Nanocoisas violando uma lei da física?

[continuando o post anterior…]



ResearchBlogging.org Imagine que você está acompanhando a trajetória de uma bola de pingue-pongue – o espaço tridimensional que corresponde ao seu campo de observação é muito semelhante ao que os físicos chamam de espaço de fase, utilizado para acompanhar a trajetória de uma partícula numa simulação de computador. Se soubermos qual é a velocidade e a posição de uma partícula em um tempo inicial qualquer e conhecermos quais equações regem o seu movimento, podemos prever as trajetórias passada e futura dessa partícula. Isso é possível porque as equações de movimento são reversíveis. No entanto, a segunda lei da termodinâmica determina que “a quantidade de entropia de qualquer sistema isolado (fora do equilíbrio) tende a aumentar até atingir um máximo (que corresponde ao seu estado de equilíbrio)” Epa! Percebeu que há algo que aparentemente não fecha nessas duas teorias? Se a entropia tende a aumentar a partir de um tempo inicial, então o desenrolar do movimento da tal partícula mencionada acima vai elevar a entropia do sistema, tanto na direção do passado quanto na direção do futuro (porque as equações de movimento são reversíveis). Se você lembra do que já foi escrito aqui a respeito da seta do tempo, deve ter captado o paradoxo.
Se formos bem criteriosos tal qual o Roberto Takata, observaremos que a definição da segunda lei poderia ser mais adequadamente descrita considerando seu aspecto probabilístico, ao afirmar que na verdade ela apenas quer dizer que “é extremamente improvável que a entropia de um sistema fechado decresça em um dado instante”.

(não desanime! continue lendo, vai valer a pena! por favor?)
gato_de_botas.jpg

Ora, a grosso modo, para tempos relativamente longos e sistemas grandes, a probabilidade de redução da entropia é ridiculamente desprezível e, nessas condições, pode-se considerar sem medo de ser feliz que ela sempre aumenta até atingir um máximo. A questão – e esse é o ponto-chave da coisa toda – é que tal probabilidade já não é tão desprezível assim para sistemas muito pequenos em tempos muito curtos. Pasme como eu, leitor: nesses casos, a entropia pode ser CONSUMIDA ao invés de produzida (daí o termo “violação” da segunda lei)
Uma equação matemática foi proposta em 1993 por Evans e colaboradores para predizer “violações” mensuráveis e relevantes da segunda lei para sistemas numa escala pequena de tamanho durante curtos períodos de tempo. Eles a chamaram de teorema das flutuações, porque se refere às flutuações do grau de entropia de um sistema em relação a uma média. Parece difícil entender isso à primeira vista, mas é como pensar na loucura do clima: em alguns dias chove, em outros faz um sol danado (flutuações) e na média um mês pode ser chuvoso, seco, etc. O fato de que um mês qualquer foi muito chuvoso não quer dizer que em nenhum momento desse período fez um belo dia de sol. Capiche? A ideia é genial, mas o fato é que NENHUMA demonstração experimental desse teorema havia sido feita. Até agora.
And now, the conclusion.
Wang e colegas conseguiram realizar essa façanha em 2002. Ao acompanhar a trajetória de nanopartículas de látex suspensas em água, empregando uma “armadilha óptica” composta por feixes de laser, eles demonstraram experimentalmente o “consumo espontâneo” de entropia em sistemas com distância coloidal (de poucos nanômetros) em tempos da ordem de segundos. Os resultados experimentais foram muito semelhantes àqueles obtidos por simulação de computador. De acordo com os autores, os resultados obtidos podem ajudar a entender como funcionam os motores de proteínas e também as nanomáquinas que o homem eventualmente construirá.
O teorema das flutuações indica que transformar máquinas macroscópicas em máquinas microscópicas não é uma simples questão de redução de escala. Quanto menores esses dispositivos, maior é a probabilidade de que funcionem de forma “termodinamicamente reversa” àquela esperada para a escala macroscópica. Se construirmos nanomáquinas, precisamos considerar que elas estarão sujeitas a esse efeito. Da mesma forma, as nanomáquinas “biológicas” dentro das nossas células devem tirar algum proveito disso tudo. Portanto, a resposta à pergunta feita pelo Joao é que o teorema das flutuações tem sim importantes implicações para a nanotecnologia e – nas palavras dos autores – também no próprio entendimento de como funciona a vida.
Um P.S. importante: Antes que alguém mais imaginativo encha-se de esperanças ao ler esse texto, é bom deixar claro que nanomáquinas jamais poderiam ser moto-perpétuos, pois ao longo do tempo a probabilidade média de aumento da entropia é cada vez maior. É, meu amigo, não tem jeito… A segunda lei é inexorável!

Evans, D., Cohen, E., & Morriss, G. (1993). Probability of second law violations in shearing steady states Physical Review Letters, 71 (15), 2401-2404 DOI: 10.1103/PhysRevLett.71.2401
Wang, G., Sevick, E., Mittag, E., Searles, D., & Evans, D. (2002). Experimental Demonstration of Violations of the Second Law of Thermodynamics for Small Systems and Short Time Scales Physical Review Letters, 89 (5) DOI: 10.1103/PhysRevLett.89.050601


Movimentos peristálticos autônomos… de um gel polimérico!

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Não, não se trata de um episódio de seriado de ficção científica. Lembra do post anterior sobre sistemas longe do equilíbrio e como as flutuações afetam a sua evolução? Pois é, não são apenas seres vivos que podem ser evocados como exemplos de estruturas dissipativas (na verdade, muitas estruturas organizadas do universo podem ser classificadas como tal). Na década de 1950, o químico russo Boris Belousov descobriu que uma combinação de ferroína e determinados bromatos, sulfatos e ácidos numa concentração específica resultam em uma reação química oscilatória. O filme abaixo ilustra bem esse processo: observe que após o início da reação, há a formação de círculos que se expandem de forma padronizada e só desaparecem quando todo o reagente é consumido.



Por não saber explicar esse fenômeno, Belousov teve seu trabalho rejeitado por editores de revistas científicas da época, e acabou publicando seus dados em uma revista pouco respeitada. Em 1961, o estudante de pós-graduação Anatol Zhabotinsky redescobriu essa reação, e por isso ela é atualmente chamada reação de Belousov-Zhabotinsky, ou reação BZ. Hoje, à luz de trabalhos como o de Ilya Prigogine, sabe-se que essa reação pode ser explicada como um sistema longe do equilíbrio termodinâmico e as estruturas circulares formadas na reação são exemplos de estruturas dissipativas. Cada cor corresponde a um composto formado na reação. Fica fácil ver que os círculos são formados porque os compostos são produzidos de forma cíclica (ou seja, de forma oscilatória).
Cientistas japoneses acharam uma forma muito criativa de usar a reação BZ para gerar movimento peristáltico em géis de poliacrilamida, tal qual aquele feito por organismos vivos. A poliacrilamida é um polímero que responde às mudanças de calor, inchando ou desinchando conforme a temperatura do ambiente. Pois bem, na reação BZ ocorre a liberação de calor durante a formação dos produtos. Como a reação BZ é cíclica, a liberação de calor também é cíclica. Você já adivinhou a ideia dos japoneses? Sim, eles imergiram uma solução aquosa contendo quase todos os reagentes da reação BZ num gel de poliacrilamida. Ao adicionar os reagentes que faltavam, a reação começou, gerando ondas cíclicas de calor induzidas pela reação BZ. Essas ondas de calor produziram inchamentos e desinchamentos periódicos no gel, tal qual um movimento peristáltico.

poliacrilamida 1.jpg

Esse movimento peristáltico possibilitou o transporte de pequenos objetos de forma controlada. Observe o cilindro na figura abaixo – ele se movimenta rolando. É como deslizar o dedo ao longo de um canudinho para empurrar para fora todo o resto de suco que há dentro dele, só que, ao invés de deslizar o dedo de forma contínua, você vai apertando o canudinho ao longo de toda a sua extensão – ao fazer isso, você está gerando movimentos peristálticos que vão empurrando o resto de suco para fora.

poliacrilamida 2.jpg

No futuro, essa idéia poderia ser aperfeiçoada e empregada no desenvolvimento de nanomáquinas capazes de transportar matéria de forma autônoma. Genial, não é?
Agradecimento ao Prof. Paulo Netz, pela leitura crítica desse texto
Maeda, S., Hara, Y., Yoshida, R., & Hashimoto, S. (2008). Peristaltic Motion of Polymer Gels Angewandte Chemie International Edition, 47 (35), 6690-6693 DOI: 10.1002/anie.200801347

Seremos imortais dentro de 20 anos. Hein?!

Acabo de receber um e-mail com um link muito interessante, cujo conteúdo transcrevo abaixo:

O cientista Ray Kurzweil afirma que dentro de 20 anos os seres humanos terão capacidade e tecnologia para tornar qualquer um imortal, graças a nanotecnologia.
Ele diz que, teoricamente, a nanotecnologia poderá substituir qualquer orgão de nosso corpo com uma eficácia milhares de vezes melhores que a “original”.
“Dentro de 25 anos poderemos fazer um mergulho de quatro horas sem ao menos precisarmos de oxigênio”
“A nanotecnologia será capaz de aumentar tanto nossas capacidades mentais que poderemos escrever um livro inteiro em apenas alguns minutos”
“Também poderemos entrar em um modo de realidade virtual nunca visto antes, onde os sinais de nosso cérebro será desligado e iremos para onde quisermos. O sexo virtual será algo banal.”
“No nosso dia a dia, figuras holográficas aparecerão em nossos cérebros para nos explicar o que está acontecendo.”

Fonte: clique aqui

Na primeira leitura desse texto, achei que fosse alguma paródia sobre as previsões megalomaníacas a respeito de novas tecnologias, que às vezes saem na mídia para vender jornal. Na dúvida, vasculhei o Google e descobri que o tal R. Kurzweil existe mesmo, é um inventor formado no MIT, liderou o desenvolvimento do primeiro sistema de reconhecimento óptico de caracteres (entre outras contribuições tecnológicas importantes na área de informática) e estava falando sério…. Sério?

Apesar de achar que a nanotecnologia tem muito a oferecer na área médica, em especial quando combinada com células-tronco e terapia gênica, eu sinceramente duvido que em 20 anos seremos capazes de usá-la de forma tão otimista como a descrita acima.

Ainda estamos muito longe de evoluirmos para uma espécie Highlander-cyberpunk….. Mas nem por isso deixamos de sonhar.

P.S.: Agradecimento ao Luis por enviar o link, e por ciceronear a gente (de novo!) aqui no Rio.

UPDATE 04/10/09: Texto interessante de autoria do físico Marcelo Gleiser a respeito desse assunto: aqui.
UPDATE 08/10/09: Outro texto sobre essa declaração, da Suzana Herculano-Houzel: aqui.


Híbridos de nanodispositivos e sistemas biológicos existem?

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Como já comentei aqui, nanochips cerebrais cyberpunk ainda estão muito longe de existir. Mas isso não quer dizer que esforços não tem sido feitos para tentar integrar sistemas biológicos com dispositivos construídos pelo homem na escala nanométrica. Há cerca de 1 mês atrás a Tati Nahas me enviou um link muito interessante e, enrolada que sou, ainda não tinha escrito nada a respeito.

Pois bem, o link em questão é da Nature News – pesquisadores dos Estados Unidos construíram uma plataforma híbrida de nanofibras de silício mergulhadas em uma bicamada lipídica. Essa plataforma é capaz de converter sinais elétricos em sinais iônicos.

Sinais iônicos…. como assim? É que os sistemas biológicos (inclusive você, pequeno gafanhoto) usam uma combinação de gradientes iônicos e potenciais elétricos de membrana como forma de sinalizar coisas de uma célula para outra – é como uma complexa linguagem, que envolve receptores de membrana altamente específicos e fluxos de íons para dentro e para fora das células através de canais iônicos e bombas de prótons.

[Quer um exemplo corriqueiro disso? Certas células de nosso corpo passam a vida jogando íons sódio para fora e íons potássio para dentro – para cada 3 íons sódio transportados para fora, 2 íons potássios são transportados para dentro. Isso cria um gradiente elétrico na membrana celular, porque há mais íons fora do que dentro da célula e, portanto, a parte externa da membrana tem mais cargas positivas que a parte interna da membrana. O resultado disso? Um potencial de membrana! Quando esse potencial se inverte por algum motivo (de forma que a parte interna fica mais positiva que a externa), ocorrem eventos fisiológicos tais como a transmissão de impulsos elétricos entre os neurônios e a movimentação dos músculos. Essa inversão de cargas é o que chamamos de potencial de ação.]

Mas como ocorreu a conversão de sinais elétricos em sinais iônicos? Foi assim: os pesquisadores incorporaram um peptídeo na bicamada lipídica, chamado alameticina (que atua como um poro para íons) e aplicaram um campo elétrico às nanofibras de silício mergulhadas nessa bicamada. Conforme o campo elétrico aplicado, os poros de alameticina na bicamada lipídica que reveste as nanofibras se abriram ou se fecharam. Dessa forma, o fluxo de íons de um lado para outro da membrana foi controlado – o que por tabela resultou no controle do potencial de membrana.

Ainda não há aplicação prática para esse estudo, mas convenhamos que a ideia é bem promissora e faz a imaginação voar…

Uptade 11/09/2009: o tema desse post acabou de sair na última Pesquisa FAPESP Online.

Misra, N., Martinez, J., Huang, S., Wang, Y., Stroeve, P., Grigoropoulos, C., & Noy, A. (2009). From the Cover: Bioelectronic silicon nanowire devices using functional membrane proteins Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (33), 13780-13784 DOI: 10.1073/pnas.0904850106

Problemas de memória? Saiba como ter uma memória eterna…

Você lembra daquele filme chamado Curso de Verão, que sempre passava na Sessão da Tarde? Não…? Então dê uma olhadinha numa das partes mais hilárias e confira se você já não passou por essa situação:



-“O que são ovos?”
-“Como a gente escreve gato?”
-“Eu não sei!”

Hahahaha, está bem, você nunca passou por algo assim, mas…

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Que tal se existissem nanorrobôs capazes de alterar a memória das pessoas, fazendo com que elas nunca esquecessem de coisas pré-determinadas? Útil para uma prova? Perfeito para nunca mais esquecer os intermináveis aniversários que sua namorada insiste em lembrar? Assustador e forte indicativo de que o mundo vai acabar? Não, não se preocupe – estamos muuuuito longe de sequer pensar como isso poderia ser feito.

Mas de certa forma, a humanidade tem usado registros de memória há alguns milênios – papiros, livros, fitas cassete, DVDs! A equipe do professor Alex Zettl da Universidade de Berkeley (USA) criou um protótipo de memória digital formada por uma nanopartícula de ferro inserida dentro de um nanotubo de carbono. Quando eletricidade é fornecida ao sistema, a nanopartícula de ferro se desloca para um lado e para o outro no interior do nanotubo – os lados são o 0 e o 1 digitais do sistema binário.

“Courtesy Zettl Research Group, Lawrence Berkeley National Laboratory and University of California at Berkeley.”

De acordo com cálculos teóricos, esses dispositivos tem uma capacidade de armazenamento maior que 10^12 bits por polegada quadrada (o blogger não permite sobrescrito, então 10^12 quer dizer 10 seguido de 12 zeros) e uma duração infinita (um bilhão de anos pode ser considerado infinito nesse caso, não pode?)

Bem, a inovação não chega a ser um chip cerebral de memória cyberpunk à la Neuromancer, mas se pensarmos que há menos de uns 10 mil anos atrás o ser humano registrava suas memórias em paredes de cavernas, e que o DVD que usamos hoje não dura mais que uma geração, é uma avanço e tanto….

Begtrup, G., Gannett, W., Yuzvinsky, T., Crespi, V., & Zettl, A. (2009). Nanoscale Reversible Mass Transport for Archival Memory Nano Letters, 9 (5), 1835-1838 DOI: 10.1021/nl803800c

Nanomáquinas: ficção científica ou realidade?

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Agora que já justifiquei porque grey goo é só ficção, vou deixá-lo maluco (por pura diversão) ao afirmar que nanomáquinas existem. Sim, caro leitor, elas EXISTEM! De acordo com o nosso dicionário Aurélio (eu ainda gosto mais do Aurélio, amor antigo), máquina é um “aparelho ou instrumento próprio para comunicar movimento ou para aproveitar, por em ação ou transformar uma energia ou um agente natural”. Sacou? Embora máquinas sejam geralmente consideradas como produtos da mão humana, por que cargas d’água um sistema molecular complexo qualquer que se encaixe nessa definição não pode ser considerado uma máquina, mesmo que seja um produto da evolução natural e não da inteligência humana? Nesse contexto, organelas celulares (como a mitocôndria e o cloroplasto, por exemplo) são máquinas nanométricas excepcionais. E quando pensamos no pesadelo do “grey goo”, esquecemos que o surgimento da vida causou uma revolução na superfície da Terra em proporções ainda maiores (teria sido um “green goo”?). E como as nanomáquinas já existem desde que a vida surgiu – e nós somos produto dessa “nanotecnologia da mãe-natureza” -, elas podem servir de inspiração para desenharmos nanomáquinas artificiais com finalidades planejadas.

O problema nem é tanto construir a estrutura em si, mas fazê-la andar de forma autônoma. Isso exige que um combustível seja convertido em energia mecânica para que a máquina possa realizar trabalho. O combustível das nossas células é uma molécula chamada trifosfato de adenosina (ou ATP, na sigla em inglês). A quebra de uma das ligações fosfato no ATP libera energia química. Essa energia química é utilizada, por exemplo, para contrair os nossos músculos, movimentar os flagelos de bactérias e espermatozóides e até realizar sinapses no cérebro (é daí que vem a expressão queimar fosfato, usada quando “pensamos muito”). A idéia do ATP como combustível inspirou pesquisadores da Pennsylvania State University, que desenvolveram nanomotores simples capazes de converter energia química – estocada em moléculas que atuam como “combustíveis” – em energia mecânica que gera movimento.

De forma resumida, eles construíram um cilindro feito de platina e outro, com dimensões de 2 micrômetros de altura por 370 nanometros de largura. Os cilindros usados eram assimétricos, ou seja, uma metade era composta por platina e a outra metade era de ouro. Os cilindros foram colocados em um tanque com água e peróxido de hidrogênio (ou água oxigenada, para os íntimos) e aí uma reação interessante aconteceu: na ponta do cilindro composta por platina, cada molécula de peróxido de hidrogênio foi quebrada em 1 molécula de oxigênio, 2 elétrons e 2 prótons; na outra ponta composta por ouro, os elétrons e prótons (que se moveram do lado platina para o lado ouro) se combinaram com uma molécula de peróxido de hidrogênio para formar 2 moléculas de água.

O oxigênio formado no lado de platina interrompeu a rede de ligações de hidrogênio da água, reduzindo sua tensão interfacial líquido-vapor. Como o oxigênio foi gerado apenas em um dos lados do cilindro, um gradiente de tensão interfacial foi criado , gerando uma turbulência na água que estava ao redor do cilindro (ou seja, a diferença de tensão interfacial entre a água ao redor de uma ponta e da outra do cilindro fez com que a água fluísse de um lado para o outro). O fluxo da água foi empurrando o cilindro – no fim das contas, a energia química liberada na quebra do peróxido de hidrogênio em oxigênio, prótons e elétrons foi a fonte energética da propulsão dessa nanomáquina. Conforme o cilindro se movia, o gradiente era continuamente restabelecido porque mais oxigênio era continuamente formado a partir de novas moléculas de peróxido de hidrogênio – e a cada geração de oxigênio, o cilindro era empurrado mais um pouco. É claro que o movimento resultante foi aleatório, mas o estudo já é um ponto de partida interessante para desenvolvermos nanomáquinas capazes de movimento autônomo para finalidades específicas. No futuro, a molécula usada como “combustível” provavelmente não será peróxido de hidrogênio, se pensarmos em aplicações biológicas – mas a glicose pode muito bem ser utilizada, tal qual já é pelas nossas células. Quanto à não-aleatoriedade do movimento, o próprio grupo vem estudando alternativas, como o uso do magnetismo.

Referência:

Paxton, W., Kistler, K., Olmeda, C., Sen, A., St. Angelo, S., Cao, Y., Mallouk, T., Lammert, P., & Crespi, V. (2004). Catalytic Nanomotors: Autonomous Movement of Striped Nanorods Journal of the American Chemical Society, 126 (41), 13424-13431 DOI: 10.1021/ja047697z

Os nanorrobôs vão dominar o mundo?

Um amigo me perguntou hoje, em tom de brincadeira, se os nanorrobôs vão dominar o mundo. Esse tema já havia sido levantado por um colega de doutorado, o Eduardo, durante um intervalo de trabalho no laboratório: ele me contou que alguns de seus alunos imaginavam que as nanopartículas eram mini-robôs como um monte de microscópicas Roses dos Jetsons. Talvez esse mito do imaginário popular tenha começado por influência de obras de ficção como o livro Engines of Creation, de autoria de Eric Drexler (publicado em 1986). Imagine robôs muito pequenos cuja função seria construir coisas para nós. Num belo dia (ou nem tanto) esses robôs sairiam de controle e começariam a se replicar alucinadamente e a consumir toda a Terra no processo. Eis o cenário do livro Engines of Creation. Seria uma versão nanotecnológica do apocalipse, ou como preferem os fãs da ficção científica, grey goo (“gosma cinza”). Até o príncipe Charles já andou se preocupando seriamente com essa ameaça….

Mas será que corremos o sério risco de virar comida de nanorrobô um dia? Embora o cenário acima seja aterrorizante, há alguns “poréns” que justificam a existência dos grey goo apenas na ficção e garantem nossa segurança contra esse trágico destino (ufa).

Um grey goo teria tarefas muito mais complicadas do que simplesmente se auto-replicar. Ele precisaria sobreviver e se mover no ambiente, além de converter o que encontrasse no caminho em matéria-prima para obtenção de energia. Um nanorrobô grey goo também precisaria de uma capacidade computacional relativamente considerável para processar todas essas funções e harmonizá-las conforme a necessidade. ISSO REQUER UMA QUÍMICA MUITO, MAS MUITO SOFISTICADA. Coisa difícil de se conseguir na nossa escala de tamanho, que se dirá na escala nano. E um nanorrobô sem uma dessas funcionalidades sequer não poderia ser de fato um grey goo. Será que conseguiremos construir nanorrobôs que reúnam todas essas características? Acho bastante improvável.

P.S.: Obrigada ao Eduardo Bender pela ótima sugestão desse tema, e ao Luis por perguntar.


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