Paradoxo de sexta (39)

O Paradoxo Heterológico, da semana passada é, como o Igor sugeriu, um tipo de paradoxo de autorreferência (que pode ocorrer quando uma frase ou palavra tenta dizer uma coisa sobre si mesma). Mas é de um tipo especial e historicamente importante: é um paradoxo de autorreferência de conjuntos.
Para entender o significado disso, vamos voltar ao estado da matemática no início do século passado: naquela época, parecia — mesmo — que a realização do sonho de reduzir a matemática à lógica pura e de eliminar, se não todas, pelo menos 99.9999% das circularidades e dos apelos à intuição nas definições matemáticas (tipo, “um número par é um número divisível por 2. O que é 2? É o menor número par”) estava ao alcance da mão.
O veículo para isso seria a teoria dos conjuntos. Números seriam definidos a partir de relações concretas entre conjuntos. Dois números seriam iguais, por exemplo, se os conjuntos a que se aplicam — digamos, um de cubos azuis e outro, de pirâmides vermelhas — pudessem ser organizados de tal forma que, a cada cubo azul, correspondesse exatamente uma pirâmide vermelha.
Perceba que essa é uma definição de número onde não aparece a palavra “número” no enunciado, o que é considerado de muito bom tom. O conceito intuitivo de “um” entra na jogada, mas em nenhum momento “um” é definido como número ainda nessa etapa do processo.
O problema é que logo apareceram defeitos na própria teoria dos conjuntos. O paradoxo clássico é o seguinte: um conjunto pode ser ou não membro de si mesmo (o conjunto de todos os blogueiros não é um blogueiro, mas um blog que reúna as postagens de todos os blogs é um conjunto de blogs e, também, um blog).
Então, agora imagine o conjunto de todos os conjuntos que não são membros de si mesmos (todos os blogueiros, todos os cristãos, todos os ateus, todas as torneiras…). Esse conjunto é um membro de si mesmo?
Duh.
Se não é, então devia ser; se é, então não pode ser.
Como o paradoxo a semana passada pode ser refeito em termos de “o conjunto das palavras heterológicas” e do “conjunto das palavras autológicas”, ele é equivalente a esse paradoxo mais geral dos conjuntos. Qual a saída?
Bom, a teoria dos conjuntos que permite a formação desse tipo de paradoxo foi classificada de “ingênua” e os matemáticos passaram a buscar alternativas. Uma que ficou famosa foi a Teoria dos Tipos, de Bertand Russell, que cria uma hierarquia de tipos: “tipo zero” são os elementos sem membros; “tipo um” são os conjuntos formados por coisas de “tipo zero”; “tipo dois” são os conjuntos de coisas “tipo um”… Dessa forma, nenhum conjunto poderia ser membro de si mesmo, já que qualquer coisa de que ele seja membro tem, por definição, de pertencer a uma ordem, ou tipo, superior à sua.
Mas nem todo mundo gostou da Teoria dos Tipos, e o problema não tem solução consensual até hoje.
Para a semana que vem, vamos não com um paradoxo, mas com uma pergunta: suponha que você jogue 100 moedas idênticas para cima. Qual a sua expectativa de que exatamente 50 caiam cara?

Discussão - 6 comentários

  1. Carlos Lopes disse:

    .0795892373871787619 ~ 8%
    100!/(50!*50!)/2^100

  2. André disse:

    Se são exatamente idênticas, a jogar elas cairão sempre do mesmo lado. Logo, 0% de chance, pois nunca exatamente 50 moedas cairão com amesma face(sempre serão 100 moedas)

  3. Kitagawa disse:

    Imagino que num gráfico de probabilidades, onde num extremo teriamos 100/0 e no outro 0/100, a curva teria seu apice no meio (50/50), sendo que nos extremos a probabilidade tenderia a zero. Enfim, a probabilide maior seria mesmo a de dar 50/50, mas não seria muita, seria quase a mesma de dar 49/51, 48/52... Em termos de calculo, não faço a menor idéia de como processar isso, talvez o Carlos acima saiba, mas não entendi muita coisa do que ele apresentou.

  4. Igor Santos disse:

    Cheguei atrasado neste, mas a minha expectativa depende de quanto eu ganharia com isso.
    Estatisticamente, seria o produto de todas as chances individuais, ou 0,5^100.

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