Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia – 2010
No dia 5 de abril foi lançado o Prêmio MERCOSUL de Ciência e Tecnologia 2010, com o patrocínio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina e a parceria da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT/Brasil), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e do Movimento Brasil Competitivo (MBC). Podem participar candidatos vinculados ao MERCOSUL (seja pela nacionalidade, pela naturalidade ou pela residência nos países membros e associados), nas categorias “Iniciação Científica”, “Estudante Universitário”, “Jovem Pesquisador” e “Integração” (mais informações aqui).
Esse ano, o tema do prêmio é Nanotecnologia. A data-limite para envio dos trabalhos é 23 de agosto de 2010. O regulamento completo está disponível no site da UNESCO
http://eventos.unesco.org.br/premiomercosul.
Mundo, vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
(Carlos Drummond De Andrade, ” Poema de sete faces”)
O pessoal da IBM construiu um mapa 3D da Terra tão pequeno que 1000 deles juntos caberiam num espaço equivalente a um único grão de sal de cozinha. Isso corresponde a um globo terrestre com 22 micrometros de circunferência no equador. Nessa escala, uma elevação de 8 nanometros equivale a 1000 metros de altitude. Tal mapa é composto de 500000 pixels, cada um com 20 nanometros quadrados, e foi esculpido na superfície de um polímero derivado de ftalaldeído sensível ao calor, por meio de microscopia de força atômica. Adivinhe quanto tempo levou para construi-lo? Míseros 2 min e 23 s !!!!
Obviamente, esta não foi das mais fáceis tarefas – um novo equipamento foi construído para concretizar esse projeto. Uma das grandes sacadas foi aquecer a ponta do cantilever do microscópio de forma que, por onde ele passasse, fosse gerando sulcos por causar uma despolimerização pontual na superfície do “micro-bloco de polímero”. É como ter um bloco de gelo e ir modelando-o com uma ferramenta aquecida na ponta e bem fininha, para alcançar um alto nível de detalhamento. A diferença é que nessa nossa escultura de gelo imaginária, apenas mudamos o estado físico da água (não há rompimento de ligações entre os átomos de hidrogênio e oxigênio que formam a molécula de água) – já no caso do micro-globo terrestre, a “ferramenta aquecida” (entenda-se a ponta do cantilever) foi capaz de romper ligações covalentes do polímero (ou seja, rompeu as ligações que unem os átomos).
Uma curiosidade: quando os autores do trabalho mencionaram aquecimento, eles não estavam brincando – utilizou-se uma temperatura de 700 graus Celsius para modelar o mapa 3D…
(A) Topografia do globo terrestre em 3D (observe a escala!); nos detalhes (B e C), é possível ver os Alpes, o Mar Negro, as montanhas do Cáucaso e o Himalaia.
A imagem D corresponde à seção transversal indicada pela linha pontilhada branca no mapa maior (imagem A), com sua correspondência de escalas (nanometro x kilometro quanto à altura, e micrometro x kilometro, quanto à distância).
Referência:
Knoll, A., Pires, D., Coulembier, O., Dubois, P., Hedrick, J., Frommer, J., & Duerig, U. (2010). Probe-Based 3-D Nanolithography Using Self-Amplified Depolymerization Polymers Advanced Materials DOI: 10.1002/adma.200904386
O olhar de Michelangelo e a divulgação de ciência
“David, de Michelangelo”
Aí entra a divulgação científica bem feita, como agente transformador da sociedade por facilitar o acesso do público ao conhecimento gerado pela ciência. É como esculpir o bloco de mármore, para que todos possam admirar o David escondido nele. Isso abre caminho para que as pessoas exerçam sua cidadania científica (sim, esse termo existe!), ao inseri-las nos debates que, em última instância, definem as políticas de ciência e tecnologia de um país.
Cidadania científica: É a capacidade para participar das decisões públicas que envolvem assuntos relacionados a ciência e tecnologia. Não podemos esquecer que a ciência está inserida num contexto social, e a percepção pública sobre temas científicos e tecnológicos pode tanto impulsioná-los quanto derrubá-los completamente.
Os cientistas (ainda!) são atores tímidos desse processo. Historicamente, a ciência sempre foi algo hermético, para poucos iniciados. Dividi-la com as pessoas “comuns” não era visto com bons olhos pelos pares acadêmicos. Ainda bem que essa concepção está mudando – rapida e radicalmente. Além de iniciativas de estímulo do próprio governo à comunicação científica visando o público leigo, uma nova ferramenta surgiu para simplificar as coisas e aproximar cientistas e leigos: o weblog. É sobre isso e otras cositas mas que falarei amanhã, na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, em Tapes/RS, na palestra “Divulgação científica através de novas mídias: esculpindo textos, formando opiniões”, para uma das turmas de Gestão Ambiental.
(Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni, 1475-1564)
Dispersando: podcast de estréia do ScienceBlogs Brasil
O Igor já deu o anúncio no 42.
Eis o link: Dispersando Podcast Vol.1. Enjoy!
Espaço Aberto Ciência & Tecnologia: uma batida e uma assoprada
A matéria inicia com o jornalista fazendo a seguinte comparação: quem consome cigarros está ciente dos riscos associados a eles, mas quem consome alimentos nanotecnológicos não está. Eu entendo aonde o jornalista quer chegar com essa comparação, mas não posso deixar de apontar o quão infeliz ela foi. Sim, infeliz porque acaba dando margem para extrapolações e conclusões falaciosas, do tipo “cigarro e alimentos nanotecnológicos são tóxicos e perigosos, a diferença é que no primeiro caso quem consome sabe disso”.
Ora, se tem algo que me incomoda é quando o assunto nanotecnologia é abordado na mídia com tons alarmistas e como algo único, estanque e homogêneo. Já foi anteriormente discutido aqui neste blog que o universo de nanopartículas para uso biológico é vasto e diversificado, e que seus efeitos (benéficos e maléficos) no organismo e no ambiente estão intrinsecamente relacionados com sua composição, formato, tamanho e características de superfície. É excessivamente simplista e até contraproducente juntar tudo no mesmo balaio de gatos, pois isso não esclarece o assunto e estimula a criação de preconceitos difíceis de serem quebrados.
Como mencionei que assopraria depois de bater, não posso deixar de apontar que o tom foi mudando no decorrer da reportagem. Essa questão da complexidade e diversidade de nanomateriais e seus efeitos acabou sendo abordada pelos entrevistados de forma bastante clara e razoável. Andrew Maynard é físico, diretor do University of Michigan Risk Science Center e ex-conselheiro chefe de ciências do PEN (Project on Emerging Nanotechnologies) – além de blogueiro e tuiteiro. Em sua entrevista para a reportagem da Globo News, Maynard mencionou que, embora a ciência esteja no caminho certo, ainda há um grande grau de incerteza quanto aos riscos de tecnologias emergentes. Ele está certo. Mas isso não quer dizer que produtos nanotecnológicos sejam necessariamente inseguros, de acordo com o próprio Maynard. William Waissmann, cientista da Fiocruz também entrevistado pela equipe de reportagem, afirmou que a nanotecnologia “é um mundo novo do ponto de vista toxicológico”. Um exemplo mencionado na reportagem foi a prata que, na sua forma macroscópica, não oferece grandes riscos. No entanto, nanopartículas de prata vem sendo usadas nos mais diversos produtos ao redor do mundo, de potes plásticos para armazenar comida a máquinas de lavar roupas (e sua presença, às vezes, é completamente desnecessária). A redução do tamanho da prata à escala nanométrica muda suas propriedades. Isso pode causar que riscos toxicológicos e ambientais? Em que situações vale a pena utilizá-la? Tais perguntas são fundamentais, e para respondê-las, urgem pesquisas de impacto toxicológico e ambiental dos produtos contendo nanotecnologia, em especial daqueles com nanopartículas ditas insolúveis. Nesse sentido, faço coro com Maynard. A nanotoxicologia é uma área que precisa de expansão-relâmpago.
A regulamentação dos nanoprodutos também ainda é incerta. De acordo com Maynard, não existe lei que exija que o consumidor seja informado de que há materiais nanotecnológicos no produto consumido. É fundamental dar ao consumidor o direito de escolher e, dessa forma, exercer sua cidadania. E para isso, ele precisa não só saber o que um produto contém. Ele precisa estar (bem) informado a respeito da nanotecnologia, suas vantagens, seus riscos e suas complexidades. Durante sua entrevista, Waissmann comentou sobre um estudo americano curioso que aponta que o público se baseia menos em informações científicas e mais em seu contexto cultural para construir opiniões. Eu torço sinceramente para que você, leitor, conte por aí sobre informações científicas que vem aprendendo a respeito da nanotecnologia a partir de fontes REALMENTE confiáveis. Mas não conte apenas para um amigo ou dois. Conte a um bando de gente, incluindo pai, mãe, tia, avó, primo, vizinho. Quem sabe assim, nosso contexto cultural mude um pouquinho, e sejamos uma nação menos assombrada pelos demônios.
P.S.: Dessa vez, o pessoal da Globo lembrou de mencionar pesquisas brasileiras de excelência na área, tais como a língua eletrônica e a nanopelícula à base de proteína de milho para ajudar a conservar frutas, ambas ligadas à Embrapa Instrumentação Agropecuária (São Carlos, SP). A reportagem também usou imagens da Nanoarte criada pela equipe do prof. Élson Longo (UNESP), made in Brazil e internacionalmente reconhecida! Quanto a esse aspecto, mais que uma assoprada da blogueira, fica a apreciação da telespectadora – e a expectativa de que a lembrança se repita nas próximas.