Cobras, sombra e água fresca. Enfim, campo!

Uma das maiores vantagens ou alegrias da carreira de paleontólogo é, em minha opinião, poder realizar trabalhos de campo. Como bióloga, eu poderia ter escolhido uma área de trabalho que se restringisse ao laboratório, ou somente à sala de aula. Mas escolhi atuar em algo que tem tudo isso e um plus: o campo. Mas, o que vem a ser uma saída a campo, TC (trabalho de campo), CC (campanha de campo), ou simplesmente “campo”?

É sim possível que na sua mente, neste momento, a imagem de Indiana Jones se forme e que você, mesmo que por um instante, acredite que todos os campos em paleontologia sejam sempre realizados em locais remotos, com cobras e muitas armadilhas. Bem, as cobras sempre estão lá. Junto com escorpiões, vespas e aranhas, elas adoram os paredões em que a gente trabalha. Mas não é necessário ir a locais remotos para encontrar fósseis. Eu mesma realizei as coletas da minha pós-graduação num afloramento de rocha à beira de uma estrada, muito próxima a uma cidade. Era só parar no acostamento e trabalhar.

Como já passamos da época de estabelecimento das diversas áreas científicas, processo que ocorreu por volta da transição entre os séc. XVIII e XIX, em que pouco se sabia e as áreas científicas (inclusive a geologia e paleontologia) estavam sendo delimitadas, atualmente os trabalhos de campo não são mais (em geral) tão desbravadores assim. Já temos todo um mapeamento geológico do território brasileiro, e com isso temos uma boa ideia da distribuição das rochas e de suas idades. Assim, antes de irmos a campo, olhamos o mapa e vemos onde estão as rochas que queremos procurar e que devem conter os fósseis da idade que estudamos.

Afloramento aberto pela construção de uma estrada, MT

O segundo passo nesta história é encontrar locais onde estas rochas afloram, ou seja, lugares em que elas estão disponíveis em superfície. Caso elas estiverem somente em subsuperfície, não teremos como acessá-las tão facilmente. Uma forma de acessar estas rochas ainda “escondidas” é com a obtenção de testemunhos de sondagens, muito úteis para os paleontólogos que trabalham com microfósseis. Como os testemunhos tem um volume de rocha pequeno, a maior quantidade de fósseis que eles podem carregar tem que ser de tamanhos muito pequenos, certo? No entanto, como eu trabalho com organismos macroscópicos (de tamanhos que variam de mm a cm), eu trabalho com rochas que aflorem na superfície terrestre.

E como fazemos para encontrar tais afloramentos rochosos? Com o mapa em mãos, sabendo onde as rochas escolhidas podem ocorrer, procuramos por locais onde naturalmente elas podem estar expostas, como paredões de cachoeiras, margens de rios, cânions, encostas. Existem outros processos que podem expor estas rochas, e são antrópicos: margens de estradas e ferrovias, minas, ou grandes obras que necessitem escavações, como as lavras, por exemplo.

Afloramento de rochas do Ordoviciano, em Goiás

Encontradas as rochas, o nosso trabalho árduo começa. Todo o afloramento é medido e descrito detalhadamente, estrato a estrato. Devemos delimitar o espaço e tempo de trabalho, para fins comparativos. E, enfim, podemos começar a quebrar as rochas com nossos martelos, a fim de procurar os fósseis. Cada fóssil encontrado tem sua posição registrada e recebe um número ainda em campo. Depois da coleta, o material é levado ao laboratório e uma nova etapa de análise se inicia.

Lembro-me da primeira vez que encontrei um fóssil, ainda na graduação. A sensação de encontrar um resto de um organismo que morreu há cerca de 400 milhões de anos, quase que completamente ao acaso (no sentido de que se eu não tivesse escolhido aquele ponto, mas outro, eu não teria tido sucesso; ou ainda: que se tivesse batido com o martelo de outro jeito, poderia ter estragado ou sequer percebido que aquele fóssil estava ali) foi perturbadora. Pense bem: não há como escolher o melhor lugar para se encontrar algo escondido entre as rochas. É um lance de sorte. Uma daquelas coisas que nos faz sentir pequenos frente à vastidão da história geológica e biológica da Terra, mas que também nos faz sentir como parte de algo imenso e maravilhoso. Poder conhecer um pouco do que foi a vida num passado tão distante é sim uma grande aventura, e um privilégio.

Sobre Carolina Zabini

Bióloga formada pela UEPG. Professora Doutora em Ciências, área de concentração em Paleontologia pela UFRGS. Atua com paleontologia de invertebrados (BRACHIOPODA: LINGULIDA) Devonianos da Bacia do Paraná, com ênfase em tafonomia.

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