Relatos do ICAM 2009 – parte II

Passando pelas sessões de pôsteres do ICAM 2009, achei algumas coisas muito interessantes…. Trago aqui para o Bala Mágica dois desses trabalhos. O primeiro é de autoria de Juliana C. Cancino – uma química muito simpática que faz doutorado em física -, juntamente com outros colaboradores (T.M. Nobre, S.S. Machado e V. Zucolotto) do Instituto de Química e do Instituto de Física da USP de São Carlos. Juliana construiu um modelo no laboratório que imita a membrana das nossas células e verificou que nanotubos de carbono podem penetrar na membrana, afetando seu empacotamento (que é a forma como ela se organiza no espaço). Cabe salientar que isso aconteceu apenas para nanotubos com determinadas características (como tamanho e tipo de superfície). Nanotubos grandes demais, por exemplo, não foram capazes de se inserir na membrana. Esse tipo de resultado pode ser uma evidência do potencial de toxicidade de nanotubos de carbono e como esse potencial pode ser minimizado alterando-se algumas das suas características.

Outro trabalho legal que vi lá é do Elias Berni – um físico que faz mestrado em biofísica – e colaboradores (V. Zucolotto e C.R. de Oliveira), do Instituto de Física da USP de São Carlos e da Embrapa Instrumentação Agropecuária. Sabe-se que tanto nanopartículas de prata quanto quitosana – uma fibra originada da carapaça de crustáceos – são capazes de impedir o crescimento de bactérias. Resumindo em poucas palavras, Elias mostrou que juntar quitosana e nanopartículas de prata num filme (que é o que chamamos de nanocompósito) tem um efeito maior na prevenção do crescimento da bactéria E. coli que aquele observado para os materiais separados somados. Esse estudo é um exemplo interessante de como é possível obter materiais muito mais eficientes devido ao emprego da nanotecnologia.

Ao meio dia de segunda-feira, estava acontecendo por lá um Lunch-Box Forum sobre desafios globais na educação, como parte das atividades da conferência. Nos banners que anunciavam o fórum, logo abaixo do título e acima da descrição das temáticas e dos palestrantes, estava escrito: “All are welcome”/”Free pizza”. Irresistível não lembrar do PhDComics nesse momento…..


Fonte: PhDComics

P.S.: Depois dos relatos do ICAM 2009, vou contar o que estará acontecendo no II EWCLiPo, direto de Arraial do Cabo-RJ. Aliás, já estou com as malas prontas para pegar a estrada ainda hoje…

Problemas de memória? Saiba como ter uma memória eterna…

Você lembra daquele filme chamado Curso de Verão, que sempre passava na Sessão da Tarde? Não…? Então dê uma olhadinha numa das partes mais hilárias e confira se você já não passou por essa situação:



-“O que são ovos?”
-“Como a gente escreve gato?”
-“Eu não sei!”

Hahahaha, está bem, você nunca passou por algo assim, mas…

ResearchBlogging.org

Que tal se existissem nanorrobôs capazes de alterar a memória das pessoas, fazendo com que elas nunca esquecessem de coisas pré-determinadas? Útil para uma prova? Perfeito para nunca mais esquecer os intermináveis aniversários que sua namorada insiste em lembrar? Assustador e forte indicativo de que o mundo vai acabar? Não, não se preocupe – estamos muuuuito longe de sequer pensar como isso poderia ser feito.

Mas de certa forma, a humanidade tem usado registros de memória há alguns milênios – papiros, livros, fitas cassete, DVDs! A equipe do professor Alex Zettl da Universidade de Berkeley (USA) criou um protótipo de memória digital formada por uma nanopartícula de ferro inserida dentro de um nanotubo de carbono. Quando eletricidade é fornecida ao sistema, a nanopartícula de ferro se desloca para um lado e para o outro no interior do nanotubo – os lados são o 0 e o 1 digitais do sistema binário.

“Courtesy Zettl Research Group, Lawrence Berkeley National Laboratory and University of California at Berkeley.”

De acordo com cálculos teóricos, esses dispositivos tem uma capacidade de armazenamento maior que 10^12 bits por polegada quadrada (o blogger não permite sobrescrito, então 10^12 quer dizer 10 seguido de 12 zeros) e uma duração infinita (um bilhão de anos pode ser considerado infinito nesse caso, não pode?)

Bem, a inovação não chega a ser um chip cerebral de memória cyberpunk à la Neuromancer, mas se pensarmos que há menos de uns 10 mil anos atrás o ser humano registrava suas memórias em paredes de cavernas, e que o DVD que usamos hoje não dura mais que uma geração, é uma avanço e tanto….

Begtrup, G., Gannett, W., Yuzvinsky, T., Crespi, V., & Zettl, A. (2009). Nanoscale Reversible Mass Transport for Archival Memory Nano Letters, 9 (5), 1835-1838 DOI: 10.1021/nl803800c

Grandes personalidades da nanociência e nanotecnologia: Sumio Iijima

Sumio Iijima, o descobridor dos nanotubos de carbono

Dez anos depois de Norio Taniguchi cunhar o termo “nanotecnologia”, nossa percepção sobre o papel dessa área do conhecimento para a humanidade sofreria um profundo impacto. Foi em 1991 que o físico japonês Sumio Iijima, do NEC Corp. Fundamental Research Laboratory, descreveu moléculas de carbono cilíndricas e ocas com novas propriedades – tais como alta resistência e alta eficiência em conduzir calor – em um artigo que se tornou um clássico da área, intitulado Helical microtubules of graphite carbon (Nature 354, p. 56-58, 1991 – doi:10.1038/354056a0).

Esses fios nanométricos foram denominados NANOTUBOS DE CARBONO. Desde então ocorreu um boom sobre o assunto. As propriedades especiais dos nanotubos de carbono são causadas pela sua gigantesca relação entre comprimento e largura (de mais de 28 000 000 nm : 1 nm), a ponto de alguns cientistas se referirem a esse material como condutor unidimensional de calor.

certas controvérsias quanto ao fato de Sumio Iijima ser ou não o verdadeiro “pai” dos nanotubos de carbono – alguns químicos afirmam que já haviam publicado artigos descrevendo filamentos de carbono nanométricos, mas que estes só haviam sido lidos por outros químicos e por isso não tiveram tanta repercussão. Brigas de paternidade à parte, é inegável que Sumio Iijima foi o responsável pela tremenda divulgação do assunto e por descrever as potencialidades dos nanotubos de carbono, cujas possíveis aplicações vêm sendo pesquisadas até hoje, em áreas tão díspares quanto a engenharia espacial e a medicina.

Terapia gênica e nanotecnologia juntas no combate ao diabetes tipo 1

ResearchBlogging.org

Saiu esse ano na Bioconjugate Chemistry: nanotubos de carbono revestidos com PEG, um polímero hidrofílico (lembra dos Aviões Stealth do Nanobiomundo?), foram capazes de levar oligonucleotídeos antisense até linfócitos T. Lá dentro da célula, esses oligonucleotídeos antisense “nocautearam” um gene (PTPN22) que está relacionado ao desenvolvimento de diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes. Seria a solução tão esperada pelos portadores de diabetes?
A resposta começa nos próprios oligonucleotídeos antisense (ou anti-sentido, como já vi em alguns trabalhos em português).
Essa pequena sequência sintética de ácidos nucleicos pode bloquear a expressão de um gene específico porque é feita para se ligar de forma complementar ao RNAm (que seria a sequência sense, ou sentido) produzido por um gene específico. Quando ocorre essa ligação entre o RNAm e o oligonucleotídeo antisense, o RNAm é inativado. Se não há mais RNAm ativo para informar qual é a sequência correta de aminoácidos a ser sintetizada pelo organismo, a proteína em questão não é produzida. No caso do estudo discutido aqui, essa proteína é um inibidor da ativação de linfócitos T – uma mutação no gene PTP N22 produz um inibidor muito mais potente de linfócitos T que o normal. O crescimento e ativação reduzidos de linfócitos T em comparação ao normalmente observado são fatores que predispõem a diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes, como artrite reumatóide. Por isso, seria bem interessante inibir esse gene em caso de mutação. O problema é que os oligonucleotídeos antisense são muito sensíveis a certas enzimas chamadas nucleases, presentes tanto nas células quanto em meios de cultura e soro. Além disso, devido à sua carga elétrica negativa, dificilmente atravessam a membrana celular (que também tem carga elétrica negativa) – e eles precisam entrar na célula para funcionar!

É por isso que vários laboratórios desenvolveram oligonucleotídeos antisense modificados, com maior resistência às nucleases e/ou com características moleculares que aumentam sua penetração nas células. Outra estratégia (que é a usada nesse estudo) é usar nanotecnologia para inserir a sequência antisense (sem essas modificações) dentro da célula. Os autores usaram nanotubos de carbono-PEG. O PEG serve para aumentar o tempo de circulação da nanopartícula no organismo (do contrário, ela seria rapidamente eliminada). Já o nanotubo de carbono foi uma escolha estratégica. Devido ao seu comprimento ser maior que sua altura, foi possível aproveitar uma grande extensão de sua superfície para ligar mais de um oligonucleotídeo por nanotubo. O nanotubo entrou nos linfócitos T e, apenas dentro das células, liberou os oligonucleotídeos por causa da quebra de ligações chamadas dissulfeto, que prendiam quimicamente o nanotubo e os oligonucleotídeos.

(crédito: Delogu e col., Bioconjugate Chemistry 2009)

Esses resultados são muito interessantes. Mas….. será que a cura através da terapia gênica unida à nanotecnologia é concreta para os diabéticos? Eu acho que HOJE ainda não é. Esse estudo, por exemplo, foi feito em cultura de células e muitas vezes os resultados positivos in vitro não são significativos quando testados em humanos. Além disso, há um elevadíssimo custo se pensarmos na produção em massa desses nanotubos ligados aos oligonucleotídeos – muitas vezes, esse fator é o que torna inviável a comercialização de muitas estratégias terapêuticas interessantes. Outro ponto importante é o risco do uso de nanotubos de carbono em humanos. Um estudo de 2003 publicado na Nano Letters já havia mostrado por simulações de dinâmica molecular que DNA pode se inserir de forma espontânea dentro de nanotubos de carbono em meio aquoso – não vou negar que isso faz pensar a respeito de como nanotubos de carbono vazios poderiam interagir com o nosso próprio DNA…. .

(crédito: Gao e col., NanoLetters 2009)

No entanto, não sou pessimista – acho que muita coisa vai mudar nas próximas décadas. O FDA já aprovou um fármaco antisense, o fomivirsen (Vitravene®), para tratamento de citomegalovirus. Não é encapsulado em nanopartículas, mas apresenta uma modificação na sua estrutura que o torna resistente à degradação pelas nucleases. A própria nanotoxicologia é um campo em expansão. Se não é uma possibilidade concreta para os pacientes hoje (até por uma questão econômica), acho que a união da terapia gênica e da nanotecnologia tem tudo para tornar a vida das pessoas muito melhor nas próximas gerações.

OBS.: O que está em vermelho foi adicionado em 26/07/09 (23h12min) para tornar o texto mais claro.

Delogu, L., Magrini, A., Bergamaschi, A., Rosato, N., Dawson, M., Bottini, N., & Bottini, M. (2009). Conjugation of Antisense Oligonucleotides to PEGylated Carbon Nanotubes Enables Efficient Knockdown of PTPN22 in T Lymphocytes Bioconjugate Chemistry, 20 (3), 427-431 DOI: 10.1021/bc800540j
Gao, H., Kong, Y., Cui, D., & Ozkan, C. (2003). Spontaneous Insertion of DNA Oligonucleotides into Carbon Nanotubes Nano Letters, 3 (4), 471-473 DOI: 10.1021/nl025967a

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