As renas e os cervos surgiram em qual estação do ano?

Na época de mudança de uma estação do ano para outra temos uma ideia de como seria uma mudança climática. A que neste blog nos interessa aconteceu há uns 20 milhões de anos no passado e foi devastadora para muitas espécies. Contudo, graças a ela surgiu um importante grupo de mamíferos, que se diversificou e espalhou por todo o nosso planeta: são os ruminantes, que pertencem ao grupo dos artiodáctilos. Entre eles temos as vacas, porcos, hipopótamos, cabritos, girafas, ovelhas, camelos, além de, é claro, as renas e os cervos, que como outros cervos formam parte da família Cervidae. Mas não os cavalos, os rinocerontes e as zebras, que são perissodáctilos (dedos ímpares). Os artiodáctilos são caracterizados por apresentar, entre outras coisas, patas com número par de dedos e uma inovação no sistema digestivo que permitiu que muitos deles pudessem comer capim, ou seja poder extrair carboidratos a partir da celulose que forma parte do corpo das plantas, por possuir associação com bactérias e protozoários especializados que auxiliam na digestão. Dessa forma, se você observar uma vaca ou uma lhama ela está o tempo todo mastigando ou ruminando o capim para poder moer as folhas em pequenos pedaços e ajudar as bactérias no processamento da matéria vegetal. Inclusive, pelas evidências fósseis, as baleias e os artiodáctilos compartiriam um mesmo ancestral.

Cervo do Pantanal

Voltando à influência das mudanças climáticas para o surgimento das renas, então há uns 45 milhões de anos, o nosso planeta experimentou climas muito úmidos e quentes que permitiram que grandes e densas florestas tropicais se desenvolvessem até na Antártica, e no Norte do Canadá, como já expliquei em outro post. Esse apogeu no mundo vegetal provocou a deposição de um grande volume de biomassa vegetal que foi soterrada e convertida em camadas de carvão, nas quais uma enorme quantidade de carbono ficou sequestrada, não retornando à atmosfera e, por conseguinte, reduzindo a quantidade do nosso principal gás estufa, o CO2. Além disso, ocorreram mudanças importantes na distribuição dos continentes, com as quais a geografia ficou mais parecida com a atual, com o surgimento de grandes cadeias de montanhas como os Andes, o Platô do Tibet (após a Índia bater com a China), etc. Todos esses fatos juntos provocaram um desequilíbrio que levou ao surgimento de uma tendência à diminuição das temperaturas e, por conseguinte, de climas mais secos. Com isso, as densas florestas tropicais se reduziram em tamanho, e um novo tipo de vegetação começou a surgir, uma vegetação mas aberta e composta por variados tipos de capins, onde os artiodáctilos passaram a pastar e ruminar calmamente, além de crescerem em tamanho e correr quando necessário.

Voltando às renas e cervos e por tanto a família Cervidae, essa última possui um extenso, rico e contínuo registro fóssil a partir do Mioceno (~ 20 milhões de anos) até o presente. Os fósseis mais antigos foram encontrados na Eurásia (massa continental que engloba a Europa e a Ásia), na qual possivelmente tenham sido originados, e com o tempo migrado para o resto do planeta.

Já para o Pleistoceno (2 milhões de anos – 10.000 anos atrás) são reportados fósseis de renas gigantes na Europa e na América do Norte. Essas evidências são especialmente baseadas em dentes e chifres, quem sabe os ancestrais das renas do trenó do Papai Noel, pois é no Pleistoceno que aconteceram os intervalos glaciais do Quaternário e o hemisfério norte foi muito afetado por esses períodos frios, chegando a ficar com grandes extensões do seu território cobertas por glaciares continentais.

Deusa Diana www.fanpage.it

Aqui na América do Sul, os cervos chegaram após o surgimento do Istmo de Panamá. Há alguns milhões de anos eles vieram em várias ondas junto com outros migrantes do norte (como já comentamos em alguns texto anteriores). E se deram muito bem, atualmente temos no nosso continente pelo menos 17 espécies que habitam desde os ambientes costeiros até as alturas da cordilheira dos Andes. Nas férias de janeiro fomos para o Pantanal do Mato Grosso do Sul, um passeio que recomendo. Por lá vimos lindos e numerosos exemplares dos cervos pantaneiros (Blastocerus dichotomus), que alcançam grande porte, chegando a pesar até 120 quilos e ter uma altura que varia entre 1,10 a 1,20 m, pelo que são considerados os maiores cervos da América do Sul, e são adaptados para viver em áreas alagadas e até cruzarem rios a nado. Também foi possível apreciar junto aos cervos outros descentes da fauna que veio do hemisfério norte como as onças, além de outras espécies remanescentes da megafauna pleistocênica da América do Sul, como preguiças e capivaras. Bom, quem sabe no próximo natal ou na próxima primavera, ao invés de colocar renas na decoração de natal ou a Deusa Diana estar acompanhada de um cervo da Europa, poderão trocar por um cervo pantaneiro.

Rena na Suecia (Ragifer farandus). http://www.essaseoutras.com.br

Sobre Fresia Soledad Ricardi Torres Branco

Possui graduação em Geografia - Facultad de Ciencias Forestales, Escuela de Geográfia (1988), mestrado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (1994), doutorado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (1998), pós-doutorado no Laboratório de Geofísica Aplicada, I. Geociências, Universidade de Brasília (2008) e Livre Docência em 2013. Atualmente é professor associado do Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, desenvolve pesquisas em Tafonomia de vegetais, floras fanerozoicas da América do Sul, novas metodologias para analises paleontológicas e bioclastos associados a carbonatos.

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