A onda branca

Atualmente é período de férias dos alunos de graduação aqui na Unicamp. O campus está calmo, sem o típico frenesi que acompanha o período de aulas e provas. Nesse clima de paz tibetana, eis que olho pela janela do laboratório, e vejo uma cena inusitada: um grupo grande de alunos de jaleco, andando ordeiramente pelo corredor. Devo ter feito a maior cara de espanto, porque meus colegas imediatamente tomaram a iniciativa de explicar o significado daquela “onda branca”. Ela era composta por 80 alunos do ensino médio de escolas públicas da região, previamente selecionados por meio de uma redação. Esses alunos estavam ali para vivenciar a química através de palestras e experimentos nos laboratórios do Instituto de Química da Unicamp, devido ao Projeto de Extensão Química em Ação (detalhes no link). Alguém do lab tinha uma das apostilas usadas pelos alunos, que prontamente li. Os experimentos em particular merecem destaque por serem muito interessantes, baratos, simples e próximos de vivências prévias dos alunos – os reagentes são coisas como chocolate, gelatina, sabão, água tônica, óleo de cozinha, entre outros. A partir disso, são explicados conceitos complicados, como fluorescência, tensão superficial, crioscopia e condutividade, aplicando o método científico. Nenhuma surpresa que o projeto seja o sucesso que é.

Logo que soube do que se tratava aquela movimentação toda, lembrei da minha própria experiência lecionando química em caráter voluntário no Projeto Educacional Alternativa Cidadã, em Porto Alegre. Foi quando pude perceber como a química no ensino médio está distante das vivências da maioria da população. Um conhecimento que está tão intrincado a tudo que nos permeia, e que guarda tanta beleza, acaba sendo tristemente reduzido a repetições de fórmulas e regras. A consequência disso é o despertar de aversão e até mesmo ódio pela química como disciplina. Contornar esse problema, para o professor, é uma arte e um desafio. Especialmente quando laboratórios não estão disponíveis (afinal, química é uma ciência experimental).

“É muito difícil fazer os alunos compartilharem os prazeres da observação e da experimentação, momentos fundamentais na atividade da ciência, sem contar com um laboratório no qual possam ver e sentir os fenômenos, sejam eles físicos, químicos ou da esfera da Biologia, por exemplo. O laboratório permite de maneira imediata a percepção do aspecto lúdico da atividade cientifica. Ao observar os fenômenos, ou ao medir propriedades quantitativas, por exemplo, os estudantes passam a compreender que ciência não é apenas aquilo que está nos livros, já pronto, mas sim é uma atividade que se constrói com a observação e a experimentação.” As palavras, de autoria do professor Alberto Passos Guimarães, pesquisador titular do CBPF e diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, foram tiradas de uma entrevista recente que pode ser acessada aqui e vale ser lida na íntegra.  Eu não sabia, mas o Instituto Ciência Hoje (que completa seus 30 anos de existência) tem um projeto interessantíssimo conhecido como Programa Ciência Hoje de Educação Científica (PCHAE). Nas palavras do professor, “o Programa atua em vários municípios brasileiros, treinando e motivando professores de Ciências para o emprego de métodos mais atraentes de ensino, baseados no uso da publicação Ciência Hoje das Crianças”. Iniciativas como o PCHAE e o Química em Ação têm o poder de mudar concretamente realidades locais para melhor por meio do estímulo à busca e transmissão de conhecimento.

Alguns dos experimentos propostos na apostila do Química em Ação poderiam ter sido apresentados (com adaptações) aos meus alunos, tranquilamente, em sala de aula. Foi o primeiro pensamento que tive ao ler o material. Ok, seria algo de caráter demonstrativo, mas já seria uma quebra na rotina das aulas que poderia fazer a química ganhar alguns corações. E todo coração ganho vale ouro, especialmente com a carência de nosso país por profissionais com formação nas áreas de exatas. Em um mundo onde a inovação tecnológica dita a força das economias, isso faz toda a diferença.

Discussão - 1 comentário

  1. Daniela V. A. disse:

    Bravo! Que texto lindo!!
    Adorei saber desse projeto!! Meu sobrinho de 8 anos já me pediu pra fazer experimentos em casa, e o pouco que eu consegui mostrar já o deixou maravilhado!!! Com certeza projetos como esse fazem sucesso e seria muito, muito importante se acontecesse nas salas de aula de escolas (inclusive no ensino fundamental!!).
    Adoraria poder fazer os experimentos com chocolate para o meu sobrinho! Ele me pediu pra explodir alguma coisa e que a fumaça tivesse cheiro de chocolate!!!!! hahahahaha
    Beijos Fe!! Saudades!

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