Evolução da consciência e direito animal – o debate

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Primata admirando seu reflexo

Aconteceu em São Paulo, na Livraria Cultura, dia 3 de maio de 2010, a palestra “Evolução da consciência e direito animal”. Consciência por si só já é o assunto mais espinhoso e difícil de debater, afinal sobram, e por isso mesmo faltam, definições só pra poder começar a conversa. E misturar a isto “direito animal”, é a mesma coisa que juntar nitroglicerina e um moleque do interior em época de festa junina. “Será que explode?!”
Organizada pelo escritório de advocacia do advogado Rubens Naves [adendo -difícil chamar advogado de doutor. Para mim doutor é quem tem doutorado, mas parece que D. Pedro Segundo estipulou o tal título para bacharéis em direito e eles adoram jogar isto na nossa cara], teve a presença ilustre de Cesar Ades, psicólogo que trabalha com etologia ou comportamento animal e o cientista mais gente boa dos trópicos; Sidarta Ribeiro, famoso neurocientista que foi o braço direito do mais famoso Nicolelis; eu (Zé ninguém) e mais uma porção de pessoas interessantes, alguns amigos e outros nem tanto; e um grupo organizado de um instituto de proteção dos animais.
(veja o prospecto com mais sobre os participantes aqui)
Tudo começou com uma explicação de porque raios um “adEvogado” tem que se meter em assuntos de animais. Naves já avisou que o escritório tem atuado em algumas causas relativas a direitos animais, e citou outros casos emblemáticos como a farra do boi no Paraná e problemas de saúde pública, as sempre presentes zoonoses. Ou seja, o direito tem q estar atento ao assunto sim.
Chegou a hora do bom velhinho falar, Cesar Ades. Como sempre cativou todo mundo com seu jeito moleque e deslumbrado perante a natureza e o comportamento animal. Lembrou que os animais sempre nos acompanharam durante nossa evolução, e que a própria definição do que é ser humano vem mudando conforme vai se entendendo mais o animal. E ele deu aqui vários exemplos de o quanto animais podem se sobressair em relação a nós, com chimpanzés mais rápidos que estudantes universitários [nenhuma novidade aqui], e até corvos resolvendo problemas que uma criança de 5 anos não resolveria [confesso que mesmo este blogueiro não teria resolvido a parada].
Veio então Sidarta tentar buscar as diferenças entre animais humanos e não-humanos. Tamanho de cérebro? Não, golfinhos e baleias tem cérebros maiores e passarinhos com cérebros minúsculos fazem coisas incríveis.
Comunicação? Não também. Animais conversam entre sim das mais diversas e sofisticadas formas.
Capacidade de entender símbolos? Hum…não. Macacos e pássaros podem entender símbolos se forem acostumados a tal.
Então por que “coisificamos”, ou utilizamos os animais como coisas? Bom, isso foi vantajoso pois foi o que nos trouxe até aqui: evoluimos puxados à charrete e comendo um bom bife. E além do mais fazemos a mesma coisificação com os próprios homens, como em Auschwitz. Sidarta conclui que não estaríamos aqui sem nos utilizar de animais (e homens), e que o problema do direito animal toca também o direito humano.
Começa o quebra-pau
Foi então que esquentou. As perguntas começaram inocentes, mas o grupo de proteção animal ficou com uma comichão na cadeira, se remexendo e falando alto. Deu pra perceber o nervosismo antes mesmo de eu entender que aquele grupo estava junto e sob a mesma causa.
Algumas coisas desse grupo me irritaram:
Acusaram o Sidarta de ter usado de ironia na apresentação para sacanear os defensores de animais que ele supostamente sabia que estariam lá. – Não procede. Não houve cinismo e acho que esse pessoal foi com pedras na mão. A atitude deixou isso mais claro.
Não argumentaram, só atacaram. Um dos adEvogados do grupo de defensores usou o brilhante e inédito argumento “e se fosse você sendo torturado para pesquisa em lugar do rato”, o que eu acho bem infantil para um doutor em direito.
Aí a coisa descambou. O Sidarta disse que fato é que mata animais profissionalmente, apesar de não gostar disso e compensar o fato dando um fim maior ao que faz, e enfatizando que a sociedade como um todo, democraticamente, lhe deu este direito.
Perguntou até quem mais matava animais profissionalmente e eu tive que levantar a mão, né (veja aqui o porquê).
[Se bem que se pensarmos bem, profissão é o que se faz por necessidade, se comemos por necessidade, todo mundo que come algum animal está matando profissionalmente, mas esse não foi o ponto levantado]
Na saída da palestra o grupo, que descobri ser do Instituto Nina Rosa, distribuiu CDs com um documentário sobre experimentação animal, que eu prometo assistir e contar pra você.
E é isso, meu amigo. Peço mais serenidade neste tipo de debate.
E para não pensarem que sou tendencioso, afinal eu uso animais no laboratório, veja aqui um relato do debate de uma advogada (o único comentários que achei sobre o debate até agora, inclusive olhando no site do Instituto Nina Rosa).

Pai come filho para engravidar de outra. Chama o Datena!

[Datena mode on] Isso é um absurdo! Cadê as autoridades? O cara engravida e mata as crias pra engravidar da outra?! E ainda por cima COMEU os filhotes pra sustentar a nova ninhada! Isso não é um ser humano! PÕE NA TELA! [Datena mode off]
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ResearchBlogging.orgFamílias ‘normais’ já são problemáticas e difíceis de entender. Acontece de tudo (para ter uma leve noção é só assistir os noticiários policiais-sanguinolentos do Datena onde a mãe corta o pênis do pai por ter espancado o filho, estuprado a filha, chutado o cachorro e fugido com a irmã do cunhado do primo-irmão).
Agora imaginem a confusão quando o pai é a mãe, e a mãe é o pai, e quem engravida é o pai e a mãe é que tem que escolher o pai… Nossa, complexo.
Ainda bem que isso de papai grávido só acontece muito raramente e não em gente, mas em peixes (esqueçam aquele filme Júnior do Arnold Schwarzenegger em que ele fica grávido. Até hoje sou traumatizado com a cena que aparece o bebê com a cara do ‘Governator’, blargh).
Nesses peixinhos descobriram que as relações familiares são problemáticas. PÕE NA TELA!
Qual seria a vantagem do pai de incubar os filhotes? Sim, porque geralmente (muitos exemplos em todo mundo animal) o homem não quer muito compromisso, afinal ele pode engravidar várias mulheres gastando muitas vezes só um xaveco barato, e é a mulher que tem que arcar com todo o gasto do óvulo, enjôos da gravidez, etc. Por isso elas costumam ser mais seletivas, e acabam sendo elas que realmente escolhem o parceiro mais interessante (ícone disso é a Luciana Gimenez).
Mas o que acontece quando o macho é quem tem um gasto maior ficando grávido? Primeiro que é ele quem escolhe a fêmea, e pros peixes do estudo tamanho é documento, e eles preferem as fêmeas maiores. Outra coisa é que isso divide a responsabilidade.
Que fofo, então a mamãe entra com um óvulo cheio de nutrientes e os machos cuidam deles até a eclosão, dividindo assim as despesas.
Seria fofo se não fosse a dura realidade: os pais acabam tomando o poder da relação e eles passam a controlar quais crias vão ou não vão vingar. Se cruzar com uma fêmea grande, ele investe na cria e ela vai bem. Se a fêmea não é assim uma Angelina Jolie, ele investe menos ou até mesmo come (ou melhor, absorve) os óvulos pra gastar essa energia com uma fêmea melhor. Chama o Datena!!!!
Assim, o que parece um ato de caridade e igualdade entre machos e fêmeas é na verdade um conflito sexual viceral.
Mas no fim isso é bom para a espécie, que acaba selecionando e investindo numa característica que é importante para ela.
Paczolt, K., & Jones, A. (2010). Post-copulatory sexual selection and sexual conflict in the evolution of male pregnancy Nature, 464 (7287), 401-404 DOI: 10.1038/nature08861

Os 10 assuntos científicos mais comentados de 2009

Recordar é viver (desde que não se fique apenas por essa relembrança). Então antes de prever o ano de 2010, relembremos o quase-findo 2009.

Aqui eu vou colar. Copiar e colar, na verdade. Saiu aqui na Scientific American os top 10 assuntos científicos do ano. Do LHC até a “estrela da morte”, vamos a eles:

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  • Grande Colisor de Hádrons – Engasopou ano passado, mas esse ano foi! O colisor de partículas finalmente está em uso, e já bateu todos os recordes da sua categoria “colisor peso pesado”. E ele próprio já é uma previsão para 2010, afinal resultados vão começar a sair logo mais.
  • Influenza A H1N1 – “Craro Cróvis”, como esquecê-la. Nos fez prestar atenção na gripe comum, no nosso sistema de saúde nacional e mundial. Mostrou a fragilidade da informação rápida para o cidadão, onde o único meio de comunicação com informação, explicativa, ajustada e de confiança foi o blog colega Rainha Vermelha, mostrando a força e importância dos blogs de ciência nacionais. Este é outro assunto previsto para bombar em 2010, com a segunda leva do vírus que ninguém sabe como virá. Até o Obama já se vacinou.
  • Ardipithecus ramidus – chocante fóssil estudado por mais de 15 anos antes de ser publicado em edição especial da revista Science (imagino a politicagem ferrenha que deve ser pras revistas “comprarem” este tipo de trabalho que dá muito ibope). Simplesmente este fóssil tem colocado em cheque o que define um hominídeo (ou mesmo o que nos define). Belo presente de aniversário para os 200 anos de Darwin e 150 do seu livro
  • Cop15 esperança e fiasco – tanta preparação pra nada. Ou pelo menos para perceber a fragilidade do nosso sistema político frente a tomadas de decisão rápidas e embasadas em informação científica. Escrevi mais aqui.
  • Vacina contra a AIDS – um mega estudo na Tailândia vacinou 16 mil pessoas. Conclusão: não funciona muito bem. Mas abriu várias janelas de oportunidades para estudar a reação do vírus à vacinação.
  • Hubble tunado – Esse é um que não morre. 19 anos com corpinho de 12 e meio, e agora com novos aparatos, vai continuar em atividade por mais 5 a 10 anos. Isso que foi projetado pra durar só 5! “Conta o segredinho pra essa vida longa e tão lúcida.”
  • Epigenética de pai pra filho – no ano de Darwin descobrem que Lamark estava certo?! Então características adquiridas pelos pais podem passar para os filhos e netos! Pois é, mas sem alterar o DNA, só as travas que comandam a sua leitura. E sim, isso sim muda muita coisa!
  • Água na Lua – 40 anos após a Apolo 11 a Lua revela um novo segredo: água. Danadinha essa Lua, surpreendendo a gente mesmo com um seco Mar da Tranquilidade
  • O laser “Estrela da Morte” – sim é um monte de raios laser que se juntam num ponto só. Se você colocar hidrogênio lá, ele sofre fusão! E fusão é basicamente o q acontece no coração de uma estrela! Servirá para estudos astrofísicos, nucleares e energéticos.
  • Solução pra crise: grana pra ciência – O país está em recessão? O governo tem que soltar uma grana. Obama liberou quase 800 bilhões para salvar a economia, dos quais 21,5bi foram para pesquisa. Áreas de interesse como meios de transporte e energia foram favorecidas e podem fazer a diferença no futuro. O Brasil cortou investimentos nessa área e dizem que nem teve crise por aqui.
  • E vocês, o que acharam da lista? Alguma sugestão de alteração?

Altruísmo: faz bem pros outros, pra você e para seus genes!

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O Teleton está aí. E como o RNAm irá participar do evento no palco do SBT, porque não falar de um tema científico que tem a ver com o evento?

Como faz bem fazer o bem, não é mesmo? Mas será? Isto é o que chamamos de altruismo, ou seja, fazer o bem sem querer nada em troca.
Mas será que o altruísmo é bom? A imensa maioria dirá que sim. Mas daí eu pergunto: bom pra quem? Para a sociedade, a bondade de uma pessoa que se doa para o bem maior é bom, afinal o “maior” é a própria sociedade. Agora e o pobre coitado que se doa, ganha o quê? Uns dirão boa reputação, satisfação pessoal ou mesmo o reino dos céus (aqui a gente já percebe que não se faz o bem a toa, sempre há algum motivo ou “recompensa”).

O maior mistério da evolução

O altruismo é um dos maiores mistérios da biologia. Um mistério evolutivo, mais especificamente.
Afinal a concorrência na sociedade e na natureza é acirrada. Não há perdão para erros nem desperdícios. O objetivo é adquirir recursos para se reproduzir e manter seus filhos e passar os genes para a frente. E se o mundo é assim, como é que uma aberração como a altruismo pode aparecer?

Oferecer mordida no Sonho-de-Valsa é vantajoso?

Ajudar os outros? Doar dinheiro? Emprestar o carro? Dar uma mordida do Sonho-de-Valsa e um gole do Yakult? Isso só diminui os recursos, o que no fim das contas diminuiria suas chances de se reproduzir. Diminuindo as chances de reproduzir, mesmo que muito pouco, em milhares de anos de cruzamentos, o comportamento altruísta seria extinto, não acha?

Este pensamento parece bem lógico, mas como explicar que ele ainda exista? Em evolução, quando uma característica é mantida ela está presente por alguns motivos: ou ela é vantajosa (um cérebro grande, por exemplo); ou ela é neutra, não ajuda nem atrapalha (dente do siso); ou ela traz uma pequena desvantajem e está em processo de sumir (como o apêndice que só serve para dar apendicite). – Atenção biólogos puristas: estes são exemplos ilustrativos. Desculpem se não são necessariamente corretos ou consensuais

Neste caso o altruismo, por ser bem caro para quem o pratica, só pode trazer vantagens muito importantes. O caso é que só vemos a vantagem para o grupo, não para o indivíduo. E um grupo não se reproduz, não passa os genes pra frente.
Daí surgiu a idéia da Seleção de Parentesco (Willian Hamilton), ou seja, a gente só faria o bem para nossos parentes. Afinal eles possuem nossos genes também, e para evolucionistas, quem manda na evolução é o gene.
A Seleção de parentesco parece ter resolvido grande parte das perguntas sobre altruísmo.

Não me mato por um irmão, mas por dois irmãos ou oito primos talvez.

Alguns pesquisadores (Wilson e Wilson) acham que o grupo mesmo pode ser um mandante na evolução. Se isso for verdade fica mais facil entender o altruismo. Afinal um grupo com muitos altruistas agindo pelo bem maior do grupo seria melhor que um grupo cheio de egoistas cada um pensando só no seu umbigo. Isso explicaria como surgiram os insetos sociais, como formigas e abelhas, onde de toda a colônia só um indivíduo se reproduz, e os outros tratam de cuidar e ajudar esta rainha, mesmo que elas mesmas não tenham como se reproduzir. As operárias de colméias e formigueiros seriam o mais puro e extremo exemplo de altruísmo. (A Seleção de Parentesco ainda vale aqui, afinal operarias e rainha são
irmãs, mas a questão é como este comportamento começou, quando ainda
formigueiros e colméias não existiam.)

Nosso corpo é um exemplo de sociedade altruista. Nossas células aceitam benevolentes os comandos centrais do organismo. Elas até mesmo se suicídam quando necessário. As que fogem deste controle podem gerar tumores.

Muita gente até acha que o ideal de sociedade humana seria se ela fosse como um formigueiro. Isso pode dar trela a um tipo de autoritarismo, onde não se tem muita liberdade individual e só se pensa no bem maior. Será que queremos pagar este preço? Mas este é outro assunto.

Mas afinal, qual a vantagem de ser altruísta? Talvez o altruísmo seja mantido nos humanos pela seleção sexual. Assim como chifres grandes e pesados ou rabos gigantes e chamativos foram selecionados pelas fêmeas por elas acharem eles bonitos, o altruísmo talvez atraia mulheres. Assim haveira uma vantagem reprodutiva em ser altruísta, compensando as desvantagens. Isto manteria os “genes altruístas” na população, tornando o grupo altruísta mais apto a sobreviver.

Ainda é dificil saber todos os comos e porquês do altruísmo. Precisamos é saber que este assunto não precisa ser tratado apenas pela religião, filosofia ou psicologia. A biologia pode também estudar este tema, e descobriu que é uma estratégia evolutiva que funciona e já faz parte de nós humanos.

Mas o que vale é que fazer o bem faz bem sim. Portanto FAÇA! DOE! Participe do Teleton 2009 (veja como no fim do post).

Para mais:

A sociobiologia e a crítica dos antropólogos – Revista ComCiência – recomendo fortemente. Uma critica ao determinismo genético e ao antropocentrismo antropológico. Mas lembrem-se que a sociobiologia é apenas UMA das abordagens biológicas do comportamento humano

A evolução da bondade – SuperInteressante

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As doações para a campanha já podem ser feitas desde o dia 8 de Outubro, e seguirão até o dia 6 de Novembro. Veja como fazer para contribuir:

Por telefone, para doar:

R$ 5 ligue 0500 12345 05
R$ 10 ligue 0500 12345 10

Para doações a partir de R$ 30,00 as ligações devem ser feitas para 0800 775 2009

Quem doar R$ 60 pode escolher um dos “mascotes” da campanha, o Tonzinho OU a
Nina. Doações de R$100 ganham o Tonzinho E a Nina. Só prá lembrar: a promoção não é cumulativa.

logo-aacd.gifPara doar pela Internet, acesse o site da campanha clicando AQUI (esse endereço é válido durante o ano todo). Para conhecer mais sobre a AACD visite o site deles AQUI!

Gravidez, lordose e evolução… curvinhas que fazem a diferença.

Conselho para os homens: da próxima vez que virem uma mulher grávida se inclinando para aliviar o peso de sua barriga agradeçam, nós teríamos problemas BEM maiores para dar conta de uma gestação.

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Ahh, se a vida fosse fácil assim…

Você está no RNAm, e hoje falaremos sobre Física. Ou melhor, sobre o Prêmio IgNobel de Física!

ResearchBlogging.orgEm um artigo na revista Nature pesquisadores relataram que a coluna vertebral das mulheres evoluiu de modo a fornecer mais suporte do que a coluna vertebral masculina, provavelmente devido ao esforço-extra durante a gravidez.

Essa observação vale tanto para vocês, mocinhas faceiras, como para as fêmeas de Australopithecus que viviam há mais de 2 milhões de anos, como foi observado em dois fósseis nesse mesmo estudo.

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Australopithecus “normal” em a e grávida em b

Sem esse suporte adicional os músculos das costas precisariam fazer muito mais força para manter a postura ereta. Ao longo dos 9 meses de gestação, todo esse esforço poderia levar a fadiga muscular e eventuais lesões.

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Diferenças entre a mulher “normal” em c e grávida em d e e

Quando nossos ancestrais passaram a andar em duas pernas vários ajustes no esqueleto foram necessários. Nossas vértebras aumentaram em número e largura dando maior suporte a parte superior do corpo e a coluna tornou-se curva na porção inferior das costas de modo a manter os ombros para trás, movendo o centro de massa do corpo acima dos quadris.

Sabem aquela curvinha na base da coluna das mulheres que chama tanto a atenção masculina? Ela tem seus méritos na seleção da melhor postura para garantir uma gestação saudável.

90094449.jpgO peso extra da gravidez muda novamente o centro de massa do corpo para a frente (como acontece quando se anda em quatro pernas) fazendo com que uma mulher seja, em teoria, mais propensa a “cair” para a frente. Assim, os cientistas demonstraram que as mulheres grávidas trazem seu centro de massa de volta aos seus quadris inclinando-se para trás, aumentando a curvatura na base de sua espinha.

Ao medirem o centro de massa de 19 mulheres grávidas, eles descobriram que elas se inclinavam para trás até 28 graus além da curvatura normal da coluna, diminuindo o esforço de torção (ou torque) que o peso do bebê cria em volta do quadril em até oito vezes!

No entanto, essa maior inclinação pode produzir maior stress na espinha: as vértebras são mais propensas a atritar umas às outras, levando a dores nas costas ou mesmo fraturas.

HomemXMulher.jpgOs autores também observaram que a coluna vertebral feminina possui várias características que ajudam a prevenir esse tipo de dano. Enquanto a curvatura inferior da coluna vertebral masculina é formada por 2 vértebras (L4 e L5 no desenho da esquerda), no caso das mulheres temos 3 vértebras (L3, L4 e L5 no desenho da direita), o que ajuda a distribuir a tensão em uma área maior.

Ainda, ocorrem articulações especializadas atrás do cordão espinhal 14% maiores em relação às vértebras masculinas, sugerindo adaptações para resistir a forças superiores. Essas articulações também estão orientadas num ângulo diferente, permitindo maior proteção para as vértebras.

Todos esses fatores fazem com que as mulheres sejam, sem dúvida, mais adaptadas para carregar um bebê. Essas mesmas diferenças encontradas entre machos e fêmeas de Australopithecus certamente foram muito importantes quando o modo de vida era baseado em rotinas de coleta, caça, e, eventualmente, fugindo para não virar comida de predadores maiores ou mais perigosos.

Imagine correr de um lobo, por exemplo, carregando um peso de até sete quilos que ainda te deixa desequilibrado?

É… a vida das mulheres nunca foi fácil. Faz você repensar todas as vezes em que sua mãe te disse “te carreguei por nove meses, seu ingrato!”…

Whitcome, K., Shapiro, L., & Lieberman, D. (2007). Fetal load and the evolution of lumbar lordosis in bipedal hominins Nature, 450 (7172), 1075-1078 DOI: 10.1038/nature06342

E a Biologia Molecular manda mais um cruzado de direita nos criacionistas…

Depois de alguns textos abordando assuntos variados como experimentação animal, e-mails falsos atacando a Monsanto, “assombrações” neurológicas, revistas científicas, como conseguir mais sexo, gripe suína e até ZUMBIS, resolvi começar a semana voltando à minha área de trabalho e falar um pouco sobre Biologia Molecular.

ResearchBlogging.orgA “complexidade irredutível”, um dos argumentos preferidos dos criacionistas para explicar “a vida como ela é” acaba de ter outro de seus exemplos desmantelado por um artigo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Foi muito legal também ver que o autor principal desse estudo é Trevor Lithgow, que tive o prazer de conhecer numa conferência da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (a famosa e inflada SBBq) de 2007.

Antes de mais nada, o que é Complexidade Irredutível?
Componentes celulares intrincados são comumente citados como evidências do design inteligente. Os proponentes dessa idéia dizem que esses componentes complexos não podem poderiam ser fruto do processo evolutivo, por não poderem ser separados em partes menores e funcionais. O fato de serem complexos de modo irredutível é a base para se propor que eles tenham sido “desenhados” intencionalmente por uma entidade inteligente. Então tá, e eu sou o Batman.

O artigo da PNAS compara as mitocôndrias e suas parentes bacterianas, demonstrando que as partes necessárias para um maquinário celular particular já estavam presentes antes de qualquer mitocôndria existir. Foi simplesmente uma questão de tempo até que essas partes se combinassem de modo mais complexa.

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“Prazer, Mitocôndria”

Mitocôndrias são organelas celulares descendentes de bactérias que milhões de anos atrás foram “incorporadas” por células mais complexas. Isso foi proposto por Lynn Margulis, criadora da Teoria da Endossimbiose. Em pouco tempo essas bactérias incorporadas se tornaram personagens centrais para as funções celulares.

joces11616cvf.gifSó existe um porém: essas pré-mitocôndrias não poderiam ter sobrevivido em seu novo “lar” sem um maquinário protéico chamado TIM23 (um complexo enzimático da membrana interna da mitocôndria que pode ser visualizado em amarelo, na imagem ao lado) que realiza o transporte de proteínas para dentro das mitocôndrias. As bactérias ancestrais não possuem o complexo TIM23, o que sugere que tenham sido desenvolvidas já nas mitocôndrias, tempos depois.

Isso traz à tona uma pergunta do tipo “Quem veio primeiro, ovo ou galinha?”: como poderia o transporte de proteínas ter evoluído quando as proteínas eram necessárias para a sobrevivência, no primeiro caso?!

De acordo com a teoria evolucionista, no entanto, a complexidade celular É SIM redutível. É necessário somente que os componentes existentes sejam recondicionados, com mutações inevitáveis promovendo ingredientes extras à medida em que são necessários. Os flagelos, propulsores similares a cabelos usados por bactérias para locomoção, são outro exemplo. Seus componentes são encontrados por toda a célula realizando outras tarefas.

O design inteligente já utilizou flagelos como evidência de sua teoria, assumindo que o mesmo seria uma estrutura irredutível, o que foi posto por terra de acordo com fatos científicos, como pode ser lido nesse artigo da revista New Scientist. Esse estudo utilizando mitocôndrias faz o mesmo em relação ao transporte de proteínas.

“Essa análise de transporte de proteínas nos fornece uma marca para a evolução de maquinários celulares em geral,” escreve a equipe liderada por Trevor Lithgow. “A complexidade dessas máquinas não é irredutível.”

Quando analisaram os genomas de proteobactérias, a família que deu origem aos ancestrais das mitocôndrias, a equipe de Lithgow encontrou duas das partes protéicas utilizadas pelas mitocôndrias para fazer o complexo TIM23.

As partes estão na membrana celular bacteriana, localizadas de modo ideal para o eventual papel de transporte protéico feito pelo complexo TIM23. Apenas outra parte, uma molécula chamada LivH, poderia fazer um maquinário de transporte protéico rudimentar – e (surpresa!) essa molécula é comumente encontrada em proteobactérias.

O processo pelo qual partes são acumuladas até que estejam preparas para se juntarem num complexo é chamado pré-adaptação. É uma forma de “evolução neutra”, na qual a construção das partes não fornece nenhuma vantagem ou desvantagem imediata. A evolução neutra encontra-se fora das descrições de Darwin. Mas quando as partes são juntas, mutações e a seleção natural podem se encarregar do restante do processo, resultando, em último caso, no agora complexo TIM23.

“Não era possível, até hoje, traçar qualquer uma dessas proteínas até seu ancestral bacteriano,” diz o biologista celular Michael Gray, um dos pesquisadores que originalmente descreveu as origens das mitocôndrias. “Essas três proteínas não possuíam exatamente a mesma função nas proteobactérias, mas com uma simples mutação puderam se transformar numa máquina de transporte de proteínas simples, que pode dar início a tudo.”

“Você olha para maquinários celulares e diz, porque a Biologia faria algo assim?! É muito bizarro,” ele diz. “Mas quando você pensa sobre o assunto à luz dos processos de evolução neutra, em que essas máquinas emergem antes que sejam necessárias, elas fazem sentido.”

É, minha gente, tem coisa mais bonita que a Biologia?

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Prá finalizar, minha opinião sobre design inteligente…

Texto adaptado de “More ‘Evidence’ of Intelligent Design Shot Down by Science”, escrito por Brandon Klein e publicado na Wired Science.

Imagens: Journal of Cell Science, Blog The atheist, polyamorous, geek

Clements, A., Bursac, D., Gatsos, X., Perry, A., Civciristov, S., Celik, N., Likic, V., Poggio, S., Jacobs-Wagner, C., Strugnell, R., & Lithgow, T. (2009). The reducible complexity of a mitochondrial molecular machine Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0908264106

Nós evoluímos na cozinha

macaco cozinha.jpgQual foi o truque inventado por nossos ancestrais a 1,8 milhões de anos que permitiu um dos maiores saltos na nossa evolução? Teria sido a faca ou a roda?

O primatólogo e antropólogo Richard Wranghan (talvez fosse melhor dizer um primatólogo especializado em antropologia, afinal humanos estão incluídos entre os primatas), acha que foi o ato de cozinhar alimentos que impulsionou tanto a nossa evolução neste momento.
“A forma de nossos corpos e o tamanho de nosso cérebro são produtos de uma dieta muito rica, que só pôde ser adquirida através do cozimento dos alimentos”, diz o primatólogo que lançou recentemente o livro “Catching Fire: How Cooking Made Us Human,” que trata justamente da importância do ato de cozinhar na nossa evolução.

O pesquisador baseia esta importância do cozimento ao observar chimpanzés selvagens na natureza, que segundo ele têm uma disponibilidade de alimentos parecida com a que nossos ancestrais tinham a 1,8 milhões, pouco antes do surgimento do Homo habilis, nosso primeiro ancestral Homo, ou seja, hominídeo (nenhuma relação com a opção sexual do espécime, por favor).

Menu bom pra macaco

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Os pobres dos chimpanzés ficariam em êxtase se vissem um varejão cheio de frutas e verduras como os nossos hoje em dia. Na maioria das vezes o que ele encontram são frutos secos e de péssimo gosto, que eles precisam mastigar por horas. Alias é assim que nossos primos gastam a maior parte do tempo, procurando e mascando comida extremamente fibrosa.

E esse primatólogo sabe o que um chimpanzé come, afinal ele passou 40 anos estudando os bichos e até mesmo tentou por um tempo comer o mesmo que eles, para avaliar se seria possível manter um humano moderno com uma dieta de chimpanzé. Resultado: fome, muita fome. Até chegou a comer restos crus de macacos caçados por chimpanzés.

O interessante é que de duas espécies de macacos comidos pelo pesquisador e pelos chimpanzés, o pesquisador preferiu a carne de um determinado macaco por ser mais doce. E esse também é o predileto dos chimpanzés. Percebemos assim que nossos paladares têm algo em comum.

Mas e as fogueiras?

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Essa estória é muito interessante, mas tem um probleminha. Se o cozimento foi tão importante, onde estão as fogueiras? A mais velha data de apenas 800mil anos.
Quanto a isto Wranghan não desanima. Segundo ele, realmente não há registro de fogueiras com 1,8 milhões de anos, mas as evidências biológicas são claras. Nossos dentes e nosso trato digestivo ficaram menores nessa época, e a única coisa que pode explicar este fato é a melhora na dieta. E que outro jeito de melhorá-la senão pelo cozimento?

E tem mais, segundo Wranghan, o próprio ato de se reunir perto do fogo nos diferenciou dos outros primatas. Afinal isto estreitou os laços sociais, forçando-nos a viver próximos ao fogo, agüentando os vizinhos chatos sendo mais tolerantes, e tudo que esta convivência forçada pôde trazer. Somos seres muito mais sociais que chimpanzés, por exemplo, talvez graças ao fogo e seus benefícios.

Bem, esta é uma idéia plausível, mas ainda não há dados suficientes para dizer quem realmente veio primeiro (paradoxo Tostines), se o cozimento nos deu energia para manter um cérebro grande, ou se um cérebro grande permitiu inventar o cozimento.

Cozinheiros forjando nossa evolução

Mas o futuro de nossa espécie esta nas suas mãos, cozinheiros de mão cheia. Afinal temos um problema sério hoje em dia de excesso de peso, obesos subnutridos e outros problemas relacionados ao nosso apetite voraz por calorias, vestígio dos tempos préhistóricos em que não havia essa fartura de alimento que há hoje.

Aliás quando vemos a dieta do Homo sapiens préhistórico, não é por coincidência que ela bate exatamente com a dieta ideal recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Nosso corpo ainda está adaptado ao nosso ambiente ancestral.

Pensar na nossa alimentação levando em conta a nossa evolução, pode nos manter saudáveis ou nos forçar a mudar.

Ao leitor deixo uma informação final interessante. Para quem é requintado, de gosto apurado e que gosta de pratos finos, saiba que o maior salto evolutivo na história da cozinha foi o simples cozimento na fogueira, mais conhecido como churrasco. E pior, sem nenhum salzinho.


Leia entrevista com Richard Wranghan no The New York Times

RNAm Expresso vol. 1

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Concurso de vídeos científicos da revista The Scientist – Muito legais
Autoajuda ‘não beneficia pessoas com baixa autoestima’: antes de sair reproduzindo “O Segredo” e afins, tenha certeza do seu estado espírito, ou as coisas podem não sair como planejado… – BBC Brasil
Link tosco do dia:
Harmonize seu carro de acordo com seu signo: nunca mais compro carros sem consultar o horóscopo – Yahoo! Autos, via @flavioney

O inimigo do meu inimigo é meu amigo: O papel da guerra na evolução humana

ResearchBlogging.orgHummm… quero ver os comentários dos pacifistas sobre os artigos que geraram este post.

Encontrei um artigo muito interessante sobre evolução humana que saiu dia 5 de Junho de 2009 na Science e fui atrás de mais leitura. E não é que meio sem querer acabei me deparando com um hype? O outro artigo que encontrei logo de cara é da Nature! Logo em seguida mais páginas tratando do mesmo assunto, como na Discover e na New Scientist. E o melhor, todos esses artigos publicados num intervalo de 2 dias, ou seja, grandes veículos comentando as mesmas publicações praticamente ao mesmo tempo… amo a velocidade de hoje em dia.

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Mas vamos ao que interessa: um dos comportamentos mais nobres observados em nós, o Altruísmo, acaba de ganhar uma teoria de desenvolvimento MUITO interessante. E por que eu digo isso? A teoria se desenvolve com base na evolução do comportamento altruísta devido ao acontecimento de um grande número de… conflitos e guerras!

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O preço a se pagar pela preferência feminina

ResearchBlogging.orgUma publicação recente do Evolution and Human Behavior anunciada na New Scientist chamou minha atenção: o aparente sucesso dos homens “sarados” com as mulheres pode não ser tão vantajoso – ao menos em termos evolutivos – como se acreditaria.

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A pesquisa realizada pela Universidade de Pittsburgh analisou dados de 5000 homens entre 18 e 49 anos coletados no período entre 1988 e 1994, e chegou a conclusões bastante interessantes. Resultados de trabalhos anteriores haviam demonstrado que as mulheres preferem homens mais fortes – que tendem a ter mais parceiras e iniciarem a vida sexual mais cedo que homens esguios – quando outros parâmetros são equalizados (não vou falar de dinheiro senão vão me xingar… ops, já falei).

Também já havia sugestões na literatura do eventual custo de se “manter o corpinho”, uma vez que é sabido que a testosterona – o hormônio que promove o crescimento muscular – é um potente supressor do sistema imunológico, ou seja, o aumento de musculatura pode vir às custas de uma menor resistência a eventuais doenças. Essa diminuição da capacidade imunológica foi observada em menor produção de leucócitos (as células brancas do sangue responsáveis por combaterem infecções) e de uma molécula produzida no fígado chamada proteína C-reativa, presente no sangue em momentos de inflamação aguda, quando ajuda a destruir patógenos.

Ainda, quanto maior a quantidade de músculos mais calorias precisamos ingerir para manter tudo funcionando normalmente. Isso pode parecer pouco importante nos dias atuais, em que temos oferta alimentar mais do que abundante, mas nossos ancestrais enfrentavam um cenário bem diferente.

bodybuilder_smallest1.jpgAssim, apesar dos “benefícios sexuais” observados, os problemas derivados desse alto consumo de energia podem compensar um ao outro, o que explicaria porque, em termos práticos, homens esguios são igualmente bem-sucedidos!

E aí, aquela vontade de ir prá academia se preparar pro mulherio passou? Com certeza é bom definir os motivos que te levam à malhação e repensar o prêmio por horas puxando ferro!

Sem falar que, enquanto você malha, corre o risco de a sua namorada estar sendo xavecada por um magrinho, hehehehe!!!

Lassek, W., & Gaulin, S. (2009). Costs and benefits of fat-free muscle mass in men: relationship to mating success, dietary requirements, and native immunity Evolution and Human Behavior DOI: 10.1016/j.evolhumbehav.2009.04.002