do olho do teu irmão sem antes tirar a trave do teu!" costuma ser a minha conclusão...
John:
Não sei se há muito mais a entender sobre o texto. A mim me parece evidente e claro que foi escrito com todas as incoerências, justamente para motivar e alimentar polêmicas e discussões.
Se a razão fosse mais do que um símbolo vivo, mais do que um elemento intelectual ou metafísico inserido entre parâmetros bipolares, não precisaríamos discuti-la. Mas quem realmente entende a razão plena e total de todas as coisas? Cada vez que discutimos sobre lógica e razão, discutimos sobre as limitações do cérebro humano. Entendo que a razão é a mais dialética e movediça das conversões da lógica.
Não sou filósofo, talvez por isso tenha escrito acima somente bobagens, mas se você entendeu o texto de maneira mais filosófica ou metafísica, apreciaria ler.
No entanto, sua afirmativa de que as guerras, na sua maioria, foram motivadas por diferenças religiosas, não corresponde à realidade. Concordo plenamente com analistas que apontam as seguintes principais causas de guerras: ganâncias, desejo de poder, divergências geográficas, nacionalismos, imposições de sistemas econômicos, soberanias, ideologias direita x esquerda, patriotismos e outras.
A primeira e segunda grandes guerras mundiais, que arrasaram países de grande parte da Europa, não tiveram conotações religiosas. Os impérios macedônio, grego e romano, por exemplo, assassinaram vizinhos próximos, distantes e povos de outros continentes, mas suas longas e numerosas guerras foram basicamente de conquistas, embora o elemento religioso fizesse parte de suas culturas como faz de todos os povos do planeta. Na atualidade e no século passado, as guerras dos Estados Unidos têm e tiveram conotações unicamente econômicas e de hegemonia ideológica.
Comparativamente, volto ao ponto, as guerras religiosas foram muitas, mas não tão imensas como as de conquistas e de causas acima apontadas. As diferenças étnicas são também causas fortíssimas de guerras, notadamente de povos de mesmos troncos ou ramos, como sérvios e croatas, africanos, judeus e árabes etc. O simbolismo Caim x Abel, ilustra muito bem essa animosidade entre famílias e etnias.
Sim, prezado, as minhas inquirições seriam também respostas, por que não?
Na verdade, a única coisa que me leva a não matar meu vizinho é o fato de eu não ver nisso vantagem alguma. Na hora em que eu acreditasse que isso ia, de alguma maneira, me beneficiar, eu ia arrumar uma "justificativa" qualquer (tanto mais plausível quanto mais racional eu for...).
Isso vale para religiosos, ateus e agnósticos. Quem acha que não, corra o risco...
Eu gosto muito deste vídeo:
http://youtube.com/watch?v=7lRl0s4hNOA
Dá pra ver bem como este homem usa a crença pra justificar o objetivo.
Isto sim é um exemplo de racionalidade. Aplicação lógica.
Como Carlos Mago diz...
Será que sem uma entidade metafísica auxiliadora que o perdoe, ele continuaria com suas ações?
Não, não tive nenhum entendimento metafísico ou filosófico. Simplesmente tentei entender o que está escrito. Que a razão é uma ferramenta. Uma tentativa de agir de modo coerente. Se você acha coerente não matar porque Deus manda, você agirá racionalmente não matando.
Isso é o que me parece estar escrito ali. Embora não concorde com a conclusão de que o racionalista não mata porque não quer.
Prefiro a ética de Kant, sabe? Não mato meu vizinho, porque não acho que isso seja uma máxima universalizável.
Quanto às guerras, não acho que esse seja bem o assunto do post, mas enfim, não gosto muito dos historiadores marxistas, que defendem que a economia motivou toda a história. Acho complicado dizer que meu ponto de vista não corresponda à realidade. Você pode me dizer com certeza se os cruzados queriam ouro ou se acreditavam estarem a mando de Deus? Ou se os muçulmanos queriam mais rotas comerciais ou se constríram um dos maiores impérios da História para expandir sua crença?
Acho que aí entra o assunto do post. A religião pode não ter tido um papel central nas guerras gregas, na expansão americana, no colonialismo, mas servia como justificativa, como alento moral.
Percebe, eles agiam racionalmente. Acreditavam que por motivos religiosos eram melhores que outros povos, e tinham portanto todo o direito do mundo de tomar suas posses. Acho que o post toca nesse assunto, mesmo um raciocínio baseado em dogmas religiosos pode levar à conclusões perigosas.
Acho muito divertida a ambigüidade de refutar-se a história e ao mesmo tempo concordar com ela.
Bem fez Spielberg em inventar nas telas do cinema um protótipo metade máquina do tempo metade automóvel, que poderia servir para incentivar os magos das ciências a desenvolver algo semelhante, a fim de registrar in loco acontecimentos passados ou antever futuros.
O que também é hilário, é o fato de os céticos destacarem sempre os motivos religiosos como o carro-chefe dos males e atrasos do mundo. Adoram estabelecer a diferença elitista de que a racionalidade das ciências na razão das equações e teoremas científicos, se há séculos ou talvez milênios desenvolvida, - tal como agora nos atuais calhamaços das teorias, - teria levado o planeta a rumos muito mais fantásticos e verdadeiros.
cara, eu não sei que realidade fantástica tu vive, mas "máquina do tempo" populava ficção científica desde antes de h.g.wells. dá uma procurada no dicionario o que significa ficção ok?
tem certas pessoas aí que tentam trazer o mundo da ficção e da imaginação pra sua realidade. deve ser frustrante descobrir que tempo não existe, independente dos conceitos que damos para a posição em que os objetos se encontram, indiferente do que tua mente cria.
vai estudar o mané.
Ah, boa sugestão! Afinal, quem não estuda não aprende, não é mesmo?
Se me permite, mestre, acho que o "mano" deve procurar um professor de semântica para ajudá-lo escrever e interpretar textos. Ficou muito longe do que passei.
Em seguida, deve pedir ao mesmo professor para corrigir os erros primários de Português de suas mal traçadas linhas.
Terríveis as pontuações, concordâncias verbais, pausas e estruturas das tentativas de orações; nota 0.5 com louvor!
E naquilo que você produziu, acho até que o corretor ortográfico não conseguiria grande coisa, mas, enfim, tente acioná-lo! Assim, no futuro, o vexame pode ser menor.
Abraços "mano".
adoro qnd vcs crentes ficam sem argumento e aponta pros erros de portugues.
vc tem toda razão sabe, na verdade tudo que leio de vc tem todissima razao, parece um cara com 600 anos de idade q ja estudou tudo leu todos livros do mundp etc. mt experiencia na veia!
parabens pra vc cara!
Grande professor Simomni,vou colocá-lo nos meus "favoritos".
Me servirá para ensinar meus alunos como não escrever ou argumentar.
Por favor, comente mais!
obrigado cara,gosto de ser a estrela da festa, o centro das atençoes
é tao gostoso crer que estou com a razao
tb gosto de ter sempre a palavra final!