Sherlock Holmes e as artes marciais
Todo mundo anda falando de Avatar, e Sherlock Holmes, uma joia de filme, acaba passando quase despercebido, o que é uma pena. O que eu queria comentar a respeito é uma certa dissonância que tenho visto nas (poucas) resenhas do filme que encontrei na imprensa, e que se referem ao filme como uma espécie de “releitura” do personagem, como se Holmes tivesse sido recriado como “super-herói” ou “herói de ação”.
Dissonância que mostra que os críticos talvez estejam familiarizados com os filmes anteriores do grande detetive, mas certamente não com os livros.
Porque o personagem de Conan Doyle era, afinal, um herói de ação: em O Signo dos Quatro, por exemplo, Holmes não só protagoniza uma excitante perseguição de lancha pelo Tâmisa à noite, como ainda é reconhecido por um ex-pugilista profissional, que se lembra de ter sido nocauteado por ele numa luta.
Além disso, em A Aventura da Casa Vazia, o detetive revela ser um mestre de “baritsu”, uma arte marcial japonesa cujo correspondente no mundo real é um certo mistério — a palavra parece ter sido cunhada por Conan Doyle ou a partir de “bartitsu” — uma versão de jiu-jitsu introduzida na Inglaterra em 1899 por um sujeito chamado Barton-Wright (“Barton”… “bartitsu”… sacou?) — ou de bujitsu, um termo genérico para artes marciais.
Holmes também é descrito por Watson como um exímio lutador com bastão, uma habilidade que salva a vida do detetive quando um bando de malandros de rua tenta atacá-lo em O Cliente Ilustre.
Além disso, é importante lembrar que o detetive, após travar luta corporal com o professor Moriarty em O Problema Final, escala as escarpas suíças com as mãos nuas, e se envolve numa peregrinação que o leva ao Tibete.
No cinema, no entanto, o personagem sempre havia sido interpretado por atores mais velhos — como Peter Cushing — e as limitações de orçamento e efeitos especiais impediam que esse lado de Holmes florescesse nas telas.
Ah, sim: o Sherlock do novo filme não “aposentou” a capa e xadrez e o chapéu de caçador: ele simplesmente nunca os usou (i.e., nunca foi descrito por Conan Doyle envergando esse tipo de traje). A capa inverness e o chapéu deerstalker são adições feitas pelo ilustrador original das histórias, Sidney Paget.
Por fim, Watson: ao contrário dos retratos cinematográficos anteriores, o doutor John H. Watson dos livros nunca foi um velhote paspalho. Ele entra na vida de Holmes ainda relativamente jovem, recém-dispensado do exército por ter se ferido na guerra. É não só um soldado treinado e homem de ação, como faz sucesso com as mulheres (Jude Law está bem no personagem quanto a isso!) e gosta de apostar em cavalos. Como no filme.
O filme em si trapaceia um bocado com o espectador — não é um mistério “fair play”, daqueles em que todas as pistas estão ao alcance do leitor/espectador mais atento — mas o enredo tem coerência, o que é mais do que se pode dizer de muito blockbuster por aí.
Enfim: foi necessário esperar que se passasse uma década inteira do século 21 para que o herói mais emblemático do 19 aparecesse por inteiro na tela.
(Antes que me perguntem o que raios este post está fazendo no SbB: a sherlockologia também é uma ciência. Se não acredita, visite a Sherlockian Net)
Discussão - 8 comentários
Bom, como nunca li os livros do Sherlock Holmes, devo dizer que esse post foi de imensa utilidade para mim. Fiquei fascinado e mais empolgado ainda para ver o filme!
Inté!
PS: E que isso de ter dúvidas quanto a postar esse tipo de conteúdo no SbB??? Pode fazer isso sempre, por favor... Rs!
Excelente post! Isto deve servir para calar a boca dos fãs dos filmes antigos (que nunca leram os livros de verdade) que ficam reclamando da quantidade de ação do novo filme.
salve
assiti ontem o filme e sou um fã da literatura de conan doyle e estou bem ok com as cenas de luta, que apesar de um tanto exageradas (muito violentas ou muito orientais) sim ainda refletem a caracterista marcuial de sherlock, ja no jovem sherlock holmes, no enigma da piramide ele duela com seu preceptor e ambos eram eximios espadachins, no papel sim ele é um bom lutador com bastoes tecnicas de esgrimai ainda e boxe (pugilismo)
o que eu nao gostei na verdade foi a aparencian de frances vagabundo e nao de um ingles metodico e se seu fiel ajudante watson que era mais foda que ele, o watson sempre foi um capachao, e o guy ritchie transformou ele num super medico fodalhao!
mais no geral é um excelente filme, boa fotografia e figurinos e otimas cenas de acao.
O filme é realmente muito, a cena onde o Sherlock vai desvendando toda a "magia" através da ciência é épica, mas só há uma pequena incongruência: De que serviu, afinal, o miniritual que ele fez em casa, no pentagrama, com direito a sangue e tudo?
Fora isso, percebi uma certa "tensão sexual" entre o Sherlock e o Watson, que não tem muito a ver com o personagem em si.
Mas, resumindo, o filme é muito bom, vale a pena ver - no cinema.
Excelente! Finalmente alguém que sabe ler e não depende de imagens em movimento para criar opiniões!
Cansei de explicar a pseudofãs que Sherlock Holmes é daquele jeito nos livros e ouvir de volta "mas ele nunca correu!". É, que nenhum cachorro nunca foi atrás dele...
Gostei do filme...
Mas como sempre, criamos um cenário em nossa mente quando lemos os livros...
Cretinas, adorei o seu post. Ótima a sua colocação sobre os "pseudofãs". Não somente em relação a isso, mas todas as áreas do conhecimento estão repletas deles...
Wendell o seu comentário foi muito interessante, ele me fez lembrar uma pergunta que uma colega minha, que assistia ao filme comigo, me fez. Ela perguntou-me: "Sherlock Holmes era gay?". Eu disse "Absolutamente não!!!". É muito comum em determinadas literaturas a exaltação da amizade e fraternidade entre homens, que muitas vezes, nos dias de hoje, é mal interpretada. Você já leu "O vampiro Lestat"? Não estou comparando a literatura de Anne Rice com Sir Conan Doyle mas o livro de Lestat transmite uma mensagem homossexual muito forte aos leitores modernos. Não sei se realmente essa era a idéia, deixo isso para os nossos colegas psicólogos do SBB responderem. Da mesma forma, fiquei me perguntando se os produtores de Sherlock Holmes realmente queriam transmitir essa idéia. O que vocês acham?
Bi, no máximo!