De Neil Armstrong a Marcos Pontes

O título soa patético? É a intenção. Nesses 40 anos do pouso da Apollo 11 na Lua, seria interessante fazer uma reflexão sobre os (des)caminhos do programa espacial “tripulado” brasileiro.
(E, para evitar qualquer mal entendido que venha a dar origem a um flame war que não seja pertinente ao assunto: aqui não vai nenhuma crítica aos profissionais, cientistas, engenheiros e técnicos que fazem o programa; minha briga é com os policy makers, o pessoal que toma as decisões em alto escalão).
Bom vamos lá: se há algo em que a estratégia de absolvição mútua PT-PSDB — você já viu isso na internet: alguém fala mal do Lula e a resposta é, “Ah, mas o FHC fez (inclua aqui seu ato tucano de pusilanimidade favorito)”; alguém critica os tucanos, e a resposta é “Ah, mas esse Lula é um (inclua aqui seu exemplo de ignorância e falta de tato predileto)” — não funciona, é o cômico vexame do envolvimento brasileiro com a Estação Espacial Internacional (ISS). Trata-se de uma vergonha nacional essencialmente suprapartidária.
Tudo começou, vamos deixar isso bem claro, com o FHC assinando o compromisso de participar da ISS, durante uma visita do Bill Clinton ao Brasil. E terminou com a patética (olha o adjetivo aí de novo) “Missão Centenário” do astronauta Marcos Pontes, que depois de ser selecionado e treinado em Houston, formando-se no topo da classe como astronauta profissional, acabou fazendo um voo com os mesmos meios, a mesma duração, o mesmo preço (não, desculpe: ele teve um desconto de 50%) e o mesmo proveito técnico-científico que os dos turistas espaciais — por conta de um acordo entre o governo Lula e a agência espacial russa.
Atualmente, o Brasil, que foi um dos sócios-fundadores da ISS, sequer é citado nos comunicados à imprensa sobre a estação emitidos pela Nasa. Quem assistiu ao documentário IMAX sobre a estação, que passou em São Paulo, deve ter visto a bandeira brasileira num das escotilhas, mas só porque odocumentário é bem antigo.
O que aconteceu? Basicamente, o Estado brasileiro deu um calote em suas obrigações para com o projeto. Inicialmente comprometido a produzir peças no valor aproximado de R$ 200 milhões, o governo brasileiro pediu revisões para menos desse investimento e, no fim, acabou não entregando nada.
Mal comparando, esse valor, R$ 200 milhões, é o que se perdeu, por exemplo, numa única fraude da Previdência Social em São Bernardo do Campo (SP). Ou o equivalente a pouco mais que a folha de pagamento mensal dos funcionários do Senado Federal.
Dá para discutir de quem foi o erro maior, se de FHC ao assinar um acordo que o Brasil não estava a fim de cumprir, se de Lula, ao insistir em mandar o Marcos Pontes ao espaço de qualquer jeito, ou se da sociedade brasileira, que não valoriza o investimento em ciência (vamos lá, o país tem R$ 200 milhões para gastar ao mês sustentando burocratas numa repartição federal inchada, mas não para investir ao longo de dez anos num programa internacional de cooperação científica e tecnológica? E nem estou discutindo se a ISS seria o programa certo para investir).
Enfim, enquanto a ISS, praticamente completa, prepara-se para começar a fazer ciência a sério e tem sua primeira tripulação amplamente multinacional, com um comandante belga que assume o posto numa grande festa de cooperação e amizade internacional, o Brasil é o moleque irresponsável que fica do lado de fora chupando o dedo.
E a Índia, que não tem nada a ver com isso, envia sondas à Lua.

Discussão - 3 comentários

  1. João Carlos disse:

    Você restringiu a crítica ao caso do Marcos Pontes... Mas o problema é com todo o Programa Espacial brasileiro. Ele sofre dos mesmíssimos problemas que o Programa Nuclear tocado pela Marinha. O ranço da ditadura continua a causar baixas e qualquer iniciativa no campo das ciências que envolva os militares fica mal vista por um esquerdismo infantil da comunidade científica e um esquerdismo oportunista dos vivaldinos de plantão (leia-se: políticos).
    Basta comparar: o Obama nomeou para Secretário de Energia o Steven Chu; nós temos Edson Lobão... O Obama nem trocou o Secretário de Defesa do governo anterior; nós temos aquela triste figura do Jobim que adora posar para as câmeras vestindo um uniforme camuflado, mas não entende chongas de defesa, nem de administração militar...
    E quem é mesmo o titular do Ministério da Ciência e Tecnologia?...

  2. Isso, infelizmente, é histórico. O Brasil até que consegue juntar um dinheirinho, vez por outra, pra investir em ciência. Mas não consegue manter.
    Nas colaborações atuais, é de praxe o Brasil soltar uma grana (pouca que seja) para construir ou montar um dado aparato, mas não se responsabiliza pela manutenção. O que vale é o agora.
    Isso ainda são resquícios de uma república de bananas, onde o que um governo decide hoje pode não ser continuado por seus sucessores. Na escala federal, menos mal que isso está acabando (acho). Mas ainda precisamos ver isso quando se trata de investimentos a longo prazo (ciência incluída).
    Obs.: Quanto à ISS, além de tudo isso que você comentou, teve a explosão da nave espacial americana na re-entrada na atmosfera. Isto adiou ainda mais uma possível ida do, até então, "astronauta brasileiro". E com as eleições se aproximando (re-eleição do Lula), pagar por uma caroninha no programa espacial russo veio bem a calhar.

  3. cretinas disse:

    João, achei a restrição de tema necessária basicamente porque não me sinto capaz de fazer a transição do meramente ridículo (o astronauta reduzido a turista em pacote econômico) ao trágico (as vidas perdidas em Alcântara). Pelo menos, não em uma só postagem...

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