Da arte clássica à arte quântica

Levante a mão aí quem nunca recebeu um spam sobre física quântica, a la “Quem somos nós”. Pois é, não é só nanotecnologia que está na moda, física quântica também está. Conceitos difíceis, como o princípio da incerteza de Heisenberg, são falaciosamente deturpados para convencer o leitor de que ele é capaz de modificar o universo – nada mais óbvio, não? Se o observador influencia o objeto observado, e estamos todos inseridos no Universo, influenciamos o Universo! Sem entrar no mérito se influenciamos ou não o Universo (ou pelo menos o quanto nosso quarto permanece arrumado ao longo de uma semana), é uma tremenda sacanagem usar o princípio da incerteza como base para essa argumentação, porque o princípio da incerteza é válido para dimensões no máximo da ordem de alguns poucos nanometros (e olhe lá…)!! Levante a mão aí quem tem um tamanho total menor que alguns nanometros (update 10-07-2010, vide comentário 2) e está próximo do zero absoluto.
Pois bem, essa digressão feroz foi só uma digressão, mesmo. O que queria mostrar a você hoje é o uso não-falacioso do termo quântico ligado a algo que enleva o espírito: a arte. Sim, arte quântica. Em 2007, Ee Jin Teo (National University of Singapore) criou uma réplica fotoluminescente 500 x 500 micrometros do quadro “The Ancient of Days”, de William Blake. A “tela” consistiu de silício poroso, e o “pincel” foi um feixe de helio, com subsequente impressão eletroquímica em ácido fluorídrico. Devido ao efeito de confinamento quântico, emissão de luz visível é observada a partir do esqueleto de silício de dimensão nanométrica criado após a impressão. A pré-irradiação com um feixe de hélio é capaz de mudar a resistividade local do silício e o comprimento de onda de emissão da luz do silício poroso formado. Quanto maior a dose do feixe, mais para o vermelho o comprimento de onda da fotoluminescência é deslocado dentro do espectro de luz (que na faixa do visível vai do azul arroxeado, passando pelo verde, amarelo, laranja, até o vermelho). Altíssimas doses deslocam tanto o comprimento de onda que ele sai da faixa do visível, resultando nas partes da imagem que percebemos como preto. A obra de arte quântica rendeu a Teo o primeiro lugar no prêmio de 2007 “Science as Art”, da MRS, empatado com outras obras também sensacionais (uma delas já apresentada aqui).
ancient of days.jpg
PS.: de acordo com o princípio da incerteza, não é possível determinar ao mesmo tempo, com alto grau de precisão, a posição e o momento de uma partícula porque, para observa-la, é preciso fazer incidir sobre ela um raio de luz. Esse raio de luz afeta a partícula: 1) se ele for pouco energético (com comprimento de onda longo), perturbará menos a partícula e conseguiremos determinar sua velocidade, mas não será possível determinar a sua posição com precisão maior do que a distância entre cristas de onda sucessivas; 2) se o raio de luz for muito energético (com comprimento de onda curto), será possível determinar a posição da partícula com maior precisão, mas isso afetará bastante sua velocidade.
outro PS.: 500 micrometros é o mesmo que meio milímetro.

Quer enxergar o que acontece dentro das células? Use uma nanolanterna!

Sim, uma nanolanterna! Aposto que você acaba de imaginar uma lanterna com lâmpada e cabo, só que numa versão bem pequena, né? A nanolanterna, na verdade, não é bem assim – está mais para uma bolinha colorida. Uma equipe de pesquisadores liderada pelo biofísico Jeeseong Hwang e vinculada ao National Institute of Standards and Technology (NIST, o “Inmetro americano”) e ao National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) desenvolveu um método que utiliza quantum dots para “iluminar” o interior das células. Para quem não lembra ou não leu posts anteriores, quantum dots são nanocristais semicondutores, cuja luz emitida por fluorescência depende do tamanho da partícula. Ela pode ser revestida com um componente orgânico capaz de se ligar na superfície de uma célula específica que se quer estudar.



Você pode perguntar: qual é a novidade? Afinal, os cientistas e os analistas clínicos estão acostumados a usar pequenas moléculas orgânicas e/ou proteínas fluorescentes para investigar o interior das células. A fluorescência dos quantum dots dura muito mais que aquela dos compostos fluorescentes convencionais. Isso faz toda a diferença. Enquanto compostos fluorescentes convencionais permitem a visualização do que acontece dentro das células por curtos períodos de tempo, os quantum dots permitem o monitoramento de processos que levam horas ou mesmo dias para ocorrer. É como estar em uma sala escura na companhia de um gato e tentar descrever o que ele faz lá dentro, a partir de duas diferentes situações: 1. sob flashes de luz ou 2. utilizando uma lâmpada para iluminar o ambiente. Os flashes podem ser suficientes para permitir a localização do gato na sala, mas você não consegue acompanhar todos os seus movimentos. Se a iluminação for feita com uma lâmpada, essa tarefa fica muito mais fácil e é possível descrever as peripécias do gato de forma bem mais completa.



Os pesquisadores citados acima utilizaram os quantum dots para tentar entender melhor como a infecção pelo parasita da malária afeta as células vermelhas do sangue (hemácias). Eles mostraram que a estrutura da rede de proteínas presente na parte interna da membrana celular das hemácias muda com a infecção, reduzindo a flexibilidade mecânica da célula. Por estar menos flexível, a hemácia fica mais suscetível a rompimentos. Isso está fortemente relacionado a certos sintomas da malária, como anemia e paroxismo febril. Outras técnicas, como a microscopia eletrônica, também permitem demonstrar que a flexibilidade da hemácia diminui ao ser infectada pelo plasmódio (que é o parasita que causa malária), porém nessa técnica são obtidas imagens estáticas. O uso de quantum dots é vantajoso por permitir elucidar processos celulares de forma dinâmica, aumentando o nosso entendimento sobre eles. Uma analogia seria tirar conclusões sobre um evento através de algumas fotos ou de um filme. O que você preferiria? Eu preferiria o filme. Cabe salientar que, embora seja muito promissor, esse método que utiliza quantum dots ainda está em fase de desenvolvimento.



(vi no EurekAlert!)

O que você não sabia sobre o Edward Cullen da série Crepúsculo

(não, não é o Orkut do Robert Pattinson)

Há uns dias atrás terminei de ler o livro Crepúsculo (Twilight), estimulada pela enxurrada de gente que já havia lido e a-ma-do. A historia é a seguinte: uma moça humana (Bella Swan) e um vampiro (Edward Cullen) se apaixonam e a partir daí começam os conflitos e as tensões, porque apesar de apaixonado, o vampiro tem sede pelo sangue da moça – o que é um perigo mortal para ela. Tudo bem que a autora criou um vampiro que é o cara perfeito, além de sex symbol bonitão… mas há algo que eu achei bizarro nele. Perdoe o spoiler quem ainda não leu o livro, mas sob a luz do sol ele brilha intensamente – o que justificaria sua preferência pela penumbra, já que ninguém gostaria de chamar tanta atenção, não é ? (tá, quase ninguém)

Puxa, vampiros no meu imaginário derretem, queimam ou evaporam sob a luz do sol. Mas simplesmente brilhar e mais nada? Doido. Para brilhar intensamente daquele jeito descrito no livro, só se a pele dele fosse feita de nanocristais como aqueles sintetizados pela equipe do professor Todd Krauss, da Universidade de Rochester (USA). Em geral os objetos absorvem a energia do sol e a reemitem como calor. Não é o caso dos tais nanocristais, que devido às suas características estruturais não deixam as partículas de luz ser transformadas em calor – elas batem no nanocristal e são logo refletidas como num espelho nanoscópico. Mas luz de que cor? A pergunta faz sentido porque, mudando o tamanho dos nanocristais, é possível mudar a cor da luz que eles emitem. E convenhamos, mais estranho que um vampiro brilhante é um vampiro brilhante e colorido. Tal fenômeno acontece porque mais de 70 % dos átomos que compõem um nanocristal estão na sua superfície (coisas que só a nanotecnologia faz por você). Essa característica faz com que os elétrons se afastem e se aproximem dos núcleos dos átomos de uma forma particular quando a luz bate neles, influenciando na energia da luz que é reemitida – e por consequencia, na sua cor (quanto mais azulada a luz, mais energética ela é, e quanto mais avermelhada, menos energética).

Peles feitas de nanocristais brilhantes não poderiam existir mesmo num mundo com vampiros porque não são moléculas orgânicas, mas sim materiais inorgânicos semi-condutores? Está bem…. não poderiam ser componentes da pele, mas poderiam ser componentes do que vai em cima dela (sejamos criativos!): já imaginou celebridades como a Britney Spears ou a Madonna vestindo uma roupitcha feita desses nanocristais e que brilha pra caramba sob os holofotes, tal qual um laser ambulante? (sim, é possível construir lasers com esses nanocristais na vida real…)

Imaginou? É, pode haver coisas mais bizarras que um vampiro que brilha sob o sol…

Você estava procurando informações sobre o livro Crepúsculo, seus principais personagens, Orkut, algum sex symbol ou as últimas da Britney ou da Madonna e acabou caindo aqui? Pois saiba que esse post faz parte da blogagem coletiva “Cientista também caça paraquedista“, do Science Blogs Brasil. Se gostou, volte sempre!!!

Nano-kit de análises clínicas

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Analistas clínicos e biomédicos de todo o mundo, temei! Logo, logo a nanotecnologia invadirá os laboratórios! Que tal um kit de reação nanométrico muito mais sensível que os kits convencionais e que faz tudo praticamente sozinho?

Pois bem, foi pensando nisso que cientistas desenvolveram um método de imunoensaio por quimioluminescência para diagnosticar câncer baseado em nanotubos de carbono de múltiplas camadas contendo enzimas em sua superfície. Ufa! Parece complicado? Imagine o nanotubo com camadas tal qual uma cebola, onde enzimas estariam ligadas na superfície de cada uma das camadas. Foi mais ou menos isso que os cientistas construíram. A enzima depositada na superfície dessas camadas é chamada peroxidase (que é capaz de quebrar peróxidos, como a água oxigenada, cuja fórmula é H2O2). Em seguida, em cima disso tudo, foram depositados anticorpos (que corresponde ao Y da figura abaixo). Eis um esquema bem ilustrativo da coisa toda:

(créditos: Bi e col., 2009 – Biosensors and Bioelectronics)

Anticorpos também foram ligados na superfície de nanopartículas magnéticas. Na presença de uma proteína no soro que só existe quando a pessoa tem câncer (é o que chamamos de biomarcador), o nanotubo e a nanopartícula magnética se juntam e reações químicas passam a acontecer nesse sanduíche nanotecnológico. O nanotubo e a nanopartícula magnética são capazes de se juntar porque os anticorpos de ambos se ligam nessa proteína biomarcadora

No estudo em questão, os autores usaram como proteína marcadora a alfa-fetoproteína (AFP), que corresponde à bolinha azul no esquema acima. Quando uma mistura de H2O2, azul de bromofenol (um tipo de corante) e luminol (aquele mesmo, do seriado CSI) é adicionada ao soro do paciente com câncer e, nessa mistura, os nanotubos e as nanopartículas magnéticas são adicionados também, ocorre luminescência devido à ação da enzima peroxidase na superfície do nanotubo, que quebra a H2O2. Os produtos da quebra da H2O2 reagem com o luminol e o azul de bromofenol emitindo luz, mas só na presença de metal – no caso, a nanopartícula magnética. Se o paciente não tem câncer, seu soro não terá a proteína biomarcadora. Sem proteína biomarcadora não ocorre ligação da nanopartícula magnética com o nanotubo que contém a peroxidase. Portanto, sem proteína marcadora no soro não há emissão de luz.

Esse sanduíche nanotecnológico conseguiu detectar quantidades de proteína marcadora de câncer no soro que outros testes padrão (como o ELISA) não conseguiram. Pequeno tamanho, grande sensibilidade!

Bi, S., Zhou, H., & Zhang, S. (2009). Multilayers enzyme-coated carbon nanotubes as biolabel for ultrasensitive chemiluminescence immunoassay of cancer biomarker Biosensors and Bioelectronics, 24 (10), 2961-2966 DOI: 10.1016/j.bios.2009.03.002

Nanopartículas que emitem luz – parte III

ResearchBlogging.org

É incrível como um assunto puxa o outro. Começamos discutindo um experimento de fotoquímica que vi no Museu de Ciência e Tecnologia da PUC-RS e terminamos falando em quantum dots e suas aplicações no diagnóstico de doenças. No entanto, se você é atento reparou que os estudos sobre aplicação de quantum dots na área médica tratados no último post foram feitos in vitro – ou seja, com o material biológico isolado do seu “dono”. Pois hoje trago estudos sobre a aplicação de quantum dots in vivo.

Pode não parecer, mas estudos in vivo envolvendo quantum dots são coisa rara e por isso justificam esse post à parte. Há certas controvérsias sobre o assunto que talvez expliquem essa escassez de estudos:

I. Os complexos de quantum dots podem causar reações alérgicas perigosas.
II. Os materiais usados na sua composição podem ser tóxicos.
III. O tamanho dos complexos de quantum dots é superior ao necessário para a eliminação pelos rins – isso faz com que eles sejam eliminados pelo fígado, que é particularmente sensível à toxicidade do cádmio (um dos elementos mais comuns na fabricação de quantum dots).

Ainda há muitos testes a se fazer antes de considerar os quantum dots passíveis de uso em larga escala para diagnóstico in vivo. E eles precisam ser feitos, porque a idéia é boa. Um exemplo é um estudo publicado no PNAS em 2002. Os autores avaliaram a possibilidade de direcionar quantum dots para um alvo específico no organismo in vivo. Para isso, quantum dots de seleneto de cádmio recoberto com sulfeto de zinco foram revestidos com três diferentes peptídeos e injetados em camundongos. Um dos três peptídeos levou os quantum dots aos pulmões de camundongos em maior quantidade que em outros locais do organismo. Os outros dois peptídeos direcionaram os quantum dots a sítios vasculares contendo tumores (tais como veias sanguíneas e rede linfática). No entanto, além desses alvos, os quantum dots também se acumularam no fígado e no baço dos animais devido à captura pelo sistema monocítico fagocitário, que é responsável por eliminar qualquer corpo estranho que se introduza no organismo. Uma forma de “enganar” o sistema monocítico fagocitário é revestir a nanopartícula com PEG (olha aí novamente os aviões Stealth do nanobiomundo!). O revestimento com PEG reduziu bastante o acúmulo dos quantum dots no fígado e baço sem alterar o acúmulo nos sítios-alvo desejados.

(fonte: Akerman e col., 2002)

A injeção de marcadores radioativos (como tecnécio-99m) e corante azul permite a detecção do primeiro gânglio do sistema linfático que drena um tumor, o qual é conhecido como linfonodo sentinela. Essa técnica de análise do linfonodo sentinela é muito utilizada em casos de melanoma, câncer de colon e câncer de mama e permite identificar, já na própria sala cirúrgica, se a base linfática mais próxima do tumor foi ou não acometida por metástase. Isso evita que toda a base linfática em questão seja retirada desnecessariamente. Pesquisadores dos Estados Unidos e Coréia demonstraram que quantum dots com emissão de radiação na faixa do infravermelho podem ser uma alternativa vantajosa aos tradicionais marcadores de linfonodo sentinela. O teste foi feito em camundongos e em porcos. O uso de quantum dots minimizou o tamanho do corte na pele para encontrar o linfonodo porque a emissão de radiação infravermelha resultou em uma imagem em tempo real antes do corte ser feito, a qual foi utilizada pelo cirurgião como um guia (não coloquei a imagem aqui em respeito às pessoas mais sensíveis, mas quem tiver interesse em ver a fluorescência no infravermelho em porcos in vivo, clique aqui). Já os tradicionais marcadores radioativos são detectados através de um gama-probe, que dá um sinal sonoro, e o corante azul é visualizado apenas após o corte. Outra vantagem apontada pelo estudo foi que, após a retirada do linfonodo, o cirurgião pôde inspecionar o local da cirurgia com alta sensibilidade para se assegurar de que todo o tecido linfático marcado foi retirado do organismo. Além disso, foi mais fácil para o patologista identificar o linfonodo sentinela dentro do tecido linfático removido. Por fim, o tamanho ótimo dos quantum dots fez com que eles não fluíssem para além da região do linfonodo sentinela.

Embora o assunto possa render ainda muitos posts por ser bastante amplo, encerro por aqui essa trilogia sobre o uso de quantum dots na área médica. Provavelmente ainda falarei deles no futuro. Obrigada por ter me acompanhado até aqui.

Abraços quânticos!

Referências:

Jamieson, T., Bakhshi, R., Petrova, D., Pocock, R., Imani, M., & Seifalian, A. (2007). Biological applications of quantum dots Biomaterials, 28 (31), 4717-4732 DOI: 10.1016/j.biomaterials.2007.07.014

Akerman, M. (2002). Nanocrystal targeting in vivo Proceedings of the Nati
onal Academy of Sciences, 99
(20), 12617-12621 DOI: 10.1073/pnas.152463399

Kim, S., Lim, Y., Soltesz, E., De Grand, A., Lee, J., Nakayama, A., Parker, J., Mihaljevic, T., Laurence, R., Dor, D., Cohn, L., Bawendi, M., & Frangioni, J. (2003). Near-infrared fluorescent type II quantum dots for sentinel lymph node mapping Nature Biotechnology, 22 (1), 93-97 DOI: 10.1038/nbt920

Nanopartículas que emitem luz – parte II

ResearchBlogging.org
No post anterior comentei sobre como funciona a fosforescência e a fluorescência e contei que nanopartículas luminescentes podem ser utilizadas para diagnosticar doenças. A questão é que eu não contei COMO elas fazem isso. Para começar, vamos dar nome aos bois. As nanopartículas luminescentes às quais me refiro são conhecidas como pontos quânticos (ou quantum dots, em inglês). Elas nada mais são que nanocristais de materiais semicondutores, tais como sulfeto de cádmio (que é um pigmento laranja). Não é a toa que os chamamos de PONTOS – seu tamanho está na faixa de 1 a 20 nm (o que é bem menor que o vírus da influenza A, por exemplo). Nos nanocristais, mais de 70 % dos átomos estão na sua superfície, coisa que não acontece na macroescala. Esse fato muda a forma como as transições eletrônicas (ou seja, o afastamento e a reaproximação dos elétrons em relação ao núcleo dos átomos) ocorrem no semicondutor. É por isso que sulfeto de zinco em pó (que é preto) não é capaz de emitir luz, mas nanocristais de sulfeto de zinco emitem luz que é uma beleza! O mais legal é que a cor da luz emitida depende de como as transições eletrônicas ocorrem e, portanto, varia conforme o tamanho da partícula. As transições eletrônicas também dependem do tipo de semicondutor utilizado. Considerando isso tudo, fica claro que as propriedades ópticas do quantum dot podem ser alteradas conforme a necessidade mudando-se seu tamanho e o material que compõe sua superfície. É praticamente uma engenharia na nanoescala!

EMISSÃO DE LUMINESCÊNCIA DE SOLUÇÕES DE QUANTUM DOTS DE CdSe/ZnS. O TAMANHO AUMENTA DE 2 A 6 nm DA ESQUERDA PARA A DIREITA

(Fonte: Tomzak e colaboradores, 2009).

Quantum dots podem ser utilizados como sensores químicos para detectar microrganismos patogênicos e toxinas. Quantum dots ligados a anticorpos foram capazes de detectar os microrganismos Cryptosporidium parvum e Giardia lamblia em água. A figura abaixo mostra a cor verde emitida pelos quantum dots ligados a C. parvum e a cor vermelha emitida por aqueles ligados a G. lamblia. A vantagem desses quantum dots frente aos corantes tradicionais é que eles podem ser empregados para qualquer tipo de microrganismo com alta especificidade e são menos susceptíveis a interferentes.

(Fonte: Zhu e colaboradores, 2004)

Quantum dots ligados a oligonucleotídeos podem reconhecer sequências-alvo no DNA. Dessa forma, a identificação de sequências-alvo específicas no material genético foi feita empregando-se combinações de quantum dots de diferentes cores e com capacidade de emitir luz em diferentes intensidades para cada cor. Usando 6 cores e 10 intensidades, é possível obter um milhão de combinações! A identificação de certos alvos na estrutura do material genético poderia permitir o diagnóstico de doenças decorrentes de mutações, tais como certos cânceres. Há potencial na idéia, mas para isso é fundamental ter à disposição uma biblioteca de ligantes (oligonucleotídeos ou anticorpos) capazes de reconhecer os alvos específicos na estrutura do DNA.

O uso dos quantum dots para medir a atividade de certas enzimas é outra aplicação interessante na área de diagnóstico. Quantum dots foram ligados a um oligopeptídeo, que por sua vez foi marcado com rodamina (um corante fluorescente tradicional). Na presença de proteases (enzimas que quebram peptídeos) ocorreu a quebra do oligopeptídeo que unia o quantum dot e a rodamina. Isso alterou a cor do quantum dot, que passou de laranja a verde. Se não houvesse proteases na amostra, a cor do quantum dot não se alteraria. Quanto maior a concentração de protease, maior a intensidade da cor verde. O tipo de oligopeptídeo usado é escolhido em função da enzima específica que se quer detectar (porque essa quebra é altamente seletiva). Com esse teste, os autores puderam diferenciar células normais de células de câncer de mama in vitro em menos de 15 min, porque a atividade de proteases em células cancerosas é maior que em células normais.

Achou bacana? Pois saiba que ainda não acabou. Tem mais sobre quantum dots aplicados à área médica no próximo post!

(Continua no próximo post)

Referências:

Tomczak, N., Jańczewski, D., Han, M., & Vancso, G. (2009). Designer polymer-quantum dot architectures Progress in Polymer Science, 34 (5), 393-430 DOI: 10.1016/j.progpolymsci.2008.11.004

Han, M., Gao, X., Su, J., & Nie, S. (2001). Quantum-dot-tagged microbeads for multiplexed optical coding of biomolecules Nature Biotechnology, 19 (7), 631-635 DOI: 10.1038/90228

Zhu, L., Ang, S., & Liu, W. (2004). Quantum Dots as a Novel Immunofluorescent Detection System for Cryptosporidium parvum and Giardia lamblia Applied and Environmental Microbiology, 70 (1), 597-598 DOI: 10.1128/AEM.70.1.597-598.2004

Shi, L., De Paoli, V., Rosenzweig, N., & Rosenzweig, Z. (2006). Synthesis and Application of Quantum Dots FRET-Based Protease Sensors Journal of the American Chemical Society, 128 (32), 10378-10379 DOI: 10.1021/ja063509o

Nanopartículas que emitem luz – parte I

No último sábado fui com os alunos e outros professores do Projeto Educacional Alternativa Cidadã (PEAC) ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS. Acho que eu me diverti mais que os alunos, hehehe. Havia um experimento que mostrava como fenômenos que seguem uma distribuição normal acabam formando uma curva gaussiana. Outro mostrava como funciona a topologia de Möbius (algo que não vou explicar aqui para não cansar o leitor, mas eu queria muito registrar porque teria facilitado minha vida se eu tivesse visto esse experimento ANTES de estudar reações pericíclicas no doutorado, juro). Mais um: em dois tubos de vidro foram colocados dois objetos cada, uma bolinha e uma pena. No primeiro tubo havia ar como na atmosfera, no segundo havia uma quantidade mínima de ar para simular o vácuo. Dava pra ver direitinho que Newton tinha razão: independentemente da massa, dois corpos caem com a mesma velocidade no vácuo. Isso não acontece num ambiente com ar, que causa resistência – o que fez com que a bolinha caísse bem antes da pena. Simples e bacana.

Bem, vamos parar de enrolar e ir direto ao assunto. O que me motivou a escrever esse post foi um experimento de fotoquímica que vi lá: as pessoas se posicionam na frente de uma parede branca (que é um painel pintado com tinta fosforescente) e apertam um botão que dispara um flash, como se posassem para uma fotografia. As substâncias fosforescentes da tinta na parede absorvem a radiação luminosa proveniente do flash e a reemitem. A região da parede que corresponde à sombra da pessoa é a única que não recebe radiação luminosa do flash, então não reemite luz. O resultado é muito legal – a sombra da pessoa fica “retida” no painel por vários segundos. Essas tintas fosforescentes também são usadas em placas de sinalização de rodovias, interruptores elétricos e mostradores de relógios.

A reemissão de luz por certas substâncias é chamada de luminescência. A luminescência pode ser dividida em fosforescência e fluorescência. O fenômeno da fosforescência ocorre da seguinte maneira: uma fonte externa (que no caso do experimento era o flash) emite fótons, que são absorvidos pela molécula fosforescente; isso faz com que os elétrons da camada mais externa dos seus átomos se afastem do núcleo. Chamamos esse átomo com os elétrons mais afastados do núcleo de estado excitado. Como esse estado excitado dos átomos não pode durar para sempre, os elétrons voltam a se aproximar do núcleo aos poucos, liberando energia. Essa energia é a luz emitida. A fosforescência envolve mudança no spin do elétron, por isso a volta dos átomos ao estado fundamental – que é aquele com os elétrons mais próximos do núcleo – é relativamente lenta e a emissão de luz dura vários segundos. Já no caso da fluorescência também há reemissão de luz, porém a sua duração é muitíssimo mais curta (menos de 0,00001 segundo). Isso ocorre porque na fluorescência a absorção de energia não muda o spin do elétron.

E o que tudo isso pode ter a ver com nanobiotecnologia????
A resposta é…. muita coisa. É possível construir nanopartículas luminescentes que emitem luz numa cor característica quando há um estímulo específico. Essa propriedade tem sido utilizada de forma promissora para o diagnóstico apurado de certas doenças no corpo. Quer saber como isso funciona? Hummm, acho que vou criar um suspense! Os detalhes poderão ser conferidos no próximo post. ;-D

(continua no próximo post)

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