Acima, como abaixo

A Nature que circula esta semana traz um artigo sobre o melhor método de realizar o “empacotamento denso” de sólidos platônicos (os formados por polígionos regulares, e que você provavelmente estudou/está estudando/vai estudar no ensino médio) e arquimedianos (formados por dois ou mais tipos de polígonos regulares). Quabndo bati o olho na história, pensei: que legal! E, logo em seguida, assaltou-me a dúvida: como explico que é legal?
Começando pelo começo: “empacotamento denso” significa a melhor forma de junta um determinado conjunto de objetos num espaço de modo que a maior fração possível do espaço seja ocupada pelos próprios objetos.
Cubos ou paralelepípedos têm uma densidade de empacotamento de 100%. Idealmente, é possível empilhá-los sem deixar nenhum espaço entre eles. Já esferas e icosaedros, por exemplo, são casos à parte.
O empacotamento de esferas, aliás, é um problema matemático clássico. Até Kepler, o das três leis, chegou a elaborar uma conjectura a respeito do modo mais eficiente de juntar esferas num espaço tridimensional. O problema é mais complexo do que parece: uma prova da conjectura, apresentada em 2005, ao que tudo indica não tem falhas. Se a conjectura estiver correta, o empacotamento mais denso possível de esferas gera um aproveitamento do espaço da ordem de pi/SQR 18, ou 74%.
No artigo da Nature, que tem como autor principal o engenheiro e matemático Salvatore Torquato, da Universidade de Princeton, são apresentados empacotamentos que superam os 90%, para o dodecadedro e o octaedro.
O caso do dodecaedro é especialmente interessante porque essa é a forma que esferas empacotadas assumem quando se permite que elas se expandam à vontade, encontrando como barreira apenas a rigidez das esferas ao redor. Em duas dimensões, isso é o que ocorre com círculos, que acabam deformados em hexágonos — daí o formato dos favos de mel.
A conclusão do artigo de Torquato é uma generalização da conjectura de Kepler para todos os sólidos platônicos ou arquimedianos dotados de simetria central — isto é, dotados de um centro que divide exatamente ao meio todas as linhas que unem pontos opostos da superfície. Essa generalização diz que o modo mais eficiente que obter os empacotamentos é por “treliça”.
“O modo mais fácil de explicar a treliça é no caso de esferas”, escreveu Torquato, depois de consultado, via e-mail, por este blog. “Um empacotamento de esferas por treliça significa que é possível dividir o espaço em células, ou unidades repetidas, idênticas, que contêm exatamente uma esfera. Cada esfera no empacotamento infinito pode ser vista como tendo uma célula associada a si. Essas células são as menores unidades repetidas que permitem realizar o empacotamento. Em empacotamentos sem treliça, as unidades repetidas são mais complexas, porque contêm duas ou mais esferas, arranjadas de um modo mais complicado”.
E o que há de legal nisso? Bom, se você ainda precisa perguntar, fico surpreso que tenha lido a postagem até aqui. Mas respondo, mesmo assim: essa questão do empacotamento é mais uma evidência do que já foi chamado de a “nada razoável aplicabilidade da matemática às ciências físicas”. Tratado de modo abstrato, o problema do empacotamento denso oferece dados importantes para situações que vão desde a melhor forma de guardar latinhas de cerveja na geladeira à organização de sementes numa vagem, células num corpo, átomos numa estrela.
O velho Hermes Trimegisto não estava tão errado assim, afinal.

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