Morcegos, mosquitos, braços e a infecção pelo vírus da AIDS

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Típica noite de verão. Calor, muito calor. Aí você escancara a janela, na esperança de refrescar o ambiente, e resolve se atirar no sofá pra descansar um pouco. Eis que subitamente entra um morcego, sobrevoa a sala toda e vai na sua direção. O que fazer, pequeno gafanhoto? Antes de pensar se corre ou se fica, é quase instantâneo agitar os braços para afastar o animal e proteger o rosto. Agora troque o morcego por um minúsculo mosquito. A reação de agitar os braços para afastá-lo pode até ocorrer, mas não vai adiantar muito. O mosquito vai ultrapassar esse bloqueio facilmente porque, convenhamos, é bem menor que um morcego.

Foi uma sacada simples como essa que um grupo de pesquisadores nos Estados Unidos usou para construir nanopartículas que podem ser capazes de reduzir bastante a chance de uma pessoa ser infectada pelo vírus da AIDS no futuro. As nanopartículas em questão têm um núcleo constituído por material inerte (ou seja, que não interfere em nosso organismo e nem é destruído por ele). Esse núcleo é revestido por uma membrana de fosfolipídeos (moléculas presentes também na membrana de nossas células) e melitina. A melitina é uma toxina presente no veneno de abelhas, capaz de criar poros nas membranas celulares. Esses poros causam vazamento das células, levando-as à morte. Isso vale tanto para as nossas células quanto para a capa de lipídio e glicoproteínas que envolve o material genético do vírus da AIDS. Sem ela, o vírus fica vulnerável ao meio externo e perde a capacidade de se ligar às nossas células e iniciar o processo de infecção. Aí você pergunta: mas então essas nanopartículas não vão acabar também com as MINHAS células? E o que tem a ver esse papo de morcego, braços e mosquitos aí em cima? Eu respondo: Tudo a ver. Além da membrana de fosfolipídeos e melitina, as nanopartículas apresentam “braços” (na figura abaixo está indicado como PEG, que é um polímero já mencionado em outros carnavais aqui no Bala Mágica).

hood et al 2012(Figura retirada do artigo original)

Esses braços de PEG são capazes de afastar nossas células (que são grandes o suficiente para não ultrapassar esse bloqueio), mas não afastam os vírus (suficientemente pequenos). Por causa disso, apenas os vírus entram em contato direto com a melitina na superfície da nanopartícula. É nesse momento que ocorre a destruição da capa do vírus, impedindo-o de se fundir às nossas células e iniciar o ciclo infeccioso. O potencial da ideia é futuramente aplicar essas nanopartículas em géis vaginais, como forma de prevenção da contaminação pelo HIV. Cabe salientar que essa não é uma cura (porque funciona no caso de vírus fora das nossas células, e não dentro delas) e que ainda é preciso percorrer um longo caminho para que algo assim chegue ao mercado. Embora ainda em estudos iniciais, essas nanopartículas podem vir a ser uma esperança para casais que desejam ter filhos, onde um é portador do vírus.

Hood, J., Jallouk, A., Campbell, N., Ratner, L., & Wickline, S. (2012). Cytolytic nanoparticles attenuate HIV-1 infectivity Antiviral Therapy, 18 (1), 95-103 DOI: 10.3851/IMP2346

Vacinas nanotecnológicas

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Ontem, no início da noite, perguntaram-me se eu já havia tomado a vacina contra o H1N1 e – se sim – como eu estava. Eu ainda não tinha tratado desse assunto aqui no blog por pura enrolação. Como o Ministério da Saúde prorrogou o calendário de vacinação até 2 de junho para todos os grupos já incluídos na campanha e também para novos grupos, como crianças de 2 a 4 anos, acho que ainda dá tempo de dar uma força para a campanha e deixar registrado que tomei a vacina contra a gripe A e estou aqui, viva, inteira e serelepe! E olhe que já faz um mês… O tempo de espera na fila de vacinação foi curto e tudo transcorreu tranquilamente. Foi justamente naquele momento fatídico que uma dúvida surgiu: “- posso beber álcool depois de me vacinar?” Brincadeira. Fiquei me perguntando se por acaso nanopartículas poderiam ter alguma utilidade na composição de vacinas de uma forma geral, no futuro.
Vacinas podem ser preparadas com o microrganismo atenuado ou com um pequeno pedaço dele (a isso chamamos antígeno). O antígeno presente na vacina gera uma resposta imunológica no organismo – é como se fosse um sinal de alerta para que os soldados se mantivessem prontos para o combate iminente. Só que alguns microrganismos conseguem burlar os soldados (anticorpos) porque geram sinais diferentes daquele da vacina conforme o tempo passa, seja por causa de mutações, seja porque apresentam diferentes estágios de maturação ao longo de seu ciclo de vida. É assim que acontece com a malária: a cada estágio de vida, o parasita gera um tipo diferente de “sinal”. Um estudo propondo uma vacina para malária foi feito em humanos, em 2008. Os voluntários desse estudo desenvolveram imunidade contra a forma do parasita que fica na corrente sanguínea, mas não contra a forma que fica dentro das células do fígado. Nanopartículas contendo todos os “sinais” possíveis em sua superfície poderiam ser utilizadas em vacinas do futuro para uma imunização mais efetiva e em dose única, porque estimulariam a resposta imunológica contra o parasita em todos os seus estágios de maturação possíveis, ao mesmo tempo. O nome dessa estratégia é um belo trava-língua: estratégia multi-antigênica.
P.S.: Agora fale isso 3x mais rápido: estratégia multi-antigenica, estratégia multigenica, estratégia mutiatigenica, hehehe

Look, M., Bandyopadhyay, A., Blum, J., & Fahmy, T. (2010). Application of nanotechnologies for improved immune response against infectious diseases in the developing world☆ Advanced Drug Delivery Reviews, 62 (4-5), 378-393 DOI: 10.1016/j.addr.2009.11.011
Thompson, F., Porter, D., Okitsu, S., Westerfeld, N., Vogel, D., Todryk, S., Poulton, I., Correa, S., Hutchings, C., Berthoud, T., Dunachie, S., Andrews, L., Williams, J., Sinden, R., Gilbert, S., Pluschke, G., Zurbriggen, R., & Hill, A. (2008). Evidence of Blood Stage Efficacy with a Virosomal Malaria Vaccine in a Phase IIa Clinical Trial PLoS ONE, 3 (1) DOI: 10.1371/journal.pone.0001493

Nanobiotecnologia no ENEM

Desde o início desse ano participo de um projeto de extensão universitária visando educação popular chamado Alternativa Cidadã (já comentei sobre isso aqui no blog), onde leciono química em caráter voluntário. O MEC, como sabe quem tem lido os jornais, está reestruturando a forma de entrar nas universidades e, com isso, a própria lógica do ensino médio (para melhor, na minha opinião).

A ferramenta dessa reestruturação é o novo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), cuja primeira edição ocorrerá em outubro. A ideia é extirpar a decoreba e valorizar o raciocínio e a multidisciplinaridade. O pessoal do MEC disponibilizou no site uma espécie de simulado com exemplos de questões, divididas em quatro competências ou habilidades: Ciências da natureza e suas tecnologias, Ciências humanas e suas tecnologias, Linguagens, códigos e suas tecnologias e Matemática e suas tecnologias. Química, biologia e física se inserem na primeira competência.

Qual não foi minha surpresa quando, ao analisar a prova simulada de Ciências da natureza e suas tecnologias, deparei-me com uma questão sobre nanobiotecnologia! Outras questões dessa competência trazem textos bem interessantes de revistas de divulgação científica, como a Ciência Hoje, com temas que vão da física envolvida na nossa audição até os motivos (químicos e biológicos) que justificam porque copos de poliestireno são um problema ambiental.

Pelo que pude perceber, essa reestruturação do ensino nas escolas, que o MEC está propondo com o novo ENEM, segue uma abordagem de ciência mais conectada com a realidade dos alunos – o que é uma ótima maneira de criar novos entusiastas da pesquisa científica e tecnológica no nosso país, sigam eles o caminho da academia ou do mundo corporativo. Isso só reforça o compromisso social que os cientistas tem no que se refere a divulgar ciência para o público em geral.

Os blogs científicos tem grande potencial como ferramenta desse processo. Se você é cientista (ou aspirante, como eu), pense nessa ideia – divulgue a sua área. Aproveito o gancho para divulgar o 2 encontro de blogs científicos em lingua portuguesa, que ocorrerá em Arraial do Cabo (RJ), de 25 a 27 de Setembro de 2009, com financiamento do CNPq e apoio da UFRJ e do IEAPM. Eu já me inscrevi.

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PS.: Ficou curioso sobre a questão do ENEM que envolve nanobiotecnologia? Bem, aí está ela:

A nanotecnologia está ligada à manipulação da matéria em escala nanométrica, ou seja, uma escala tão pequena quanto a de um bilionésimo do metro. Quando aplicada às ciências da vida, recebe o nome de nanobiotecnologia. No fantástico mundo da nanobiotecnologia, será possível a invenção de dispositivos ultrapequenos que, usando conhecimentos da biologia e da engenharia, permitirão examinar, manipular ou imitar os sistemas biológicos. LACAVA, Z.; MORAIS, P. Nanobiotecnologia e saúde. Com Ciência. Reportagens. Nanociência & Nanotecnologia. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano15.htm. Acesso em: 4 maio 2009.

Como exemplo da utilização dessa tecnologia na Medicina, pode-se citar a utilização de nanopartículas magnéticas (nanoimãs) em terapias contra o câncer. Considerando-se que o campo magnético não age diretamente sobre os tecidos, o uso dessa tecnologia em relação às terapias convencionais é

(A) de eficácia duvidosa, já que não é possível manipular nanopartículas para serem usadas na medicina com a tecnologia atual.
(B) vantajoso, uma vez que o campo magnético gerado por essas partículas apresenta propriedades terapêuticas associadas ao desaparecimento do câncer.
(C) desvantajoso, devido à radioatividade gerada pela movimentação de partículas magnéticas, o que, em organismos vivos, poderia causar o aparecimento de tumores.
(D) desvantajoso, porque o magnetismo está associado ao aparecimento de alguns tipos de câncer no organismo feminino como, por exemplo, o câncer de mama e o de colo de útero.
(E) vantajoso, pois se os nanoimãs forem ligados a drogas quimioterápicas, permitem que estas sejam fixadas diretamente em um tumor por meio de um campo magnético externo, diminuindo-se a chance de que áreas saudáveis sejam afetadas.

E aí? Você sabe qual é a resposta?

Bala mágica: o que é isso afinal?

Depois de ouvir as mais diversas perguntas a respeito do que é nanotecnologia e qual seu perigo para a saúde e para o meio ambiente, percebi que há uma carência grande de informações sobre o tema para o público em geral. Muito se fala em nanotecnologia, mas poucos sabem que muitos produtos nanotecnológicos já estão disponíveis no mercado há mais de 20 anos! Por isso, este será um blog de divulgação científica sobre nanobiotecnologia. O que é nanobiotecnologia? Bem, para descobrir é só ler o quadro “Transformando paradigmas”, logo abaixo (esse aí mesmo, em verde).



A nanobiotecnologia pode contribuir muito para a melhoria da saúde humana por meio da liberação controlada de fármacos no organismo. Pesquisas envolvendo o tema vem sendo desenvolvidas tanto por governos quanto por empresas, no Brasil e no mundo. E o que tem tudo isso a ver com o título desse blog? (não, não, bala mágica não é o que você está pensando….)

Para responder essa pergunta, reproduzo aqui uma parte do artigo “Uma pequena grande revolução: os impactos da nanobiotecnologia na saúde humana”, que foi publicado na Ciência Hoje de dezembro de 2008 (para quem ficar curioso, aí vai o link http://cienciahoje.uol.com.br/134671).

“A maioria dos medicamentos usados nos tratamentos modernos contém moléculas geralmente pequenas (fármacos) que atingem a corrente sangüínea após sua administração, percorrendo todo o organismo. Portanto, os fármacos chegam tanto ao seu alvo quanto a outros lugares do corpo que não têm relação com a doença. Essa última situação leva aos efeitos indesejados dos medicamentos, chamados efeitos colaterais.

A nanobiotecnologia pode ajudar a contornar esses e outros problemas. A chave é justamente a faixa de tamanho e o tipo de estrutura dos medicamentos nanotecnológicos, que atuariam como minúsculos dispositivos guiados para liberar o fármaco preferencialmente no seu sítio-alvo (local onde o fármaco age, causando um efeito desejado, como o fígado, a pele ou o cérebro).
Essa seletividade, em geral, não é possível com medicamentos convencionais. A idéia de obter minúsculos dispositivos guiados foi levantada no início do século passado pelo biólogo alemão Paul Erlich (1854-1915), ganhador do prêmio Nobel de Medicina em 1908. O modelo de Erlich ficou conhecido como ‘bala mágica’.”

Bem-vindos todos os que se interessam pelo assunto!

Grande abraço

Fernanda


UPDATE 29/11/2009:

clique na figura para vê-la ampliada

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