O terceiro escondido
Uma nota rápida sobre lógica: é muito fácil supor que o princípio do “terceiro excluído”, que afirma que, dada uma propriedade — ser belo, verdadeiro, alto, baixo, etc. — ela estará ou presente ou ausente, sem terceira opção, cria um universo de polos opostos: belo ou feio, verdadeiro ou falso, alto ou baixo, etc.
Isso, no entanto, não é verdade. “Não A” não é o mesmo que “O oposto de A”. Pode significar, simplesmente, “a ausência de A”. Assim, se me perdoam o exemplo machista, uma mulher que não é bonita não é, necessariamente, feia; pode ser apenas normal, meio em graça, comum, etc. Um homem pode ser não-alto ao ter 1,7 m, o que certamente não faz dele um homem baixo. E uma afirmação pode ter seu valor de verdade indefinido.
Muitas vezes, a ideia de que a única forma de não partilhar de A é opor-se a A é usada para fins de manipulação retórica e/ou política. Isso vem acontecendo com frequência no debate sobre o uso de símbolos religiosos em repartições públicas — com alguns importantes juristas, cujo treinamento em latim e lógica só me permite imaginar que estejam lançando mão do argumento de má-fé, insistindo que a remoção dos emblemas cristãos consagraria um Estado ateu.
Não é nada disso: a negação do religioso pode até ser o ateu, mas não o é, necessariamente. Pode também ser, simplesmente, o indiferente. Ou o laico.
Discussão - 1 comentário
Interessante como desde sempre vejo nos religiosos esta retórica de preto e branco, sem nuances, sem gradiente, sem espectro invisível.
Fico imaginando, especulando mesmo, se eles não consideram 'ausência de religião' com antagonismo à suas crenças.
Ateus seriam anti-cristos?
Bem, pelo que cristãos em todas suas derivações demonstram desde sempre, opor-se à religião tem motivos bem fundamentados, principalmente na moral e na ética.