Novo episódio sobre Nanotecnologia no Fronteiras da Ciência

Foi ao ar essa semana o episódio II sobre Nanotecnologia do programa Fronteiras da Ciência – o qual pode ser ouvido semanalmente na Radio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1080 AM), ou a partir do arquivo em mp3 disponibilizado na página http://frontdaciencia.ufrgs.br/.
Nesse segundo episódio (informações sobre o primeiro episódio podem ser conferidas aqui), as discussões giram em torno dos aspectos toxicológicos, ambientais e regulatórios envolvidos no uso e produção de nanopartículas, nanofobia e atendados terroristas a nanocientistas (sim, isso tem acontecido….) e percepção pública do tema no Brasil e no mundo. A gravação pode ser acessada aqui. Clique, ouça, opine!

Um causo sobre cachaça

Na quinta-feira passada, estava eu degustando cachaças numa famosa cachaçaria de São Paulo, na excelente companhia de Igor S. e Rafael, quando vejo meus dois companheiros de mesa rindo e se perguntando se por acaso existia cachaça de silício. O motivo da gracinha foi uma pergunta feita ao garçom pela moça da mesa ao lado: “-Vocês têm cachaça orgânica?
(Se você tiver a oportunidade, experimente a cachaça Paladar, produzida em Minas Gerais e envelhecida em tonéis de Amburana. Satisfação garantida.)
Lógico que eu também achei a maior graça do pedido da moça e da gracinha subsequente, porque sempre associei “orgânico” com “tudo aquilo que possui cadeias de carbono e hidrogênio na sua estrutura”. Fui buscar outros usos do termo “orgânico” e, para minha surpresa, descobri a Lei No 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre agricultura orgânica. De acordo com o Art. 1º desta Lei, “[c]onsidera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.” De acordo com o Art. 3º do Decreto No. 6323, que regulamenta essa lei, são diretrizes da agricultura orgânica I – contribuição da rede de produção orgânica ao desenvolvimento local, social e econômico sustentáveis; IV – incentivo à integração da rede de produção orgânica e à regionalização da produção e comércio dos produtos, estimulando a relação direta entre o produtor e o consumidor final; entre outras. Fica claro, lendo a Lei No. 10.831 e o Decreto No. 6323, que a cultura orgânica é mais que um processo sem agrotóxicos de origem sintética. É praticamente uma filosofia de vida.
É inegável que a quantidade reduzida de agrotóxicos nos produtos orgânicos em comparação com os convencionais pode ser vantajosa para a saúde humana. Mas isso é uma vantagem ambiental? Pode parecer estranho levantar esse questionamento, mas ao perguntar a Luiz Bento do Discutindo Ecologia, qual sua opinião sobre o assunto, meu colega de SBBr citou um artigo científico sobre o tema e contou-me que, “como a agricultura orgânica não usa organismos geneticamente modificados e nem excesso de agrotóxico e fertilizante, a sua produção por hectare acaba sendo menor. Dessa forma, seria preciso uma área maior de plantio para ter uma produção equivalente à da agricultura tradicional. O resultado seria um maior impacto na biodiversidade. Em resumo: melhor por um lado, pior por outro.”
Em termos nutricionais, não há dados conclusivos de cunho epidemiológico que mostrem que tais produtos são mais nutritivos que aqueles de origem orgânica. No entanto, a maioria das pessoas procura os alimentos orgânicos porque estes são “mais saudáveis”. Isso permite concluir que há um fator subjetivo forte nesse tipo de compra. Isso acaba elevando bastante o preço de produtos orgânicos no varejo, embora o seu custo de produção seja relativamente semelhante ao de produtos convencionais. Ora, então comprar diretamente do produtor acaba sendo não só ambientalmente menos impactante – pois elimina os intermediários e toda a poluição causada por eles -, como também muito mais barato.
No fim das contas, alimentos orgânicos podem ser uma ideia interessante, mas não são a “salvação da lavoura” (belo trocadilho do Luiz Bento!). Consumir menos sempre é melhor que consumir muito, por mais “verde” que seja o produto.

Fundacentro agora tem subsite sobre nanotecnologia

A Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) criou um subsite de nanotecnologia como resultado do projeto “Impactos da nanotecnologia na saúde dos trabalhadores e meio ambiente”, feito em parceria com instituições de peso como Fiocruz, DIEESE, Escola Nacional de Saúde Pública, entre outras.

A ideia é divulgar para o publico leigo informações sobre os impactos da nanotecnologia na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente, bem como dados de pesquisa, produção e mercado em nanotecnologia no Brasil. Por ser novo (foi inaugurado hoje!) o subsite ainda está em desenvolvimento, mas já há muito material legal sobre o assunto. Vale conferir!

P.S.: Obrigada a Maria Lionzo pela dica.

O efeito das nanopartículas nas plantas

ResearchBlogging.org

Em homenagem ao encerramento da Semana do Meio Ambiente, esta será uma postagem sobre os efeitos tóxicos de nanopartículas insolúveis (que não se desintegram no organismo) nas plantas terrestres. Nanopartículas insolúveis incluem fulerenos (presentes em alguns cremes cosméticos vendidos em certos países), nanopartículas de óxidos metálicos (como o óxido de zinco, usado em filtros solares) e nanotubos de carbono. Justifico a escolha desse assunto por três motivos:
1) plantas são importantes receptores ecológicos, e várias plantas terrestres fazem parte da nossa cadeia alimentar;
2) ainda há poucos estudos sobre os efeitos positivos e negativos de nanopartículas em plantas superiores; e
3) a Comissão Européia em 2007 sugeriu que a segurança das nanopartículas insolúveis deve ser avaliada a partir de uma descrição detalhada de todo o seu “ciclo de vida” no ambiente.

Um estudo feito pelo grupo do Prof. Baoshan Xing – Department of Plant, Soil & Insect Sciences at the University of Massachusetts, USA – mostrou que nanopartículas de óxido de zinco inibiram a germinação das sementes e o crescimento das raízes de centeio. Zinco é um elemento essencial aos seres vivos, mas é tóxico em altas concentrações. Os motivos da toxicidade dessas nanopartículas ainda não estão muito claros – mas como demonstrado nesse estudo, a toxicidade não veio da sua degradação em zinco elementar nas plantas, mas sim da sua aderência na superfície das raízes. É interessante notar que a toxicidade foi devida não ao excesso de zinco, mas sim ao fato do zinco estar nanoestruturado. Já foi discutido antes aqui no Bala Mágica que nanopartículas de óxido de zinco podem fazer “buracos” na membrana de micróbios. Talvez possa-se especular que a causa da toxicidade de nanopartículas de óxido de zinco em plantas esteja relacionada a algo dessa natureza.
Inibição do crescimento das raízes em sementes de canola, causada por nanopartículas de zinco e de óxido de zinco (fonte: http://www.nanowerk.com/spotlight/spotid=1677.php)

Mas nem tudo é terra devastada para as plantas…. Foi demonstrado (aqui) que nanopartículas de dióxido de titânio promoveram a fotossíntese e o metabolismo do nitrogênio em espinafres, favorecendo seu crescimento. Nanopartículas de óxido de alumínio (aqui) não afetaram o crescimento de uma variedade de feijões vermelhos, apesar de ter inibido o crescimento da raiz de cinco outras espécies de plantas (milho, pepino, soja, cenoura e repolho). No entanto, concentrações extremamente altas foram necessárias para causar esse estrago.

A conclusão por enquanto é de que, quando se trata de nanopartículas insolúveis, realmente cada caso é um caso. Como eu já havia me manifestado aqui nesse blog, não sou contra a produção desses nanomateriais. Pelo contrário! Acho que poderemos ter muitos ganhos com eles. No entanto, isso não significa virar as costas para o ambiente. É fundamental que marcos regulatórios sejam definidos pelos governos o mais rapidamente possível e protocolos responsáveis de descarte desses materiais sejam adotados pelas indústrias. A realidade é que, no fim das contas, a decisão final é do consumidor: a responsabilidade ambiental precisa fazer diferença na hora de decidir pelo produto da marca A ou da marca B. É por isso que as pessoas precisam saber o que estão consumindo. E você, está preparado para decidir?

Lin, D., & Xing, B. (2008). Root Uptake and Phytotoxicity of ZnO Nanoparticles Environmental Science & Technology, 42 (15), 5580-5585 DOI: 10.1021/es800422x


Nanopartículas e micróbios: um preço ecológico a pagar?

Pesquisadoras da University of Toledo, nos Estados Unidos, descobriram que nanopartículas de dióxido de titânio, adicionadas em alguns cosméticos e protetores solares, causam danos ao meio ambiente. O dióxido de titânio (TiO2) é um conhecido e eficaz filtro físico de protetores solares. Ele é capaz de espalhar parte da radiação solar (dúvidas? ler o post sobre espalhamento de luz), impedindo assim sua absorção pela pele. Ao contrário dos protetores solares tradicionais, que contem TiO2 microparticulado e deixam a pele esbranquiçada, esses novos protetores deixam uma película transparente na pele por conterem TiO2 nanométrico. A vantagem aqui é principalmente estética, porque ninguém gosta de passar protetor solar e ficar com aquela camada “branquinha” sobre o corpo. No entanto, depois de ser lavadas da pele, essas nanopartículas acabam parando nos mananciais. As pesquisadoras expuseram colônias de Escherichia coli (um tipo de bactéria comum em dejetos) a nanopartículas de dióxido de titânio e verificaram uma queda drástica no número de bactérias presentes ali, isso em menos de 1h. A morte desses microrganismos ocorreu porque as nanopartículas danificaram a membrana externa das bactérias (as bactérias literalmente “explodiram”).

Eu gostaria de salientar aqui algo importante: qualquer material que tenha atividade microbicida (tanto nanopartículas de TiO2 e prata quanto moléculas presentes em medicamentos antibióticos, entre outros) deve ser descartado de forma segura e seu efeito no meio ambiente não deve ser menosprezado. Todos concordam que não se deve parar de fabricar penicilina porque ela danifica a membrana externa das bactérias – sim, a penicilina também “explode” bactérias, esse é o seu mecanismo de ação como antibiótico. As próprias autoras do estudo citado acima deixaram claro que o resultado obtido foi preliminar e ainda não se sabe o que as nanopartículas de TiO2 podem fazer no meio ambiente “real”, que é muito mais complexo. As mesmas propriedades que tornam a nanotecnologia valiosa também são responsáveis por potenciais consequencias negativas para a saúde humana e para a ecologia. Nesse caso, a conclusão a se tirar é de que toda a informação deve ser avaliada de forma crítica: a discussão sobre os impactos da nanotecnologia no meio ambiente não deve ser apaixonada, mas sim técnica – do contrário, corremos o risco de criar polêmicas que apenas alimentam preconceitos.
(post sobre dados apresentados esse ano no 237 Encontro Nancional da American Chemical Society, USA – para ler mais, clique aqui)

Quanto custaria testar o risco de todos os nanomateriais que existem? (PARTE II)

ResearchBlogging.org

Apesar do crescente investimento em pesquisa envolvendo nanotecnologia por parte da iniciativa privada, investimentos correspondentes em estudos sobre seus aspectos de saúde e segurança tem sido limitados. Embora muitas empresas investiguem toxicidade aguda, o estudo de Choi e colaboradores demonstrou que o setor é mais relutante em realizar testes de segurança de seus produtos a longo prazo. Isso ocorre porque os custos diretos associados com esses estudos são altos e podem não produzir resultados definitivos, especialmente se os testes tem baixa especificidade. Além disso, nenhum benefício mercadológico estaria associado com esse tipo de pesquisa. Portanto, as empresas não consideram a investigação dos riscos de longo prazo de seus produtos como um investimento atrativo. Uma proposta para a redução de custos seria a categorização dos nanomateriais em níveis, o que resultaria no emprego de testes de diferentes graus de complexidade para verificar a segurança desses produtos. O conhecimento sobre os riscos envolvidos com a produção, uso e descarte de nanopartículas será um gargalo da próxima década.

Choi, J., Ramachandran, G., & Kandlikar, M. (2009). The Impact of Toxicity Testing Costs on Nanomaterial Regulation Environmental Science & Technology, 43 (9), 3030-3034 DOI: 10.1021/es802388s

Quanto custaria testar o risco de todos os nanomateriais que existem? (PARTE I)

ResearchBlogging.org

Informações sobre a toxicidade de produtos nanotecnológicos são importantes para determinar como esses materiais podem ser regulados sob o ponto de vista legal. No entanto, se todos os nanomateriais que existem fossem efetivamente testados quanto à sua toxicidade, isso custaria às indústrias dos Estados Unidos entre 249 milhões e 1,18 bilhão de dólares. Por outro lado, se considerarmos os níveis atuais de investimento, essa avaliação toxicológica levaria de 34 a 53 anos. Essas estimativas foram baseadas em informações fornecidas por 329 firmas nanotecnológicas dos Estados Unidos, tais como tamanho das companhias e seus gastos com P&D.;, e fazem parte de um estudo realizado por pesquisadores da University of Minnesota (USA) e University of British Columbia (Canada). Este estudo foi o primeiro a fazer estimativas de custo e de tempo necessários para testar a toxicidade de nanomaterias comercializados nos Estados Unidos.

Choi, J., Ramachandran, G., & Kandlikar, M. (2009). The Impact of Toxicity Testing Costs on Nanomaterial Regulation Environmental Science & Technology, 43 (9), 3030-3034 DOI: 10.1021/es802388s

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