Publicado
1 de abr de 2010
Diga lá qual é o maior clichê científico da Páscoa. Sim, os benefícios do chocolate, sua história que remonta aos povos nativos da América Central, etc etc. Se não for isso, algo com coelhos (claro!), como é sua vida e seu comportamento, ou sobre ovos, sei lá. Embora já tenham me dito que adoro um clichê, evitarei tratar desses temas. Nesta Páscoa de 2010 escreverei sobre ratos. Isso mesmo, você leu certo. Mais especificamente, sobre o personagem Mickey. E, para não perder o costume, não é qualquer
Mickey dando tchauzinho na Disney – é um Mickey nanométrico (um não, vários!).
A equipe do professor Oswaldo L. Alves, da Unicamp, ao realizar experimentos para a obtenção de nanofios de vanadato de prata para uso em tecidos bactericidas, deparou-se com algo curioso: sobre os fios, formaram-se nanopartículas de prata com um formato que lembra o Mickey. De orelha a orelha, cada
nano-Mickey tem um comprimento de 40 nanometros.
O mais interessante é que
tais nano-Mickeys não foram obtidos ao acaso, de forma aleatória – o experimento foi reprodutível, pois foi possível obter as nanopartículas com o padrão morfológico tipo Mickey todas as vezes em que o experimento foi feito. Esse é um belo exemplo de
auto-organização. Isso parece estranho à primeira vista – como é possível obter espontaneamente estruturas tão ordenadas a partir da completa desordem? A resposta não é simples, mas faz parte de uma teoria belíssima,
já tratada aqui anteriormente. Em primeiro lugar, o sistema precisa estar
longe do seu equilíbrio termodinâmico, e ser
aberto (ou seja, deve ser capaz de trocar matéria e energia com o ambiente externo). Além disso, dentre outros aspectos (não citarei todos para não cansar o leitor) deve apresentar
emergência – ou seja, o todo é maior do que a soma das partes e o todo exibe padrões e estruturas que surgem espontaneamente do comportamento das partes -,
grande número de componentes independentes – resultando em muitas conexões, interações e laços de feedback entre as partes do sistema, e
efeitos em múltiplas escalas – as interações em pequena escala resultam em estruturas específicas na grande escala, que por sua vez, modificam a atividade da pequena escala (dá um nó na cabeça, não?)
Vi os nano-Mickeys na
Info Online, dica do
Takata.
OBS.: O sistema que contém os nano-Mickeys é parte da tese de doutorado de
Raphael Dias Holtz (Unicamp), com a participação do Prof.
Antonio Gomes de Souza Filho (Universidade Federal do Ceará).
Publicado
7 de out de 2009
Acordei hoje pela manhã e, viciada que sou, fui logo conferir meus e-mails. Dentre as mensagens, havia um
press release da Agência FAPESP com a seguinte notícia:
Nanotecnologia no Bebedouro.
(Foi quando pensei: essa merece um post no Bala Mágica! A Inês, do Educatual, também pensou, hehehe)
Em resumidas palavras, a matéria trata de um produto lançado pela
Nanox® Tecnologia S. A. para purificar água de bebedouros. Esse produto consiste de um filme contendo nanopartículas de prata e de dióxido de titânio. Como já foi abordado aqui neste blog, ambos os tipos de nanopartículas são capazes de exterminar bactérias de qualquer tipo. O uso desse filme para revestir as paredes do reservatório de água do bebedouro impede que bactérias cresçam na água armazenada ali.
A Nanox segue a tendência do mercado mundial. De acordo com o PEN (
The Project on Emerging Nanotechnologies – USA), prata é a substância mais citada como componente de produtos nanotecnológicos à venda no mundo (e veja que são mais de 600 produtos inventariados!!!). Óxidos de zinco e titânio ocupam o terceiro lugar dessa lista, perdendo apenas para carbono (na forma de fulerenos e nanotubos). Para quem ficou curioso a respeito da empresa, ela é brasileira! A Nanox, sediada em São Carlos/SP, foi uma das primeiras empresas nanotecnológicas do Brasil, tendo iniciado suas atividades em 2005. Ela é um exemplo do que chamamos de empresa
spin-off acadêmico: ela se originou a partir de um grupo de pesquisa de uma universidade – no caso, a UNESP.
Assim como a Nanox, várias empresas tecnológicas brasileiras surgiram depois da criação da
Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973, de 2 de dezembro de 2004), que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Apesar de ser alvo de algumas críticas, não há como negar que essa lei ajudou a favorecer um ambiente de inovação no meio empresarial, cujos reflexos vem sendo sentidos com mais força nos dois últimos anos.
Publicado
25 de set de 2009
Passando pelas sessões de pôsteres do ICAM 2009, achei algumas coisas muito interessantes…. Trago aqui para o Bala Mágica dois desses trabalhos. O primeiro é de autoria de Juliana C. Cancino – uma química muito simpática que faz doutorado em física -, juntamente com outros colaboradores (T.M. Nobre, S.S. Machado e V. Zucolotto) do Instituto de Química e do Instituto de Física da USP de São Carlos. Juliana construiu um modelo no laboratório que imita a membrana das nossas células e verificou que nanotubos de carbono podem penetrar na membrana, afetando seu empacotamento (que é a forma como ela se organiza no espaço). Cabe salientar que isso aconteceu apenas para nanotubos com determinadas características (como tamanho e tipo de superfície). Nanotubos grandes demais, por exemplo, não foram capazes de se inserir na membrana. Esse tipo de resultado pode ser uma evidência do potencial de toxicidade de nanotubos de carbono e como esse potencial pode ser minimizado alterando-se algumas das suas características.
Outro trabalho legal que vi lá é do Elias Berni – um físico que faz mestrado em biofísica – e colaboradores (V. Zucolotto e C.R. de Oliveira), do Instituto de Física da USP de São Carlos e da Embrapa Instrumentação Agropecuária. Sabe-se que tanto nanopartículas de prata quanto quitosana – uma fibra originada da carapaça de crustáceos – são capazes de impedir o crescimento de bactérias. Resumindo em poucas palavras, Elias mostrou que juntar quitosana e nanopartículas de prata num filme (que é o que chamamos de nanocompósito) tem um efeito maior na prevenção do crescimento da bactéria E. coli que aquele observado para os materiais separados somados. Esse estudo é um exemplo interessante de como é possível obter materiais muito mais eficientes devido ao emprego da nanotecnologia.
Ao meio dia de segunda-feira, estava acontecendo por lá um Lunch-Box Forum sobre desafios globais na educação, como parte das atividades da conferência. Nos banners que anunciavam o fórum, logo abaixo do título e acima da descrição das temáticas e dos palestrantes, estava escrito: “All are welcome”/”Free pizza”. Irresistível não lembrar do PhDComics nesse momento…..
Fonte: PhDComics
P.S.: Depois dos relatos do ICAM 2009, vou contar o que estará acontecendo no II EWCLiPo, direto de Arraial do Cabo-RJ. Aliás, já estou com as malas prontas para pegar a estrada ainda hoje…
Publicado
13 de set de 2009
Você descobre que tem uma doença e seu médico diz que você precisa tomar uns 5 medicamentos diferentes. Detalhe: um deles deve ser tomado a cada 8h, outro a cada 6h, outro a cada 24h, etc etc. Agora imagine que você possa combinar todos esses medicamentos em uma única pílula – essa pílula, dentro do seu corpo, liberaria cada substância ativa num determinado horário sem a necessidade de qualquer interferência sua. Seria um medicamento deveras inteligente, não?
Pesquisadores do MIT (
Massachusetts Institute of Technology, USA) bolaram um sistema capaz de liberar diferentes substâncias ativas em diferentes horários – ok, com a necessidade de interferência do paciente, mas mesmo assim o resultado foi muito bacana. O estudo partiu de dois princípios: 1) quando nanopartículas de ouro são expostas à radiação infravermelha, elas podem fundir, 2) nanopartículas de diferentes formatos fundem em comprimentos de onda da radiação infravermelha diferentes.
Só para lembrar, o comprimento de onda de uma radiação qualquer está relacionado com o quanto ela é energética (quanto maior é o comprimento de onda, menor é a energia da radiação).
Nesse estudo, fragmentos de DNA foram presos à superfície de nanopartículas de ouro cilíndricas com dois diferentes formatos: cilindros curtos ou cilindros longos. Os pesquisadores chamaram as nanopartículas cilíndricas longas de “nano-ossos” (nanobones) e as nanopartículas cilíndricas curtas de “nanocápsulas”.
(crédito: Andy Wijaya, MIT)
Ao fundir, as nanopartículas de ouro liberaram os fragmentos de DNA de forma controlada. Esse controle foi possível porque as nanopartículas cilíndricas curtas (as nanocápsulas) fundiram quando os pesquisadores incidiram sobre elas um laser de 800 nm, e apenas os fármacos ligados na superfície dessas estruturas foram liberados. Frente a esse laser de 800 nm, os nano-ossos permaneceram intactos. Os fármacos ligados aos nano-ossos só foram liberados depois, com a exposição a um laser de 1100 nm, que os fundiu.
O estudo em si não tem uma aplicação prática, mas é o que chamamos de “prova de conceito” – é um experimento que prova uma ideia. E essa ideia tem tudo para ser desenvolvida de forma a poder ser utilizada na prática médica nas próximas décadas. Isso é particularmente interessante em casos de doenças crônicas como AIDS e certos tipos de câncer, onde o paciente precisa tomar vários medicamentos. Como o controle da liberação depende de um fator externo (incidir o laser), talvez a ideia também seja promissora para o tratamento de diabetes – a liberação de insulina presa às nanopartículas poderia ser acionada logo após as refeições, pelo próprio paciente.
Cabe salientar que isso tudo ainda está longe de poder ser amplamente utilizado em larga escala. Como mencionado acima, é uma prova de conceito.
OBS.: Agradecimento à Cati Padilha por sugerir o tema desse post.
Wijaya, A., Schaffer, S., Pallares, I., & Hamad-Schifferli, K. (2009). Selective Release of Multiple DNA Oligonucleotides from Gold Nanorods ACS Nano, 3 (1), 80-86 DOI: 10.1021/nn800702n
Publicado
1 de set de 2009
Você lembra daquele filme chamado Curso de Verão, que sempre passava na Sessão da Tarde? Não…? Então dê uma olhadinha numa das partes mais hilárias e confira se você já não passou por essa situação:
-“O que são ovos?”
-“Como a gente escreve gato?”
-“Eu não sei!”
Hahahaha, está bem, você nunca passou por algo assim, mas…
Que tal se existissem nanorrobôs capazes de alterar a memória das pessoas, fazendo com que elas nunca esquecessem de coisas pré-determinadas? Útil para uma prova? Perfeito para nunca mais esquecer os intermináveis aniversários que sua namorada insiste em lembrar? Assustador e forte indicativo de que o mundo vai acabar? Não, não se preocupe – estamos muuuuito longe de sequer pensar como isso poderia ser feito.
Mas de certa forma, a humanidade tem usado registros de memória há alguns milênios – papiros, livros, fitas cassete, DVDs! A
equipe do professor Alex Zettl da Universidade de Berkeley (USA) criou um protótipo de memória digital formada por uma nanopartícula de ferro inserida dentro de um nanotubo de carbono. Quando eletricidade é fornecida ao sistema, a nanopartícula de ferro se desloca para um lado e para o outro no interior do nanotubo – os lados são o 0 e o 1 digitais do sistema binário.
“Courtesy Zettl Research Group, Lawrence Berkeley National Laboratory and University of California at Berkeley.”
De acordo com cálculos teóricos, esses dispositivos tem uma capacidade de armazenamento maior que 10^12 bits por polegada quadrada (o blogger não permite sobrescrito, então 10^12 quer dizer 10 seguido de 12 zeros) e uma duração infinita (um bilhão de anos pode ser considerado infinito nesse caso, não pode?)
Bem, a inovação não chega a ser um chip cerebral de memória cyberpunk à la
Neuromancer, mas se pensarmos que há menos de uns 10 mil anos atrás o ser humano registrava suas memórias em paredes de cavernas, e que o DVD que usamos hoje não dura mais que uma geração, é uma avanço e tanto….
Begtrup, G., Gannett, W., Yuzvinsky, T., Crespi, V., & Zettl, A. (2009). Nanoscale Reversible Mass Transport for Archival Memory Nano Letters, 9 (5), 1835-1838 DOI: 10.1021/nl803800c
Publicado
29 de ago de 2009
Imagine a cena: você passou na academia, fez toda a sua série de exercícios, suou pra caramba e aí aparece AQUELA pessoa que nunca te deu bola. Mas hoje ela vem falar com você. Ela se aproxima e…. você está cheirando pior que galinha molhada. Putz! E agora? Sai correndo? Mantém uma distância “segura”? Confia que cheiro de homem suado é sexy? (se você for homem, sinto muito, não é…).
Esse problema não te pertenceria se sua roupa contivesse nanopartículas de prata. O ser humano tem dois tipos de glândulas que produzem suor: as glândulas ecrinas, que produzem apenas líquido refrescante para o corpo, e as glândulas apocrinas, cuja secreção transporta gorduras e proteínas das células para o exterior do corpo. Essas gorduras e proteínas produzidas pelas glândulas apocrinas são alimento para as bactérias que estão na superfície da pele, que por sua vez produzem substâncias responsáveis pelo cheiro desagradável do suor. Logo, se as bactérias são eliminadas ou reduzidas consideravelmente, acaba o mau cheiro, certo?
As nanopartículas de prata impedem o crescimento de microrganismos e, dessa forma, poderiam ser úteis se aplicadas a tecidos de roupas esportivas. Só que a produção de nanopartículas de prata por métodos químicos usuais envolve também a formação de resíduos tóxicos, o que agride o meio ambiente.
Um grupo de pesquisadores da Unicamp (Oswaldo L. Alves, Nelson Durán e Priscyla Marcato) e da Universidade de Mogi das Cruzes (Gabriel Souza e Elisa Esposito), em São Paulo, deu um jeito de contornar esse problema produzindo nanopartículas de prata através da biotecnologia. Eles adicionaram nitrato de prata (um sal) a um tipo de fungo, o Fusarium oxysporum. O fungo tem uma enzima que converte o íon prata (do nitrato de prata) em prata metálica, produzindo nanopartículas desse metal com tamanho de cerca de 1,6 nm. Os pesquisadores impregnaram um tecido de algodão com essas nanopartículas e fizeram testes com a bactéria Staphylococcus aureus. O crescimento desse microrganismo não ocorreu no tecido preparado com a prata.
O potencial de roupas feitas de tecidos contendo nanopartículas de prata vai além do esportivo. Essas roupas poderiam ser usadas para produzir uniformes hospitalares, o que contribuiria para a redução dos índices de infecção hospitalar. Outra ótima aplicação para esses tecidos é na fabricação de meias bactericidas. Achou engraçado? Pois saiba que isso já existe e pode ser comprado nos Estados Unidos: meias anti-chulé!
PS 1.: O problema é que as nanopartículas podem sair do tecido das meias após algumas lavagens e acabar parando nos mananciais, o que geraria um problema ecológico que merece atenção ….
PS 2.:
1. nada mais eficaz para reduzir a infecção hospitalar que lavar as mãos com freqüência e usar luvas descartáveis nos procedimentos médicos, e
2. não sair para almoçar/ir ao banco/tomar um café/etc de jaleco só para mostrar que é “doutor” é demonstrar noções mínimas de microbiologia e parasitologia e respeito pela vida alheia.
Publicado
28 de jul de 2009
Na idade média, a decoração das igrejas com vitrais coloridos era algo comum – além de criar uma atmosfera adequada à contemplação, era uma forma de catequese num mundo de maioria analfabeta. Mas como os artistas faziam os vitrais ficarem coloridos?
Analisemos os vidros vermelhos. A adição de cloreto de ouro ao vidro fundido fazia surgir esferas de ouro de aproximadamente 25 nanometros de diâmetro – e como bem sabe quem já deu uma olhada em posts anteriores sobre espalhamento de luz, vemos um conjunto de nanopartículas com a cor vermelha porque seu tamanho, forma e material fazem com que a luz espalhada com mais eficiência seja aquela na faixa de comprimento de onda que equivale ao vermelho. Outras cores poderiam ser obtidas mudando-se o material usado e/ou o tamanho da partícula. Nanopartículas de ouro de 50 nm, por exemplo, dão o tom verde. Se dobrarmos seu tamanho (ou seja, se atigirmos 100 nm), a cor espalhada passa a ser a laranja. Já nanopartículas de prata de 100 nm espalham luz amarela. O azul poderia ser obtido com nanopartículas de prata de 40 nm.
É claro que não se sabia desses detalhes todos na época (as técnicas de colorir os vidros foram descobertas por tentativa e erro), mas cabe observar como a nanotecnologia é ANTIGA. Nanopartículas sempre existiram. A novidade está no maior entendimento a respeito das propriedades dos nanomateriais e como manipulá-los.
Publicado
21 de jun de 2009
Diz a lenda que a mulher mais bela do mundo era Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta. Quando Páris, príncipe de Tróia, foi a Esparta em missão diplomática, apaixonou-se por Helena e ambos fugiram para Tróia, enfurecendo Menelau (quem não se enfureceria no lugar dele, não é mesmo?). Para pegá-la de volta, os gregos resolveram atacar Tróia. Porem, a cidade só foi tomada graças a um artifício bolado por Ulisses, que fazia parte do exército grego: fingindo ter desistido da guerra, os gregos deixaram “para trás” um enorme cavalo de madeira, que os troianos decidiram levar para o interior de sua cidade, como símbolo de sua vitória. À noite, quando todos dormiam, os soldados gregos que se escondiam dentro da estrutura oca de madeira do cavalo saíram e abriram os portões para que todo o exército invadisse a cidade. Apanhados de surpresa, os troianos foram vencidos e a cidade incendiada.
(história contada na Ilíada, de Homero)
No nano(bio)mundo, também podemos ter soldados, Tróia e um cavalo oco que pode ser um presente de grego… Acha que eu agitei demais no fim-de-semana e estou escrevendo delírios aqui? Na, na, não… Provo para você! Pesquisadores nos Estados Unidos deram uma de Ulisses e usaram um cavalo de Tróia celular para liberar nanopartículas (os soldados) em tumores. Os cavalos foram os monócitos, que são células brancas do sangue responsáveis por eliminar corpos estranhos do organismo. Quando há tumores malignos, os monócitos correm para lá. Passando do sangue ao tumor, os monócitos se transformam em macrófagos e são “educados” a promover a progressão do tumor (é o que chamamos de infiltrado, e que leva a um prognóstico que não é dos melhores). Como ficou evidente, o tumor é Tróia nessa história toda.
Os autores prepararam nanopartículas de cerca de 60 nm, compostas por um núcleo de sílica revestido com ouro. Essas nanopartículas podem absorver luz no infravermelho próximo, gerando calor que mata as células (um efeito semelhante à
hipertermia magnética). Um tumor esferóide de células mamárias malignas foi usado como modelo in vitro do estudo. Esse tumor foi incubado com macrófagos e com nanopartículas de ouro. Paralelamente, um tumor incubado apenas com macrófagos foi usado como controle. A fagocitose das nanopartículas de ouro pelos macrófagos, bem como a infiltração dos macrófagos para dentro do tumor foram monitorados por microscopia de transmissão de luz. Os tumores foram irradiados com luz infravermelha e os macrófagos (contendo as nanopartículas) que chegaram no microambiente hipóxico do tumor foram mortos, juntamente com células tumorais das redondezas. Nada aconteceu com o tumor controle. Esse resultado foi visualizado através de uma técnica chamada microscopia confocal, onde imagens tridimensionais de materiais contendo corantes fluorescentes são obtidas. Na figura abaixo, fica fácil entender a analogia da estratégia explicada acima com a história que Homero escreveu por volta do séc. VIII a.C.
(CRÉDITO: Choi e colaboradores, Nano Letters, 7, 3759-3765, 2007)
De acordo com os autores, essa estratégia pode ser útil para uma série de sistemas de liberação de fármacos, e não apenas nanopartículas de ouro. O mais interessante nessa guerra de Tróia biológica é que o ativo (nesse caso, as nanopartículas) não é tóxico para o organismo até chegar no tumor, o que reduz drasticamente os seus efeitos adversos sem comprometer sua eficácia.
Choi, M., Stanton-Maxey, K., Stanley, J., Levin, C., Bardhan, R., Akin, D., Badve, S., Sturgis, J., Robinson, J., Bashir, R., Halas, N., & Clare, S. (2007). A Cellular Trojan Horse for Delivery of Therapeutic Nanoparticles into Tumors Nano Letters, 7 (12), 3759-3765 DOI: 10.1021/nl072209h
Publicado
2 de jun de 2009
Hipertemia significa elevação de temperatura. Essa estratégia vem sendo empregada há algumas décadas como alternativa para combater o câncer. Na hipertermia, o tumor é aquecido até cerca de 42oC, para que seja literalmente “queimado” porque as células tumorais são menos resistentes a aumentos bruscos de temperatura do que as células normais. O problema é que, mesmo assim, o tecido saudável ao redor do tumor pode ser queimado também – isso é um problema principalmente em locais de difícil acesso e, por isso, um controle fino do local a ser aquecido seria fundamental.
A possibilidade desse controle fino tornou-se mais concreta a partir dos anos 1980 devido a uma área aparentemente não-relacionada: a física de nanopartículas paramagnéticas. Essas nanopartículas respondem a um campo magnético externo, atuando como se fossem nanoímas. Surgiu daí a idéia de hipertermia magnética para combater o câncer. Nessa técnica, são utilizadas nanopartículas (em geral de magnetita) revestidas por materiais biocompatíveis, o que evita sua rejeição pelo organismo. Na superfície das nanopartículas são grudados anticorpos capazes de se ligar apenas ao tumor – dessa forma, as nanopartículas não se prendem a outras regiões do corpo, mas apenas ao tumor. O sujeito recebe uma injeção dessas nanopartículas na veia e entra numa câmara (no mesmo estilo daquelas de tomografia) onde é aplicado um campo magnético externo de frequência alternada. O campo magnético faz com que as nanopartículas presas às células cancerosas vibrem, criando um atrito que aumenta a temperatura e mata apenas as células cancerosas, sem prejuízo às células saudáveis.
É ou não é uma estratégia engenhosa para o combate ao câncer? Para saber mais sobre o assunto, recomendo a coluna do professor Carlos Alberto dos Santos, na Ciência Hoje,
aqui e
aqui.
Publicado
13 de maio de 2009
CRÉDITOS: Eby and Johnson’s group (ACS Nano, 2009, 3 (4), pp 984-994)
O que a enzima lisozima extraída da clara de ovo e nanopartículas de prata têm em comum? Ambas podem matar micróbios. Que nanopartículas de prata são microbicidas, isso já é sabido há certo tempo. Do poder hidrolizante da lisozima então, nem se fala. Porém, os problemas ambientais envolvidos na produção e descarte das nanopartículas de prata é que são elas…. Foi aí que os pesquisadores americanos Matthew Eby e Glenn R. Johnson, da
Air Force Research Laboratory at Florida’s Tyndall Air Force Base tiveram uma brilhante idéia: juntar lisozima e acetato de prata em metanol, expor à luz e… voilá! … foi desenvolvida uma técnica barata, simples e ambientalmente correta para preparar nanopartículas de prata antimicrobianas, capazes de inibir o crescimento de
Escherichia coli,
Staphylococcus aureus,
Bacillus anthracis e
Candida albicans. Essas nanopartículas poderiam ser usadas em curativos, cremes e sprays antissépticos.
Quem leu os últimos posts do Bala Mágica pode estar pensando:
“- Ok, mas é seguro usar esse negócio?”
Parece que sim – as nanopartículas mostraram-se não-tóxicas em cultura de células de mamíferos em concentrações que mataram as colônias de micróbios.
Referência:
Eby, D., Schaeublin, N., Farrington, K., Hussain, S., & Johnson, G. (2009). Lysozyme Catalyzes the Formation of Antimicrobial Silver Nanoparticles ACS Nano, 3 (4), 984-994 DOI: 10.1021/nn900079e