Competições de Biotecnologia e os novos Rituais de um Fazer Ciência Marginal

Vários meses treinando. Às vezes anos. Tudo pra chegar nas Olimpíadas e ganhar um pedaço de metal que nem de longe paga o custo e esforço para chegar até ali naquele momento. A pessoa toda abandonada, sem dinheiro, sem apoio  – aquela que vira o alvo preferido doa jornalistas quando ganha alguma coisa – faz tudo isso só por causa dessas benditas medalhas. Pra que todo esse esforço, não é mesmo?

Rio 2016 - Judô

Mas vá lá e pergunte pro Diego Hypólito se ele pararia com isso. Ou se a Rafaela Silva desistiria do judô. Até mesmo quem só assiste tudo de longe consegue sentir o quão aquilo tudo é emocionante – a não ser que você tenha o coração de pedra, aí você não vai sentir nada mesmo. A questão é que essas pessoas e as competições que elas vivem são reflexos de coisas muito mais antigas que as próprias Olimpíadas: os rituais do caminho do herói; do caminho do indivíduo efêmero na Terra. Em um dos seus livros mais famosos (O Herói de Mil Faces), o mitólogo Joseph Campbell aponta como os rituais são importantes no caminho do “herói”. Essa figura é presente em vários contos, histórias e mitos de diversas culturas de diversas épocas e lugares do mundo, é no fundo uma tradução cultural de coisas inexoráveis na vida de todos: nascimento, morte, crescimento, separação, dúvida, medo, sexo… Os rituais seriam então muito importantes no desenvolvimento da percepção e verdadeira vivência das diferentes fases da vida. Nós precisamos de rituais para viver, somos o herói que precisa fazer suas passagens e travessias para salvar o mundo e a si mesmo. A ausência de rituais geraria portanto uma estagnação, um sentimento de que as coisas não acabaram quando deveriam – por isso, à grosso modo, velamos nossos mortos, mudamos de corte de cabelo, arrumamos a casa, mudamos de endereço. Segundo Campbell, na nossa sociedade contemporânea esses rituais tornam-se mais ausentes e a falta deles é o que contribui para o desenvolvimento de transtornos da mente. Então, de certo modo, vivenciamos esse rituais como podemos. As competições, sejam elas quais forem, são perfeitas para isso.

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Capa da primeira edição do “O Herói de Mil Faces”

O Fazer científico talvez seja um conjunto de rituais muito mais explícito que a maioria dos esportes. A situação pelo menos é a mesma: pouco dinheiro, pouco apoio, falta de compreensão, reconhecimento como objetivo principal de carreira… A carreira científica inclusive é uma competição (para muitos). Os ritos são aliás muito mais frequentes e explícitos; pense na expressão “iniciação científica”, nas roupas cerimoniais de formatura, nos chapéus engraçados, nas cabeças raspadas, “prova”, “defesa” de tese, na maneira como são dadas as palavras e proferidos os juramentos – finja que você não sabe o que é a academia e tudo vai parecer uma seita muito bizarra. E tudo isso fica inclusive marcado em todo processo científico, como por exemplo, a quem é permitido (ou esperado) fazer determinados tipos de questionamentos, a quem pertence a fala, as decisões – tudo passa por um ritual de validação que transforma o “herói” para capacitá-lo a “ser”. Pelas ideias de Campbell, a academia seria excelente para preencher o vazio de rituais de passagem no nosso mundo contemporâneo. Só que não. Não é isso que acontece. Essa seita bizarra está mais para uma… uma gangue de drogas, dizem alguns. A forma não está mais junta de significado, não há herói nem transformação modificadora de verdade nesses rituais. A não ser no aspecto menos formal (e um tanto negligenciado) da universidade: a extensão.

Desde 2012 o Clube de Biologia Sintética da USP é o projeto de extensão brasileiro que mais gerou equipes para a competição internacional de máquinas geneticamente modificadas, o iGEM. Assim como o Diego Hypólito ou a Rafaela Silva, um monte de pessoas vieram e vêm participar do Clube de Biologia Sintética e vivenciam, talvez da maneira mais intensa que se pode, a jornada ritualística do herói dentro do caminho da ciência que os empolgam: a biotecnologia. Essa terça-feira foi o último dia para documentar todo o trabalho feito pelos times brasileiros da USP de Lorena, USP de São Paulo e pela Federal do Amazonas em suas wikis, e é época perfeita para se olhar para trás e se perguntar o que tudo isso significa – já que semana que vem todos estão embarcando para os EUA. Depois de participar de três iGEMs e um BIOMOD posso dizer que o significado de fazer isso tudo é exatamente por TER significado, coisa que os antigos rituais acadêmicos já não fazem mais – novos e “verdadeiros” rituais são uma necessidade para seguir em frente. Pensar o próprio projeto coletivamente e interdisciplinarmente “do zero”, buscar apoio, financiamento e espaço; protagonismo, autonomia, trabalhar em equipe, organizar experimentos, resolver problemas experimentais inesperados, fazer a wiki, barganhar interesses, colaborar com outras equipes, viajar para Boston e ainda publicar os projetos em revistas científicas! Todas essas provações e rituais também refletem novas formas de se fazer ciência, questionando a quem pertence a capacidade de fazer perguntas, a quem deveria pertencer o poder de respondê-las e quais são as perguntas podem/deveriam ser feitas – não é à toa que o movimento “DIYbio” ou biohacking e iniciativas de ciência cidadã ganharam mais força em boa parte à partir de grupos ex-iGEMers (o Clube de Synbio é um exemplo vivo disso).

As minas do synbio extraindo uns DNAs, checando uns protocolos e conversando sobre technoporn no Garoa Hacker Clube.

As minas do synbio extraindo uns DNAs, checando uns protocolos e conversando sobre technoporn no Garoa Hacker Clube.

Mas a  ainda talvez demore alguns anos para a biotecnologia, que existe a décadas, deixar de ser encarada como coisa de ficção científica, não pertencida à pessoas. Enquanto isso o que está em disputa são diferentes formas de se fazer biotecnologia, cada uma com sua dialética própria e diferentes níveis de consciência política. Mas quem sabe um dia, quando uma bactéria fluorescente não for mais mágica do que um mini computador de bolso (vulgo celular), equipes do iGEM não precisem mais passar tão batidas depois de tanto ralar para se fazer projetos de biotecnologia “marginais” na academia – e que conseguir apoio para esses projetos não precise mais ser “parte do mérito”, como uma drama olímpico forçado do atleta que sofreu provações (vendendo miçangas, por exemplo) antes do pódio. Até lá, seguimos tumultuando tudo, passando batido e sendo uns mlks muito liso.

O Brasil no iGEM América Latina 2013

E lá fomos nós de novo viajar em nome do futuro da Biotecnologia do Brasil. Não só a gente, Manaus e Minas estavam lá junto , e nós junto com eles, é claro. Para começar a contar como tudo rolou, vamos começar falando da gente, os brazucas:

Os Brazucas

Os Brazucas todos juntos.

Minas, Manaus e São Paulo em um só lugar.

Foi muito legal ver times do iGEM surgindo pelo Brasil. Bonito em dois sentidos: em relação à UFMG que surgiu com um time quase que espontâneamente, e em relação à UFAM e cia, onde mantínhamos contatos a tempos com o professor Carlos Gustavo, com quem pudemos ajudar e inspirar de alguma forma a criar uma iniciativa firme e forte lá na região ainda bem florestada do país.

O Pedrão e o Grande Carlos.

O Pedrão e o Grande Carlos.

Eu gostaria de escrever uma bíblia aqui sobre os projetos de cada um dos Brazucas, mas para o bem do leitor eu vou dar uma “resumida” (a minha “resumida”):

Manaus

Como já disse antes, nós já éramos amigos deles bem antes de nós todos os conhecermos pessoalmente. Além de uma conversa antiga com o Instructor deles, o Marcelo Boreto desfrutou das delícias de ser um físico manjador de modelagem de sistemas biológicos e ganhou uma viagem lá para Manaus para dar um workshop de modelagem para o iGEM, comer doces de cupuaçu e fazer amizade à moda antiga (na “RL”) com pessoas e outras criaturas, como a Costinha, a preguiça de Lab – as piadas e trocadilhos ficam a cargo do leitor.

Marcelo e Preguiça

O Marcelo num dia que tava com preguiça

A grande ideia do time amazonense foi bem interessante. Eles usaram duas grandes coisas em seu projeto:

  1. o fato de que o chassi Shewanella putrefaciens consegue transportar elétrons (de uma maneira ainda não bem descrita, diga-se de passagem – ia escrever um post sobre isso outro dia) para o meio externo de maneira a gerar eletricidade (esse time alemão do iGEM se deu muito bem com esse tema),
  1. e a ideia de que a fonte desses elétrons poderia vir da degradação de lipídeos, mais especificamente de óleo de cozinha usado.

A grande tarefa deles foi tentar reprimir um inidor da via metabólica de degradação de lipídeos que a torna não-constitutiva e superexpressar genes relacionados ao transporte de lipídeos para a célula. Bem esperto. Levaram bronze medal pra casa e de quebra o prêmio de best presentation, dá um orgulho que só desse povo de Manaus! Veja a wiki deles aqui.

UFMG

O time de minas foi o mais “brasileiro”dos brasileiros, na minha opinião – e não, não é porque nosso time da USP tem estrangeiros. Foi o mais brasileiro porque surgiu do nada, na raça, na gana, sem desistir nunca, e conseguiu o que precisava para ir pra final bem melhor do que nós: que é ter resultados concretos da caracterização dos BioBricks. Também foi time mais emocionante que foi pra final, o da comemoração mais intensa. Sim, eu vi lágrimas em alguns olhos mineiros após a divulgação dos finalistas. Fiquei genuinamente feliz por eles, senti o Brasil representado ali, principalmente com aquele jeitinho mineiro “comequieto” de ser.

Lembrando ainda que deve ser dado a César o que é de César: conhecendo o time mais de perto como pude, consegui perceber o papel crucial e integrativo de cada membro da equipe (principalmente com os que conversei: Mariana, Carlos, Júlio – esse último, grande companheiro dos rolês chilenos), mas gostaria de fazer jus principalmente ao comedido Lucas, que pelo o que senti, com toda sua mineirice, foi um dos grandes bastiões que deu “liga” ao grupo (não é a tôa que ele é um dos idealizadores da Liga Média, há!) e eu acho que todo mundo deve saber disso – a não ser que ele me censure aqui, hahaha.

Os Mineiros e alguns argentinos (créditos portenhos às fotos).

O projeto deles foi interessantíssimo. No iGEM o tipo de projeto que dá para ser feito no tempo curto da competição sem deixar de atingir bons resultados práticos é, sem dúvida, envolvendo biodetectores. Com uma excelente escolha de projeto integrando o know-how dos labs dos professores envolvidos e dos alunos (além de ser completamente viável, diga-se de passagem), a proposta de biodetecção foi criar um método completamente novo de diagnóstico de síndrome coronária aguda (SCA) – que, em outras palavras avacalhadoras, é praticamente um “pré-infarto”. Eles miraram em três biomarcadores dessa síndrome: uma albumina modificada que aparece no sangue durante a SCA, um peptídeo que em altas concentrações indica falência cardíaca e um metabólito que recentemente foi comprovado como indicador para ACS. Dentre os três, o método de detecção mais esperto foi o albumina modificada, em que eles usaram o fato de ela ter uma taxa de ligação menor a metais do que a albumina saudável; o metal que “sobra” (que no caso era cobalto) ativa um promotor indicando a presença do biomarcador. Legal né? Vale a pena dar uma olhada na wiki bonitinha deles.

USP

Bem, e a gente? Nós tentamos fazer um biodetector do Metanol seguindo a ideia de uns posts (esse, e esse) que fizemos aqui no blog lá no começo de 2013. Esse ano fizemos um projeto bem mais completo e focado que o ano passado. Produzimos muito mais em diversos pontos que me 2012 tínhamos deixado de lado: biossegurança, a wiki, design, Human Practices e prototipagem. Dê uma olhada na wiki que fizemos, aqui.

É nóis! Ou melhor, é metanóis!

É nóis! Ou melhor, é metanóis!

Tivemos muito mais financiamento e apoio por causa dos trabalhos de 2012 e conseguimos nos unir em um coletivo que deu certo (unindo ainda mais gente de mais lugares diferentes da USP). É claro que com tudo isso havia a pressão para que ganhássemos a medalha de ouro para ir pra Boston, e ela foi grande! Muita gente ficou desapontada com a nossa medalha de prata, mas não se deve negar que eles foram incríveis: para caracterizarmos os BioBricks (que fatalmente é o que dá a desejada medalha), recebemos a síntese no começo de agosto para entregar os resultados no final de setembro, e detalhe: ninguém do grupo tinha expriência com Pichia e não tínhamos padronizado a metodologia de utilização do equipamento medidor de fluorescência. Mesmo assim conseguimos levar à competição pelo menos um resultado de fluorescência de uma das linhagens que queríamos testar para a caracaterização das partes, foi uma maratona insana de 2 meses (e inclua a escrita da wiki e a preparação da apresentação e poster nisso).

A clássica Jamboree picture - um pouco menos verticalizada que o de costume.

A clássica Jamboree picture – um pouco menos verticalizada que o de costume.

O que ficou engasgado mesmo é que no evento deveríamos ter levado o best model. A argumentação usada pelo Juíz, de que “um bom modelo deve usar dados experimentais”, apesar de ser verdadeira não deveria valer para a premiação específica da modelagem. Afinal o que sendo está avaliado? O Modelo trabalhando nas hipóteses fixadas ou os resultados? Dessa maneira, um grupo de modelagem poderia elaborar o modelo mais inteligente e inovador da competição e mesmo assim não ser premiado se seus dados experimentais forem insuficientes.

Conversando com os Juízes após a competição, nos contaram que ficamos em segundo lugar para os “Best Prizes” em bastante coisa (best pôster, best natural part, best modelling). O que explica isso é a grande metáfora da galinhada: preparamos aquele banquete super organizado, lindo e completo, mas faltou matar a galinha – e a galinha é caracterizar o BioBrick.

Os HighLights Latinos do Jamboree

Aquele momento em que você acha que está dando highlights demais.

Aquele momento em que você acha que está dando highlights demais.

O Jamboree foi excelente. Principalmente porque dessa vez providenciaram mais oxigênio no ar colocando o evento em Santiago (e não a algumas dezenas de centenas de metros acima do nível do mar). Essa cidade é maravilhosa, é tudo lindo, bonito e bem organizado. O trânsito é bem diferente de Bogotá; fiquei com a impressão de que é um trânsito que funciona, sabe!? Dá vontade de fugir do Brasil e morar lá, ainda mais sabendo que há um grande incentivo para empreendedores estrangeiros por parte do governo chileno, com inclusive brasileiros já espertos disso.

Todos devidamente abastecidos com produtos derivados de "lã-de-lhama" (ou seria alpaca?).

Todos devidamente abastecidos com produtos derivados de “lã-de-lhama” (ou seria alpaca?).

Os outros times do iGEM mandaram muito bem, o nível dos resultados atingidos pelas equipes realmente melhorou bastante – ainda há uma estrada levando além do horizonte que distancia os resultados que os times do hemisfério norte  e sul conseguem obter, mas isso fica pra um post futuro. Os grandes highlights latinos que precisamos fazer são:

  • Equipe UC Chile: Escolheram um tema de projeto bastante ambicioso e muito interessante, o de microcompartimentos bacterianos genéricos para realização de reações “localizadas”, assim como um vacúolo (em “plantinhas”), peroxissomo e lipossomo – daí o nome do projeto deles “whateverisisome”. Além disso, criaram também um jogo (só que não de cartas) como Human Prcatices. A wiki deles ficou muito linda, veja só.
  • Equipe colombiana Uniandes: A equipe latinoamericana mais experiente no iGEM veio com dois projetos para o Jamboree: um sensor de glucocorticóides que poderia ser um “sensor de stress” e um sistema de absorção de níquel que poderia ser usado para biorremediação. O highlight aqui é a movimentação eficiente das células do chassi que eles usaram em direção a um campo magnético relativamente fraco. A wiki deles está muito legal também, dê uma olhada. Sinceramente: eu pensei que eles seriam finalistas.
  • Equipe de Buenos Aires: Apesar de a wiki deles aparentemente não ter sido terminada a tempo, esse foi o projeto mais bem ranqueado no evento. A apresentação deles foi sensacional e envolvente. Conseguiram caracterizar otimamente os promotores sensíveis a arsênico que usaram para propor um biodetector desse contaminante na água. O highlight aqui foi a colaboração do time mexicano da TecMonterrey e o protótipo que eles proporam para um biodetector comercial.
  • Equipe mexicana de TecMonterrey: O projeto desse time era sobre a biodetecção e tratamento de câncer. Os grandes highlights são a caracterização conjunta de algumas partes para o time argentino – fazendo com que eles detectassem uma concentração absurda de arsênico em um dos rios de Monterey e fossem reconhecidos pelo governo de lá por isso – e uma Human Practices genial: além de workshops e eventos promovidos pelo grupo (que incluem um TEDx), eles traduziram um manual para auto-examinação de câncer de mama para dois mais falados dialetos indígenas no país – Otomí e Zapoteco. Muitíssimo legal!

É lógico que houveram outros resultados muito legais que estou me controlando pra não mencionar. Mas highlights são highlights e não dá pra destacar tudo senão acaba a tinta da minha marca-texto mental.

The Good Fight

Enfim. Após esse ano cheio de altos e baixos como todo bom ano deve ser, estamos satisfeitos. Apesar de não termos correspondido às expectativas pressurizantes de alguns, conseguimos fazer muito bem aquilo que é mais importante: estimular as pessoas a criarem, saírem da ordem natural da academia e quebrar as paredes dos silos que contém (sim, contém, e não contêm!) a interdisciplinariedade efetiva. E também, é claro, estimular esse tipo de iniciativa por aí, papel do synbiobrasil que foi devidamente reconhecido conversando com o juízes. E é extamente isso que estamos fazendo agora: queremos espalhar essa experiência para outros campus da USP e outras universidades, bem como em nos formalizar institucionalmente aqui no campus da capital como uma organização devidamente reconhecida.

E é isso aí. Let’s keep fighting the good fight. 🙂

No próximo post (que será depois de um descanso merecido de final de ano), vamos começar a contar como foi incrível evento mundial nos EUA com os “enviados especiais” (aka. penetras) que mandamos pra lá, inflitrados no time mineiro. E esperamos já poder fazer isso vestindo o site novo com esses textos!

As Incríveis Novas Reuniões do Clube de Biologia Sintética

bem vindo ao clube

É isso aí! Depois de um silêncio sepulcral no blog, uma medalha de prata no iGEM regional e mil projetos em andamento, retomamos oficialmente as reuniões do, agora “Incrível Novo Clube de Biologia Sintética”.

“Mas, Otto, porque ele agora é ‘Incrível’?”

Bem, na verdade eu não sei. Sugiro que você compareça para descobrirmos juntos. Mas eu juro de pés juntos que eu espero que seja incrível. Sabe porque? Porque vamos fazer tudo em um novo formato bem menos chato, mais participativo e… Com as transmissões por YouTube funcionando!

As reuniões terão duas partes: 20-30 minutos de uma apresentação temática pré-estabelecida e mais meia hora de reunião aberta para qualquer um levantar uma discussão, apresentar algo interessante que leu em algum lugar, divulgar uma ideia, dar notícias de projetos ou propor um novo tema para as próximas reuniões.

Nós até imprimimos cartazes lindões e espalhamos pela USP, olha só:

fotos vivi cartaz

A nossa filosofia de grupo também ficou mais definida e coesa: não, não somos um bando de alunos que fica fazendo times para o iGEM, somos um bando de alunos que forma bandos de alunos que discutem biotecnologia – e nesse processo, formamos espontaneamente equipes e grupos para diversas oportunidades (inclusive o iGEM).

Sobre o que de fato vocês planejam discutir?

Bem, até hoje discutimos projetos de bioengenharia, ou seja, envolvendo microrganismos geneticamente “engenheirados”. De novo: microrganismos, não Beagles ou ratinhos! (Até agora… Haha, BRINKS!)

Seguimos a abordagem da Biologia Sintética nisso tudo, que é tentar gerar metodologias e equipamentos mais baratos, rápidos e ainda precisos para fazer diversas coisas em biotecnologia, aplicando camadas de abstração (essa é pra vocês, exatas) para desenvolvimento de ideias. E tudo se preocupando com as questões éticas e, como costumamos chamar, de “Práticas Humanas”, envolvendo educação e informação sobre biotecnologia.

Portanto, estamos abertos a todos que querem fazer da Biologia uma ciência exata, na medida do possível – sem deixar de se preocupar em como isso impactará a sociedade.

“Eu não manjo nada de Bio. Não sei se vou aproveitar…”

Vai aproveitar sim! Somos um grupo interdisciplinar e vai ter muita gente que sabe o que você não sabe mas também você vai saber alguma coisa muito melhor do que muita gente também. Os conceitos de Biologia Molecular serão introduzidos durante os processos de discussão e nos preocuparemos que todos que não são da área possam entender – da mesma maneira que, o Marcelo (também escritor do blog), fez esse semestre um minicurso de modelagem matemática de sistemas biológicos para quem é de biológicas entender modelagem. O importante é aprender fazendo!

Quem pode participar?

Você é de exatas e quer aprender mais de biotecnologia? Pode vir!

Você é de biológicas e quer trabalhar de maneira “mais exata”? Venham aí!

Você é de humanas? Venha também pra colocar juízo e crítica nas nossas discussões!

Enfim: todos interessados podem participar! Principalmente se você acha que pode fazer mais com sua criatividade e iniciativa. Traga suas ideias, projetos e discussões!

O principal objetivo de tudo é: que seja divertido.

E também que todos aprendam nesse processo, é claro.

Quando e Onde!?

As reuniões serão todas as quartas feiras, começando nessa quarta, dia 30 de Outubro, das 18:30 às 19:30.

Tudo acontecerá, a priori, sempre na Biblioteca das Químicas, no campus da USP do Butantan, aqui:

Exibir mapa ampliado

E o resto?

Bem, ainda devemos divulgar muitas notícias (motivo pelo qual estivemos ocupados a ponto de deixar o blog paradão), dentre elas:

  • Teremos um site lindo e maravilhoso! Não seremos mais um blog que quer ser um site, mas um site que que tem um blog! (Ainda estaremos na plataforma do SBBr!)
  • Estamos discutindo oportunidades dentro da USP para maior apoio e formalização da iniciativa. Divulgaremos em breve, caso tudo dê certo.
  • Sim, fomos no iGEM regional de novo esse ano! Levamos prata outra vez, mas ficamos felicíssimos (tá, muito felizes, felicíssimos seria se fôssemos todos pra Boston também) com nosso trabalho, e principalmente, com o time brazuca da UFMG que emplacou o Brasil lá em Boston esse ano! Bão demais esse pessoal, seu!
  • Fizemos um jogo de cartas de biotecnologia envolvendo BioBricks! Ficou muito legal, deem uma olhada num preview das cartas:

pesquisador_fujita

Ainda estamos devendo um post bonitinho da experiência no iGEM deste ano, além de outros posts para ajudarem as outras iniciativas brasileiras que estão nascendo. Paciência, chegaremos lá, prometo!

Então, venham praticar uma desobediência tecnológica e criativa, pessoal! Aqui vai ter gente boa igual a você pra se divertir com ciência, empreendedorismo e interdisciplinariedade. 🙂

Jamboré Brasil!

Jamboré

Quem diria. A um ano atrás estávamos nós fazendo vaquinha virtual pra levar o Brasil para a competição internacional de máquinas geneticamente modificadas e hoje, ainda na luta, podemos compartilhar o fardo herdado da Unicamp de representar a ciência tupiniquim no iGEM. Que lindo isso.

Mais lindo ainda é que as equipes de Manaus, Belo Horizonte e São Paulo são amiguinhas! Numa das competições mais bizarras do mundo (o iGEM) o conceito de competição também é “distorcido”: ganha mais quem colabora mais – o “distorcido” deveria ser exatamente o contrário na ciência mundial hoje em dia, mas deixa pra lá! E é por isso que nós vamos nos reunir no primeiro encontro nacional de equipes do iGEM: para trocar experiências, fazer networking, se conhecer melhor e conversar bastante sobre coisas nerds, como Biologia Sintética, é claro. Afinal, a gente faz o que a gente ama, não é mesmo!?

Enfim! Nós das equipes do Brasil, que estamos aqui na raça, na gana, na teimosia pra fazer um Brasil e, “de tabela”, um mundo melhor, abrimos esse encontro de jovens interdisciplinares e amantes de biotecnologia para todo mundo! Sim, aqui na USP, em São Paulo! É o “Jamboré”! Porque Jamboree é “nas gringa” [fora do país], aqui é Jamboré!

Local e Data

Tudo vai acontecer neste sábado, dia 17 de Agosto, no Instituto de Química, no famigerado “Queijinho” (ou, Complexo Ana Rosa Kucinski, como foi rebatizado recentemente), sala A2. Veja o mapa aqui:

Visualizar Jamboré! em um mapa maior

Cronograma

As atividades vão ser de manhã e a tarde. Atividades infinitas!

Horário Atividade
10H – 10:30H Abertura: “Biologia Sintética, iGEM e Brasil”
10:30 – 12:00 Apresentação dos projetos brasileiros no iGEM 2013
12H – 14H Almoço
14H – 15:30H Play-teste de Jogo de Cartas sobre Biologia Sintética
15:30H – 15:50H Coffee-Break
15:50H – 17H Mesa Redonda sobre a formação das equipes do iGEM no Brasil

 

Pessoas de todas as áreas são bem vindas. Aqui interdisciplinariedade (e discussões estranhas) são nossa especialidade. Não esperamos que você saiba nada de Biologia Molecular ou modelagem matemática, para qualquer dúvida nós vamos estar ali para ajudar. Ou a piorar. Depende do ponto de vista.

O evento é aberto a todos fora e dentro da comunidade USP. Então se quiser um programa nerd de qualidade esse final de semana, venha para a Cidade Universitária!

A biologia sintética pode tornar sua bebida mais segura? Reloaded – Parte 2

Como o Pedro disse no vídeo publicado no último post, eu vou tratar da parte um pouco mais cabeluda de se fazer um projeto: os problemas!
Nesse vídeo abaixo (que eu me esforcei para caber em quase 10 min), o meu trabalho foi explorar os outros contaminantes presentes nas bebidas “não comerciais” (ou falsificadas): o carcinogênico carbamato de etila e o cobre.

O grande e emocionante desafio dessa parte é estimar a viabilidade no projeto com base em alguns parâmetros, como preço das técnicas, acessibilidade a equipamentos, o know-how que temos e principalmente o tempo que tudo isso irá tomar até setembro (!!).

Com apenas as pesquisas que fizemos, tentei delinear informações importantes e determinantes para sabermos se o projeto é factível ou não, com base em questionamentos simples, como: “Se tivermos uma amostra com uma bebida com o máximo de contaminantes permitidos por lei, o sistema irá responder com os níveis de atividade gênica que temos!?”.

O objetivo do “produto final” não é ser um detector como um cromatógrafo, da mesma maneira que o seu computador pessoal não foi feito com o objetivo de ser um “Pensador Profundo“. A ideia aqui é explorar é criar um detector extremamente barato e descartável, sem a necessidade de se encomendar análise ou de comprar aparelhos caros. O “público alvo” da tecnologia em pesquisa é o cidadão comum. É o “Seu Antônio” da distribidora de bebidas da esquina, que quer avaliar a qualidade de um novo fornecedor; ou até mesmo a vigilância sanitária de uma cidadezinha de Minas Gerais, que quer avaliar a qualidade das chachaças de um festival regional. Imagine essas pessoas indo no supermercado mais próximo comprar um “fermento” que pode fazer essas análises.

Enfim: estamos abrindo esse projeto a ideias, sugestões e principalmente críticas. Estamos precisando daquelas pessoas que nos digam que é impossível, mas que argumentem o melhor possível suas opiniões. Ao contrário de muitos alunos de pós-graduação, nós adoramos que “falem mal” das nossas ideia de pesquisa – desde que seja pra gente! Apesar de aparentemente contraditório, é assim que os projetos se tornam tangíveis.

Assistam o vídeo para descobrirem os furos que já encontramos da proposta do primeiro vídeo e o que estamos fazendo para “tapá-los”:

[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=YkjQHUoDRDU”]

Correções e Observações do Vídeo:

A Biologia Sintética pode tornar sua bebida mais segura? – Um possível projeto para o iGEM 2013

Os preparativos para o iGEM 2013 já começaram e os times já avaliam as possibilidades de projetos. Nós, do time da USP, não ficamos para traz e já reunimos algumas boas idéias e começamos a explorá-las para sondarmos suas viabilidades.

Dentre essa idéias, apresento agora em uma série de dois vídeos curtos, a possibilidade de detectores de substâncias nocivas comuns encontradas em bebidas não certificadas baseado em uma levedura. O primeiro vídeo traz uma abordagem geral e inicial que fiz do assunto e o segundo vídeo, feito por Otto Heringer, explora mais a fundo possibilidades e gargalos deste projeto.

Fiquem portanto com primeiro vídeo da série!

[youtube_sc url=”http://youtu.be/0CWPcHP8jVY”]

iGEM 2012 Latin America: Aquilo que realmente importa

fúria de maca

La fúria de Macarena en Bogotá!

Esse é o quarto e último post da minha prolixa descrição de como foi a fase da América Latina do iGEM de 2012. Quatro posts são até pequenos para realmente explicar tudo o que aprendemos e o que é realmente importante nisso tudo, mas espero que esses posts possam servir como referência para futuros times do iGEM na organização de suas equipes para competições futuras – pelo menos eu espero que hajam mais times brasileiros nos iGEMs futuros! Haha!

Os “finalmentes” da Competição

Festa

A organização colombiana foi realmente muito boa. Além do fato da Universidade dos Andes ter uma das melhores infra-estruturas que já vi em uma universidade, a organização do iGEM latino criou um grupo de voluntários sensacional que possibilitou muitas coisas legais durante o Jamboree. Uma dessas coisas foi uma festa logo após a apresentação dos pôsteres em um dos lugares mais malucos que já vimos: o bar/baladinha/restaurante/”campo recreativo”/churrascaria “Andres carne de res“, que fica em Chia, uma cidade perto de Bogotá.

Mauro A. Fuentes çlvarez

Um exemplo da “maluquice” do Andres carne de res

Esse lugar é completamente maluco porque parece uma pintura viva de Salvador Dalí: cheia de coisas nonsense que ao mesmo tempo pareciam ter um sentido maluco obscuro. As mesas, ao invés de números, têm nomes. Os garçons e garçonetes usavam um avental marrom propositalmente remendado que parecia ter sido emprestado de um açougue. E o mais bizarro (e engraçado) de tudo: a cada meia hora os banheiros masculino e feminino invertiam a restrição de gênero; então se você foi em um banheiro em um momento e quiser ir de novo depois, é preciso checar se ele ainda é masculino/feminino (dependendo do seu sexo, é claro) antes de entrar. Craziness! Eu poderia fazer um post só sobre esse lugar! Mas o que realmente importa aqui é pudemos interagir bem melhor e conhecer mais pessoalmente os outros participantes da América latina do iGEM. A organização acertou em cheio em um lugar para impressionar os estrangeiros.

Cerimônia de Premiação

Depois de termos feito uma típica e incômoda barulheira-no-fundo-do-buzão brasileira na volta da festa (com direito a “fulano-roubou-pão-na-casa-do-joão”), dormimos muito pouco e fomos sonolentos tentar nos orientar no confuso sistema de transporte transmilenio num dia de domingo.

A Universidade dos Andes (assim como provavelmente a maioria das universidades do mundo) estava semi-desértica no domingo. Fiquei preocupado se cairia narcolepticamente em sono pesado durante a premiação, o excelente café colombiano e a animada organização evitaram que isso acontecesse.

Antes de apresentarem os resultados e anunciarem os finalistas, houve uma pequena apresentação de vídeos dos projetos do iGEM e depois algo que me foi particularmente constrangedor: cada time escolhia um hombre e uma mujer para ir ao palco dançar um dos ritmos latinos característico da colômbia (não sei diferenciar qual porque para mim todos são iguais). Adivinha quem o Brasil escolheu… Por motivos de preservação de imagem, vou me limitar apenas uma foto do ocorrido e não o material de chantagem que meus colegas filmaram.

Baila Macarena!

Baila Macarena!

 Ah! Só um detalhe: intencionalmente ou não, eles escolheram um par para dançar justamente de países  com praticamente nada a ver com os ritmos que os outros representantes da América latina compartilhavam: Brasil e Argentina! Samba e Tango! Nada a ver com “os mambos”! E ainda de países rivais no futebol!

  Pois bem. Depois desse preâmbulo vexaminoso, a organização (por algum motivo obscuro) ficou adiando constantemente o anúncio das medalhas, nos dizendo para termos paciência e esperarmos um pouco. Isso só serviu para escancarar a ansiedade nos olhos e nas conversas paralelas do grupo brasileiro. Como eu tinha dito no primeiro post,  eu sinceramente não achava que levaríamos ouro. Acho que alguns do time também não, mas naqueles momentos vivos da cerimônia de premiação a vontade de querer acreditar que era possível se inflava. Eu me controlava para ser racional e me apegar a uma série de pensamentos que havia tecido em momentos de menor tensão. Resolvi me entregar ao esporte de twittar os acontecimentos antes do twitter do iGEM LA o fazer. Na verdade, eu estava mesmo preocupado como seria a reação das outras pessoas do nosso time ao recebermos os resultados.

Special Prizes

Primeiro foram anunciados os ganhadores dos special prizes. Basicamente, o time colombiano e um mexicano levaram quase todos os special prizes. E o best presentation ficou para o time chileno, como já esperávamos (e que relatei nesse post aqui). Confira os resultado abaixo:

Finalistas

O anúncio dos finalistas veio em um slide só e com todo o sensacionalismo que tem direito: uma animação para cada time sendo mostrado entre as quatro classificações possíveis: ouro, prata, bronze e no medal.

Naqueles segundos entre uma revelação e outra, o meu cérebro fez aquilo que os cérebros adoram fazer com os humanos em momentos decisivos: passar um inconveniente filminho de acontecimentos e sensações que nos levou até ali. Pensei no crowdfunding. Pensei em quando o Mateus teve que deixar o grupo para trabalhar na Braskem. Pensei nas reuniões quase “miadas” que organizei. Pensei em como eu me agarrei tão forte e teimosamente àquele sonho depois que saí do Ciências Moleculares. Pensei nos dias decisivos em que consegui juntar ao barco pessoas importantíssimas para o grupo. Pensei nos problemas de laboratório. Pensei nas discussões. Pensei nas jogadas de cintura para resolver os problemas que encontrávamos. Pensei nos nossos erros. Pensei em tudo o que tivemos que fazer para conseguir dinheiro para a viagem. Pensei que representávamos universidades cheias de renome. Pensei que representávamos o Brasil. Pensei no que significava estar ali não só pra mim, mas para todos os outros malucos que foram comigo até lá. Pensei que éramos brasileiros.

Enfim. Como vocês devem ter percebido a minha ingênua capacidade de ver os fatos analiticamente e sem emoção foi pra cucuia. Ao vermos o resultado da medalha de prata, fui invadido por uma sensação de trabalho cumprido. Não fiquei triste. Por incrível que pareça, todo aquele turbilhão de pensamentos desaguou na preocupação de como o grupo estava recebendo aquela notícia, e naquele momento, eu vi o quão teimosos e incríveis nós fomos. Nós fomos brasileiros.

Resultados do Jamboree LA

Resultados do Jamboree LA

Pós iGEM

Depois de algumas expectativas confirmadas e outras confrontadas, chegamos a um consenso de que tínhamos mandado bem. Como disse no primeiro post, não se mede o progresso até onde se chegou, mas de onde se saiu até onde se foi. O que importa é a derivada!

Depois da cerimônia eu via em muitos rostos aquela característica cara de digestão mental de pensamentos. Essa cara só ganhou outro molde na tradicional foto do Jamboree, onde todos os times posam para uma única foto.

Jamboree Photo

Jamboree Photo

E ainda pudemos tirar fotos com os times que mais conversamos durante a competição: Panamá, Argentina e um do México.

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Nós e o time panamenho.

Nós e os chilenos e argentinos - viva el Mercosul!

Nós e os chilenos e argentinos – viva el Mercosul!

Apesar de o Fernando, o nosso representante da Unesp, ter ido embora no mesmo dia, nosso grupo se dividiu entre aqueles mortos de cansaço e aqueles que estavam chutando o balde. Tive meu momento em ambos os grupos.

Antes de podermos descansar, a organização ainda se deu ao agradável trabalho de organizar uma visita ao Museo del Oro e ao centro histórico de Bogotá.

Visitando a praça Simón Bolivar.

Visitando a praça Simón Bolivar.

Nós, colombianos, mexicanos e a profa. Tie.

Nós, colombianos, mexicanos e a profa. Tie.

Durante isso aproveitamos e conversamos bastante com uma juíza brasileira da competição, Tie Koide. Simpática, ela respondeu a todos os questionamentos sobre o julgamento dos times que povoaram a mente do grupo após a cerimônia de premiação. Algumas (não todas) confirmações de expectativas foram:

  • Sim, a wiki ficou boa – apesar de estar faltando algumas coisas…
  • Sim, os resultados do Plug’nPlay foram convincentes!
  • Sim, aquela pergunta-de-quem-não-entendeu-nada que nos apareceu pós apresentação foi realmente vista como se nós não soubéssemos o que estávamos fazendo.

Já algumas coisas que não corresponderam ao que esperávamos foram:

  • Não, a Human Practices não estava OK. Acho que o que fizemos com o Blog e o Clube de Biologia Sintética foi sensacional nos parâmetros brasileiros, mas se olhando no parâmetro internacional não é grande coisa. Talvez tenhamos sofrido com um pouco de descontextualização: um site sobre Biologia Sintética (o synbiobrasil) em um país que praticamente não tem nada disso causa bem mais impacto do que um site em um país que já faz algo do tipo, como nos EUA por exemplo. Apesar disso eu concordo que deveríamos ter nos preocupado mais com essa parte.
  • A modelagem ficou OK, mas poderia ser melhor. O que eles estão procurando mesmo é algo além de equações diferenciais. Não fomos tão bem como poderíamos por uma certa ingenuidade em não saber ao certo como eles nos iriam avaliar.

No dia seguinte, dia que iríamos embora, aproveitamos e nos encontramos com algumas pessoas da organização com quem fizemos amizade e fomos dar mais uma volta por lugares históricos de Bogotá. Foi ótimo para tirar um pouco o stress.

O que realmente importa

Nos reunimos cerca de uma semana depois na USP para conversarmos sobre o que todos tinham aprendido com aquilo tudo; sobre quem ainda ia continuar na empreitada, o que precisava ser mudado, quais são os novos planos e etc. Uma das coisas que mais me tocou foi saber aquilo que tinha ficado curioso em saber desde o dia da cerimônia de premiação: o que diabos está se passando na cabeça de todos!? Quando perguntei o que significou o iGEM para as pessoas do grupo, algumas pessoas disseram que era essa a única coisa que ainda a motivava a estar na universidade. Em meio a centenas de aulas meramente contemplativas, iniciações científicas desestimulantes (em que o aluno recebe o projeto pronto e não tem liberdade de criar e fazer algo “seu” – dentro dos limites e a temática do lab em questão, é claro) e em um ambiente academicista desetimulador de atividades empreendedoras (pelo menos entre os institutos da maioria das pessoas envolvidas), o iGEM surgiu como a oportunidade dos alunos acharem seu propósito dentro da faculdade, de estimulá-los a estudar, a criar, a fazer! Também achei interessante que algumas pessoas só foram realmente entender o que é o iGEM e todo o seu impacto só quando estavam lá em Bogotá.

O que realmente importa: as pessoas!

O que realmente importa: as pessoas!

Essa reunião foi uma das reuniões mais importantes do Clube de Biologia Sintética. Nela, ficou bem claro pra mim o que realmente importa – aquilo que às vezes se perde em meio ao stress e a prazos apertados. Como o Carlos já havia me dito antes (mas só nesse momento percebi de verdade), a grande ideia do projeto em lab é fazer as pessoas aprenderem e se desenvolverem como cientistas. O que vier além disso é lucro. Contudo o essencial é isso: as pessoas. Não importa a medalha, a wiki, a apresentação, os experimentos e tudo mais se o que fazemos não atinge direta ou indiretamente as pessoas, se não é uma oportunidade de mudar e gerar pessoas com capacidade de mudança.

Esperamos continuar a ser aquilo que fomos (e tentar melhorar um pouquinho mais!): teimosos, questionadores e pró-ativos. Talvez assim consigamos manter acesa a chama da oportunidade de poder fazer algo diferente na academia, algo “com as próprias mãos”, algo em busca de resultados. Não sei se vamos conseguir tudo isso, mas com certeza vamos fazer o que realmente importa: criar a oportunidade para pessoas crescerem e se reinventarem. Isso vale mais do que ouro.

iGEM 2012 Latin America: Nossos Projetos

animação total

Alguns meses a menos de vida para cada um dos dois

Depois de dias no laboratório, noites mal dormidas (vide foto acima), muita teimosia, discussões (construtivas e não construtivas)  e principalmente com um pequeno “salto de fé”, nós conseguimos representar o Brasil na competição internacional de máquinas geneticamente modificadas de 2012 (para saber mais do iGEM, veja esse post e esse outro aqui)!

no bolt

The crew

Antes de falar como foi a experiência, a viagem e tudo mais (próximo post!), vamos falar nesse post sobre o que diabos fomos apresentar lá na Colômbia , como é o julgamento dos projetos e o que nós conseguimos/esperávamos conseguir.

Projetos

Fomos para a competição com dois projetos  (o que pode ser entendido desde como algo “arriscado” ou “ousado”, até a “completamente insano”) que já haviamos comentado no blog bem antes mesmo de colocarmos a “mão na massa” em laboratório. A grande estratégia foi ter um dos projetos bem factível, que nos daria uma maior certeza de resultados positivos, e um projeto mais ambicioso, que nos destacaria entre os demais por sua inovação e criatividade – mas que a chance de dar certo não era lá assim tão boa quanto a do outro projeto.

Levamos para o Jamboree (palavra em inglês que significa algo como “reunião de celebração”) o projeto “Plamídeo Plug’nPlay” – o factível – e o “Rede de Memória Associativa usando Bactérias” – o ambicioso.

Plug’nPlay

Basicamente, o Plasmídeo Plug’nPlay é uma maneira mais espertinha de se pegar um gene qualquer e colocá-lo para ser expresso dentro de uma bactéria. Para quem entende melhor do assunto, ao se explicar o projeto o nome de outros sistemas comerciais podem vir à cabeça – como o método Gateway, TOPO e o In-Fusion – mas a grande ideia é: se você tem um gene que quer clonar (ser expresso em algum ser vivo), basta fazer um PCR dele (milhões de cópias do dito cujo) e seguir o protocolo de transformação, como se os pequenos pedaços de DNA lineares fossem um plasmídeo. O plasmídeo Plug’nPlay (já presente dentro da bactéria) cria uma maquinaria para reconhecer esse produto de PCR e inseri-lo no próprio vetor. A grande vantagem desse método é que não existem certos passos que consomem um tempo desnecessário, como certas reações in vitro presentes nos três métodos citados anteriormente. A E.coli faz tudo isso por você!

Explicação do Plug&Play

Quando já estávamos começando a fazer os experimentos, descobrimos um método lançado recentemente pela empresa GenTarget, o método Eco PCR, que faz EXATAMENTE a mesma coisa: PCR e transformação – dois passos: “Plug” e “Play”. Contudo, existem duas diferenças entre o Plug’nPlay e o Eco:

  • o Plasmídeo Plug’nPlay usa uma recombinase, enquanto o Eco PCR usa recombinação homóloga;
  • o Plug’nPlay é Open Source!

Conseguimos resultados bem legais com esse projeto, mostrando uma prova de conceito que indicava a recombinação do produto de PCR com o Plasmídeo Plug’nPlay! Veja isso na nossa wiki, aqui.

Rede de Memória Associativa

Essa foi a aposta ousada do nosso time. Eufemicamente “ousada”.

Tudo parte de uma pergunta muito provocante: bactérias podem se comportar como neurônios para manter e lembrar uma memória!?

Toda dificuldade em explicar esse projeto está em tentar responder essa pergunta. Há várias “subperguntas” a serem respondidas dentro dessa, como: o que é (pragmaticamente) um neurônio!? O que é uma memória? Como é armazenada? Como se resgata uma memória!?

A memória do nosso cérebro não existe em “um neurônio”, e nem mesmo fica dividida literalmente em pedacinhos dentro de vários neurônios (pode até ser de fato, dependendo de como você interpreta “dividir em pedacinhos”). Ela é “sistêmica”, o que significa que você só consegue alcançar sua memória se todo um grupo de neurônios se comportar de uma maneira específica – ativando e/ou inibindo outros neurônios da rede.

esquema comparação neurônio - pop english
Enfim, essa é a ideia do projeto: fazer populações de bactérias se comportarem como um neurônio, podendo ser “excitadas” ou “inibidas”, e podendo “excitar” ou “inibir” outras populações – igual ao que um neurônio faz com outros neurônios. A(s) memória(s) seria(m) definida(s) quando “programássemos” geneticamente as populações para interagir entre si.

Se tivéssemos conseguido produzir isso completamente, teríamos a base para construir uma rede de comunicação entre as populações de bactérias, que seria análoga a uma rede de comunicação entre neurônios. À partir daí, seria possível criar um sistema que, dado um padrão de estímulo de populações inicial, poderia associar esse estímulo a uma das memórias do padrão de comunicação entre as populações, que já tinham sido “pré-programadas” com a memória.

Complicado né!? E só descrevi bem brevemente a ideia. Imagine ter que apresentar toda essa densidade de conteúdo em menos de 10 min!? E olha que eu nem mencionei o modelo de Hopfield para redes neurais, o aparato que teríamos que testar para ver o sistema funcionando e muito menos como funciona o sistema de Quorum Sensing. Acho que até mesmo Steve Jobs teria dificuldade em vender essa ideia.

Apesar de não termos conseguido finalizar as construções para realizar os experimentos, conseguimos fazer uma modelagem interessante do sistema, que mostra que para dois neurônios, há teoricamente quatro pontos de equilíbrio do sistema, o que indica – pelo menos teoricamente – que há o armazenamento das quatro memórias distintas num sistema simplificado. Na verdade, faltou fazer a análise da estabilidade desses pontos de equilíbrio, mas isso é outra história.

Se tudo o que planejamos desse hipoteticamente certo, poderíamos ter criado a prova de conceito para um sistema de auto-monitoramento de biorreatores, em que quantidades específicas de substâncias seriam mantidas nas devidas proporções através de um sistema de memória associativa que reestabeleceria sempre as concentrações das substâncias em questão, caso haja alguma alteração devido à fatores aleatórios do cultivo. Veja uma explicação melhor do projeto e até onde chegamos através da nossa wiki.

Resultados

Apesar de não termos chegado a resultados com o projeto de Redes, conseguimos “consertar” um BioBrick com erro e mostramos que o Plug’nPlay funciona, por isso conseguimos levar medalha de prata!

Certificado iGEM 2012

Para o incauto viajante, pode parecer claro que isso não é um bom resultado. Afinal “merecíamos ouro!”, “o time é da USP!” (ohh!), “a Unicamp foi melhor antes!”…

Particularmente, eu já esparava que o ouro fosse pouco provável. Não porque somos ruins, mas porque há uma condição necessária para levar o título áureo: a melhoria de novas partes e/ou novos devices (que são novas combinações de BioBricks já existentes). A maioria dos times de sucesso (a.k.a. europeus, norte-americanos e chineses) pesquisa os elementos de DNA desejados na literatura e manda sintetizá-los, o que agiliza muito o processo de redesign de BioBricks e viabiliza construções muito grandes. Não tínhamos verba o suficiente para a síntese, o que dificultava muito a criação de um device novo funcional, que seria construído no projeto de Memória Associativa. É lógico que existem outros fatores envolvidos para ganhar a classificação de medalha de ouro, mas escolhendo um como principal – aquele que, se diferente, poderia mudar bastante coisa – acho que seria esse: síntese de DNA. Infelizmente os devices do Plug’nPlay que construímos não foram considerados como “improvements”, mas apenas como uma caracterização funcional de uma nova parte/design. 🙁

Portanto, para mim, a briga estava mesmo se íamos levar prata ou bronze, porque ainda precisávamos de mais um dado para mostrar com um maior grau de “inequivocidade” que o Plug’nPlay funcionou. Mas parece que conseguimos convencer os juízes. 😀

O que aprendemos

A primeria coisa que aprendi nisso tudo foi: não se mede o desenvolvimento e os resultados de um projeto vendo apenas onde se chegou, mas de onde se saiu e até onde se foi.

O que vale mesmo é o Delta!

O que vale mesmo é o Delta!

Tudo começou no início de 2011, e depois recomeçou no segundo semestre do mesmo ano à partir do zero (pra não dizer à partir do “negativo”). Não tínhamos nada além da vontade de fazer acontecer. Conhecemos pessoas, o grupo cresceu e se fortaleceu, discutimos ideias, firmamos parcerias, criamos projetos,  arrecadamos verbas, aprendemos uma infinidade de coisas como: design, marketing, gestão de pessoas, planejamento, análise de viabilidade de projetos, web design,  programação, resolução de problemas do dia-a-dia em laboratório… Enfim, fizemos muitas coisas que muita gente duvidava no início de tudo – acho que até eu duvidava!

Outras coisa menos subjetivas que aprendemos principalmente através do feedback que recebemos dos juízes – e que podem ajudar futuros times brasileiros do iGEM – foram:

  • Os BioBricks são o foco, o resto do projeto em si é apenas o complemento da caracterização deles.
  • Os projetos que vão além da mera caracterização dos BioBricks são os de mais sucesso – parece contradição com a conclusão anterior, mas não é: experimentos de caracterização e experimentos de funcionalidade de um projeto devem ser complementares; os dois não são sempre necessariamente a mesma coisa.
  • Apresente a apresentação do Jamboree para o maior número de pessoas possível (de preferências professores da área) antes da apresentação fatídica: assim você consegue imaginar todas as perguntas possíveis que podem fazer para seu projeto – na verdade, isso vale para qualquer apresentação importante na sua vida.
  • Na modelagem: vá além de equações diferenciais.
  • Descreva bem os materiais usados e os protocolos na wiki!
  • Seja criativo e tente criar projetos de impacto no “mundo real”.
  • Tente criar uma Human Practice que tenha contato direto com as pessoas, de uma maneira criativa.
  • Foque nos resultados e em como eles foram feitos.
  • Ajude outro time do iGEM.
  • Fiscalize os outros times latinos para falarem INGLÊS e não ESPANHOL  no Jamboree da América Latina(importante!) – haha.
  • Nunca, em hipotese alguma, JAMAIS preencha os documentos de inscrição/submissão de partes com pressa ou sem atenção. Esse ano houve um time mexicano que não medalhou por falhar nesse quesito.

Futuro dos Projetos

Como parte da iniciativa do Clube de Biologia Sintética, queremos estimular a criação de projetos em Biologia Sintética não unicamente para o iGEM, mas para virarem publicações científicas ou empreendimentos mesmo. A competição é uma ótima plataforma para testes piloto de projetos e ideias, principalmente por contar com o acervo dos BioBricks e com a interação da comunidade internacional envolvida na área. Por isso, faz parte do nosso trabalho levar esses projetos além, fazer com que cheguem até ao “produto final”.

O plasmídeo Plug’nPlay ainda está sendo desenvolvido e testado no GaTE Lab visando futuras aplicações comerciais. O projeto de Redes está engavetado até definirmos o projeto do iGEM do ano que vem, mas há grande interesse de darmos continuidade a ele, principalmente por parte do pessoal da modelagem. Estamos com alguns contatos que podem se interessar em criar oportunidades para fazer essa rede de memória associativa com bactérias funcionar – muitos acharam interessantíssimo o nosso projeto no Jamboree, foi muito estimulador.

No próximo post vou falar de como foi a viagem a Bogotá e quais foram as impressões da competição para o único time tupiniquim deste ano. iGEM 2012 Latin America: Estivemos lá!

Enquanto isso, vejam nos comentários aí embaixo se meus comapnheiros concordam comigo sobre esse post (não me deixem no vácuo)! Hahaha! Até!

A Incrível Sociedade dos Microrganismos


ResearchBlogging.orgÉ bem óbvio que um ser humano não existiria sozinho. Não só porque ele não poderia ser gerado, mas porque dificilmente conseguiria sobreviver. Já reparou na quantidade de pessoas que permitem (e permitiram) que você tivesse o dia de hoje como você tem? Cada parafuso, tecido, metal, tijolo e etc que permite você estudar, trabalhar, andar de automóvel, comer e ler esse texto foram pensados, feitos, montados, transportados e vendidos por alguém. Não é possível portanto tentar entender os humanos, bem como a maneira com que eles se comunicam, isoladamente. É preciso olhá-los sistemicamente, como seres sociais. As bactérias também. É cada vez mais reconhecido que as bactérias não existem como células solitárias, mas são como um “organismo colonizador” que elabora complexos sistemas de comunicação que facilitam a sua adaptação às recorrentes mudanças ambientais. E elas nascem poliglotas. A seleção natural esculpiu em diferentes espécies diversos genes que as permitem se comunicar cooperativamente e repressivamente entre espécies e até mesmo entre reinos (como por exemplo em bactérias patogênicas). Damos à essa comunicação bacteriana o nome de “quorum sensing” (“detecção em quórum” – tradução livre).

Quorum Sensing

O termo “quorum sensing” foi cunhado devido à habilidade dos microorganismos expressarem ou aumentarem a expressão de certos genes quando em grande população, podendo dessa forma monitorar a densidade celular (quantidade de células ao seu redor) antes de manifestar algum fenótipo. Um dos exemplos mais ilustrativos disso é da Dictyostelium discoideum, um protozoário que passa uma das fases do seu ciclo de vida produzindo um corpo multicelular. Tem um vídeo bem legal mostrando a formação de um corpo de frutificação através de várias células individuais de Dictyostelium:

[youtube_sc url=http://www.youtube.com/watch?v=vjRPla0BONA]
Reparem rapidamente em 00:30 min as células se locomovendo em “pulsos”, na direção de um local em que todas estão se agregando (é difícil de perceber!). Esse local inicial é em geral onde um grupo de bactérias encontrou alguma fonte de nutrientes. A “pulsação” da locomoção das bactérias acontece devido à substância de quorum sensing que é difundida pelo espaço vinda das células do local de agregação; um pulso inicial provoca – quando em uma população não muito grande, para ser perceptível – um comportamento oscilatório de resposta das células: quando uma célula recebe um sinal (do tipo “Ei, tem comida aqui!”), ela emite um de volta (como se etivesse gritando “Caramba, tem comida lá!”), que é recebido pelas células que mandaram o sinal incialmente (o que seria um “Ótimo! Estou indo praí!”) e por outras ao seu redor, propagando o sinal. Como a transmissão de informação com as substâncias não é imediata e nem totalmente contínua, observa-se os “pulsos”, que são resultado do “gap” entre enviar e receber informações pela difusão de moléculas.

As diferentes Línguas das bactérias

Tabela com exemplos das diferentes famílias de substâncias de QS, as diferentes "línguas" das bactérias. Imagem modificada de S. Atkinson e P. Williams (2009) e de Y. He e L. Zhang (2008). Referências no final do post.

As “línguas”, ou simplesmente certas coisas que as bactérias querem “dizer” (como “Estou afim de dar uma reproduzida!” ou “Fujam, eles estão vindo!”) são “ditas” através de diferentes tipos de substâncias que os microorganismos produzem. No caso da Dictyostelium ali em cima, a substância é AMP cíclico (é quase um ATP, só que duas vezes menos fosfatado… e cíclico, é claro), mas se tratando de bactérias – que ainda é a principal plataforma de aplicação da Biologia Sintética – existem três tipos principais de substâncias de quorum sensing: as acil-homoserinas lactonas (HSL ou AHL), auto-indutores 2 (AI-2) e pequenos ácidos graxos, chamados de “DSF”s (Diffusible Signal Factor – do inglês: Fator Sinalizador Difusível). Existem ainda outras famílias de substâncias de QS, mas aparentemente menos comuns que essas três principais.

O Mecanismo Gênico

A ativação dos sistemas de QS só ocorre em uma alta densidade celular. Isso permite que se chegue uma concentração limiar de substâncias de QS para expressão de genes. 1, 2 e 3 são os três elementos básicos de DNA para se construir um sistema de QS. Imagem modificada de NA. Whitehead et al (2001), referência no final do post.

Para um microrganismo ganhar a abilidade de “falar em outra língua”, em geral são necessários apenas três elementos de DNA: um gene que gere uma enzima que produza uma substância de QS, outro gene que produza o “receptor” dessa substância – que em geral é um fator de transcrição – e um promotor, no qual o fator de transcrição (após se associar à substância de QS) se liga para controlar a expressão gênica (imagem ao lado).

Se uma bactéria (por exemplo) “fala” a mesma “língua” que suas companheiras de colônia, como ela diferenciaria então um sinal próprio (a própria substância de QS sendo produzida) de um sinal de outras células (substância de QS externa)!? Isso é importante, porque se a bactéria receber o próprio sinal que envia, ela entrará em um processo autocatalítico que resultará em uma contínua auto-ativação da célula independente do sinal das bactérias ao seu redor. Acontece que uma bactéria não produz níveis suficientes de QS para “se ouvir”. Sem o sinal externo, a transcrição de genes pelo sistema de quorum sensing é fraca e insuficiente para iniciar um feedback positivo; apenas em alta densidade celular se consegue alcançar uma concentração crítica de substâncias de QS para estimular a transcrição dos genes que o QS controla.

Quorum Sensing no iGEM

Apesar de não ser um meio de transmissão de informação tão rápido e eficiente como o dos light switches, os sistemas de QS são bastante utilizados em dispositivos sintéticos devido à sua especificidade e falta de “falsos sinais” – afinal, é extremamente fácil estimular não-intencionalmente uma célula sensível à luz. No Registry of Parts existem cerca de 6 sistemas de QS completos, padronizados e disponíveis para construção, todos usando (em geral) diferentes AHLs, usados tanto na ativação e inibição da expressão de genes.

Exemplos de utilização desse sistema de transmissão de informação não faltam no iGEM. Já tratamos no blog de um dos inúmeros projetos do iGEM que utilizam quorum sensing, o da Unicamp de 2009. Em seu projeto, o time brasileiro utilizou sinais de AI-2 como um “sistema de alerta” em bactérias produtoras de bioprodutos em um bioreator. Quando um microrganismo contanimante surgisse (produzindo AI-2), o sistema de QS atuaria para comunicar sua presença a todas as bactérias ao redor do organismo invasor, iniciando gatilhos gênicos para produção de substâncias nocivas ao contaminante, afim de exterminá-lo do bioreator.

Parte do vídeo explicativo do time da Unicamp de 2009. Uma pequena esquematização de como usaram quorum sensing.

Aprender como uma população de microrganismos de comunica é extremamente útil para saber como ela se comporta, e no caso da biologia sintética, muito útil para conseguir controlar esse comportamento para transmitir informações em um dispositivo gênico sintético. Mas é claro que prever todo um comportamento de um sistema biológico não é nada fácil. Como já salientava Asimov, há algo em comum no comportamento de humanos e átomos: ambos são muito previsíveis singularmente, mas praticamente caóticos quando em coletivo. Apesar de mais simples, populações de microrganismos também se comportam assim, o que é uma das razões que tornam o trabalho em laboratório muitas vezes frustante e cansativo. Um guia nesse caos é essa compreensão sistêmica da comunicação entre bactérias (que origina certas resistências a antibióticos inesperadas e outras coisas bizarras), que assim como seres humanos, as torna seres mais sociais do que você possa imaginar.

Referências

  1. Whitehead, N. (2001). Quorum-sensing in Gram-negative bacteria FEMS Microbiology Reviews, 25 (4), 365-404 DOI: 10.1016/S0168-6445(01)00059-6
  2. Atkinson, S., & Williams, P. (2009). Quorum sensing and social networking in the microbial world Journal of The Royal Society Interface, 6 (40), 959-978 DOI: 10.1098/rsif.2009.0203
  3. He YW, & Zhang LH (2008). Quorum sensing and virulence regulation in Xanthomonas campestris. FEMS microbiology reviews, 32 (5), 842-57 PMID: 18557946

 

Um por Todos e Todos por Um! Agradecimentos à Multidão que Faz Acontecer!

Acho que conseguimos fazer algo sensacional. E aparentemente inédito também. Eu já disse em outro post o quão somos todos poderosos com a internet, e foi com esse incrível poder – quase utópico – que conseguimos ser (pelo o que tudo indica) o primeiro projeto de ciência brasileiro a ser financiado com sucesso por crowdfunding, com incríveis 109% financiados.

Até agora não caiu a ficha que conseguimos quase cerca de 6000 reais em um mês e meio. Me lembro do dia em que cheguei no meu apartamento e disse aos meus colegas: “Cara, eu preciso de 2700 dólares nos próximos dois meses!” (antes de me explicar acharam que estava envolvido com algum tipo de máfia de agiotas).
Eu não fazia a mínima ideia de como arrumar esse dinheiro. Parecia impossível. Tínhamos caído em uma grande “sinuca financeira” ao tentar pedir financiamento pela universidade para um projeto que não se encaixa direito em quase nenhum dos programas de apoio que ela oferece. Essa é a sina da inovação: não existe nada pré-definido para aquilo que é novo. Bem, como estávamos fazendo algo novo, porque então não sair do óbvio? Porque esperar sempre apoio das mesmas fontes de financiamento que ditam o que pode e o que não pode ser feito? Foi aí que o Hotta me veio com a intrigante ideia: “Porque vocês não tentam financiamento por esse site aqui?”. Desde então descobri que além de algo chamado crowsourcing, existe algo tão velho quanto o imposto de renda (só que um pouco diferente) chamado crowdfunding, o financiamento pela multidão.

Sem saber a dificuldade de tal tarefa, simplesmente criei uma página de financiamento no RocketHub (o site de crowdfunding que usamos) para um projeto brasileiro de Biologia Sintética. De novo: brasileiro e em algo chamado Biologia Sintética. Como fazer a multidão se interessar por esse projeto dentre vários outros bem mais atrativos envolvendo música, filmes, arte e etc? Estereotipando, éramos um projetinho latinoamericano nerd junto de vários outros gringos, super chamativos e descolados. Eu não sabia em que estava me metendo. Talvez seja por isso que a ficha ainda não caiu depois que tudo deu certo. Você tabém não iria acreditar na quantidade de pessoas que existem aí fora dispostas a apoiar suas ideias.

Seguimos à risca as recomendações que o site dá para conseguir os projetos financiados: entrar em contato primeiro um círculo de pessoas diretamente relacionadas conosco e depois com um círculo de pessoas desconhecidas. O engraçado é que ficou tudo misturado. Ao mesmo tempo que apareciam pessoas totalmente não-relacionadas com qualquer pessoa do grupo, apareciam amigos e parentes dando uma engordada na vaquinha online.

Em cada email que recebia com uma quantia de dinheiro, independente da quantia que fosse, era como um pequeno presente de natal fora de época. Mais do que pessoas dando dinheiro a nós, tínhamos pessoas acreditando no nosso projeto, acreditando em nós. É aquele tipo de coisa que os cartões de crédito nos ensinaram muito bem que não tem preço. É principalmente por isso que por mais que eu escreva, não vou encontrar palavras para agradecer esse apoio de todos deram, seja de amigo, parente, professor, blogueiro, empresa, escritor, entusiasta e parceiro do grupo. Fomos muito além da expectativa mais otimista que tínhamos. Estamos muito mais motivados, felizes e com certeza de toda a responsabilidade que temos agora, que além de representar nosso país na maior competição de Biologia Sintética do mundo, é fazer todos os apoiadores também merecedores (além dos rewards, é claro) do sucesso que tivermos. Mas por enquanto gostaríamos muito de dizer:

Joana Guiro, Tania, Douglas Domingues, Cristiano Breuel, Kathleen Raven, Elias de A. Rodrigues, Renilda Souza, Roseane Souza, Adriana Marcelino Escarabichi, Regivaldo, Bruno Vellutini, Cleandho, Cristina Caldas, Luis Brudna, Daniel Ariano, Bernardo Lemos, Silvério Flora Filho, Alex Gorshkov, Shridhar Jayanthi, Carlos Gustavo, Marcus Nunes, Carlos Hotta, Gilberto, Andrés Ochoa, Blog Blabos de Blebe, Mateus Schriener G. Lopes, Mariana Machado de Paula Albuquerque, Jean Marcel Duvoisin Schmidt, Débora Pimentel, Andre Pimenta Freire, Rafael Calsaverini, Bruno de Medeiros, Integrated DNA Technologies (IDT), Felipe (phi!), Carolina Carrijo, Rafael Tuma Guariento, Fábio Cespedes, Carolina Menezes Silverio, Konrad Förstner, Francisco Camargo (Chico!), Cláudia Chow, Roberto Takata, e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas…

🙂

Há ainda muito trabalho pela frente e vários outros desafios a serem encarados, mas esse nosso primeiro sucesso tangível já está ganhando repercussão em alguns lugares, como no blog sobre ciência da revista piauí (“De grão em grão“) e no blog do próprio RocketHub (“Brazilian Science Dreams Comes Alive” e “A RocketHub Story: Dreamers Don’t Blink“). Espero que essa moda gringa pegue por aqui, e que ainda possamos ver no Brasil vários projetos científicos criativos mais livres, abertos e possíveis com crowdfunding, sem depender muito dos programas pré-formatados de apoio à pesquisa e desenvolvimento. Afinal, como já disse no nosso vídeo promocial: “Because when you help science, you help everyone!”.

OBS: agora eu tenho uma exclusiva “Wings Badge” no RocketHub! A melhor badge que já ganhei! 😀