Páscoa tem chocolate, coelhos e …. Mickey!

Diga lá qual é o maior clichê científico da Páscoa. Sim, os benefícios do chocolate, sua história que remonta aos povos nativos da América Central, etc etc. Se não for isso, algo com coelhos (claro!), como é sua vida e seu comportamento, ou sobre ovos, sei lá. Embora já tenham me dito que adoro um clichê, evitarei tratar desses temas. Nesta Páscoa de 2010 escreverei sobre ratos. Isso mesmo, você leu certo. Mais especificamente, sobre o personagem Mickey. E, para não perder o costume, não é qualquer Mickey dando tchauzinho na Disney – é um Mickey nanométrico (um não, vários!).
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A equipe do professor Oswaldo L. Alves, da Unicamp, ao realizar experimentos para a obtenção de nanofios de vanadato de prata para uso em tecidos bactericidas, deparou-se com algo curioso: sobre os fios, formaram-se nanopartículas de prata com um formato que lembra o Mickey. De orelha a orelha, cada nano-Mickey tem um comprimento de 40 nanometros.
O mais interessante é que tais nano-Mickeys não foram obtidos ao acaso, de forma aleatória – o experimento foi reprodutível, pois foi possível obter as nanopartículas com o padrão morfológico tipo Mickey todas as vezes em que o experimento foi feito. Esse é um belo exemplo de auto-organização. Isso parece estranho à primeira vista – como é possível obter espontaneamente estruturas tão ordenadas a partir da completa desordem? A resposta não é simples, mas faz parte de uma teoria belíssima, já tratada aqui anteriormente. Em primeiro lugar, o sistema precisa estar longe do seu equilíbrio termodinâmico, e ser aberto (ou seja, deve ser capaz de trocar matéria e energia com o ambiente externo). Além disso, dentre outros aspectos (não citarei todos para não cansar o leitor) deve apresentar emergência – ou seja, o todo é maior do que a soma das partes e o todo exibe padrões e estruturas que surgem espontaneamente do comportamento das partes -, grande número de componentes independentes – resultando em muitas conexões, interações e laços de feedback entre as partes do sistema, e efeitos em múltiplas escalas – as interações em pequena escala resultam em estruturas específicas na grande escala, que por sua vez, modificam a atividade da pequena escala (dá um nó na cabeça, não?)
Vi os nano-Mickeys na Info Online, dica do Takata.
OBS.: O sistema que contém os nano-Mickeys é parte da tese de doutorado de Raphael Dias Holtz (Unicamp), com a participação do Prof. Antonio Gomes de Souza Filho (Universidade Federal do Ceará).

Nanocoisas violando uma lei da física?

[continuando o post anterior…]



ResearchBlogging.org Imagine que você está acompanhando a trajetória de uma bola de pingue-pongue – o espaço tridimensional que corresponde ao seu campo de observação é muito semelhante ao que os físicos chamam de espaço de fase, utilizado para acompanhar a trajetória de uma partícula numa simulação de computador. Se soubermos qual é a velocidade e a posição de uma partícula em um tempo inicial qualquer e conhecermos quais equações regem o seu movimento, podemos prever as trajetórias passada e futura dessa partícula. Isso é possível porque as equações de movimento são reversíveis. No entanto, a segunda lei da termodinâmica determina que “a quantidade de entropia de qualquer sistema isolado (fora do equilíbrio) tende a aumentar até atingir um máximo (que corresponde ao seu estado de equilíbrio)” Epa! Percebeu que há algo que aparentemente não fecha nessas duas teorias? Se a entropia tende a aumentar a partir de um tempo inicial, então o desenrolar do movimento da tal partícula mencionada acima vai elevar a entropia do sistema, tanto na direção do passado quanto na direção do futuro (porque as equações de movimento são reversíveis). Se você lembra do que já foi escrito aqui a respeito da seta do tempo, deve ter captado o paradoxo.
Se formos bem criteriosos tal qual o Roberto Takata, observaremos que a definição da segunda lei poderia ser mais adequadamente descrita considerando seu aspecto probabilístico, ao afirmar que na verdade ela apenas quer dizer que “é extremamente improvável que a entropia de um sistema fechado decresça em um dado instante”.

(não desanime! continue lendo, vai valer a pena! por favor?)
gato_de_botas.jpg

Ora, a grosso modo, para tempos relativamente longos e sistemas grandes, a probabilidade de redução da entropia é ridiculamente desprezível e, nessas condições, pode-se considerar sem medo de ser feliz que ela sempre aumenta até atingir um máximo. A questão – e esse é o ponto-chave da coisa toda – é que tal probabilidade já não é tão desprezível assim para sistemas muito pequenos em tempos muito curtos. Pasme como eu, leitor: nesses casos, a entropia pode ser CONSUMIDA ao invés de produzida (daí o termo “violação” da segunda lei)
Uma equação matemática foi proposta em 1993 por Evans e colaboradores para predizer “violações” mensuráveis e relevantes da segunda lei para sistemas numa escala pequena de tamanho durante curtos períodos de tempo. Eles a chamaram de teorema das flutuações, porque se refere às flutuações do grau de entropia de um sistema em relação a uma média. Parece difícil entender isso à primeira vista, mas é como pensar na loucura do clima: em alguns dias chove, em outros faz um sol danado (flutuações) e na média um mês pode ser chuvoso, seco, etc. O fato de que um mês qualquer foi muito chuvoso não quer dizer que em nenhum momento desse período fez um belo dia de sol. Capiche? A ideia é genial, mas o fato é que NENHUMA demonstração experimental desse teorema havia sido feita. Até agora.
And now, the conclusion.
Wang e colegas conseguiram realizar essa façanha em 2002. Ao acompanhar a trajetória de nanopartículas de látex suspensas em água, empregando uma “armadilha óptica” composta por feixes de laser, eles demonstraram experimentalmente o “consumo espontâneo” de entropia em sistemas com distância coloidal (de poucos nanômetros) em tempos da ordem de segundos. Os resultados experimentais foram muito semelhantes àqueles obtidos por simulação de computador. De acordo com os autores, os resultados obtidos podem ajudar a entender como funcionam os motores de proteínas e também as nanomáquinas que o homem eventualmente construirá.
O teorema das flutuações indica que transformar máquinas macroscópicas em máquinas microscópicas não é uma simples questão de redução de escala. Quanto menores esses dispositivos, maior é a probabilidade de que funcionem de forma “termodinamicamente reversa” àquela esperada para a escala macroscópica. Se construirmos nanomáquinas, precisamos considerar que elas estarão sujeitas a esse efeito. Da mesma forma, as nanomáquinas “biológicas” dentro das nossas células devem tirar algum proveito disso tudo. Portanto, a resposta à pergunta feita pelo Joao é que o teorema das flutuações tem sim importantes implicações para a nanotecnologia e – nas palavras dos autores – também no próprio entendimento de como funciona a vida.
Um P.S. importante: Antes que alguém mais imaginativo encha-se de esperanças ao ler esse texto, é bom deixar claro que nanomáquinas jamais poderiam ser moto-perpétuos, pois ao longo do tempo a probabilidade média de aumento da entropia é cada vez maior. É, meu amigo, não tem jeito… A segunda lei é inexorável!

Evans, D., Cohen, E., & Morriss, G. (1993). Probability of second law violations in shearing steady states Physical Review Letters, 71 (15), 2401-2404 DOI: 10.1103/PhysRevLett.71.2401
Wang, G., Sevick, E., Mittag, E., Searles, D., & Evans, D. (2002). Experimental Demonstration of Violations of the Second Law of Thermodynamics for Small Systems and Short Time Scales Physical Review Letters, 89 (5) DOI: 10.1103/PhysRevLett.89.050601


Você foi vítima de um plano maquiavélico

Este blog, dedicado à nanobiotecnologia e afins, tem tratado também de temas diversos como teoria do caos, segunda lei da termodinâmica e seta do tempo. E você, leitor, deve ter se perguntado:
“- Ora bolas, o que essas coisas têm a ver com a temática do Bala Mágica?”
Pois agora revelarei: tudo isso foi maquiavelicamente arquitetado como uma grande introdução a …. este post fatídico! Há meses estou enrolando para responder uma pergunta feita aqui no Bala Mágica pelo Joao, do Crónica da Ciência. O motivo? Muito simples. Eu precisei estudar a respeito.
Eis a pergunta que deu início a tudo:
(Joao) “O que achas disto: http://www.newscientist.com/article/dn2572-second-law-of-thermodynamics-broken.html, as implicações para a nanotecnologia são realmente novas?”
Depois de ler essa pergunta, passar os olhos pela referência científica original, babar por alguns segundos olhando para a tela do computador num estado semi-catatônico e lembrar daquela célebre frase de Sócrates (o filósofo, não o jogador de futebol), comecei a destrinchar a teoria e formular uma resposta. E consegui, finalmente! Você poderá conferi-la no próximo post (com direito a medaglia!). Aguarde e confie.
[continua….]

Saúde !

ResearchBlogging.org Semana de recesso entre o Natal e o Ano Novo é sempre assim: muita comida, muita bebida, preguiça …. Por que fugir desses temas, não é mesmo? Falemos de comida e de bebida! Tenho muita curiosidade em experimentar as culinárias grega e turca (melhor ainda se fosse in loco, não?)
Os gregos e os turcos têm o costume de oferecer mezedes, que são porções de antepastos, para acompanhar uma bebida antes das refeições. As bebidas preferidas dos gregos e dos turcos nessas ocasiões são o ouzo e o raki, respectivamente. Elas são uma espécie de aguardente com essência de anis, e podem ser degustadas puras ou adicionadas de água. No último caso, a mistura adquire uma cor esbranquiçada. É por isso que o raki é conhecido como “leite de leão” lá na Turquia (sem piadinhas infames nesse momento, hein?). Isso também ocorre com outra bebida dessa parte do mundo, o arak árabe, que é conhecido como “leite de camelo” pelos mesmos motivos.
Achei um vídeo um tanto quanto tosco de japinhas felizes preparando uma dose de raki. Observe que o camarada do vídeo mistura água (incolor) ao raki puro (incolor). Nesse momento, ocorre a formação instantânea da mistura leitosa.
Em média, essas bebidas têm de 40 a 50 % de teor alcoólico, e todas contêm essência de anis, que é um óleo essencial. Quando água é adicionada à bebida, o óleo de anis (que estava solúvel na bebida) se torna insolúvel devido ao excesso de água. No entanto, como a água e o álcool se misturam, o óleo de anis se organiza na forma de gotas extremamente pequenas. O resultado é uma mistura com aspecto leitoso, devido ao espalhamento da luz pelas gotas de óleo. O processo de formação dessa mistura foi estudado e batizado de Efeito Ouzo pelo grupo de pesquisadores liderados por Joseph Katz (Johns Hopkins University Baltimore, USA), em homenagem à bebida grega (se você ouvir falar por aí em emulsificação espontânea, saiba que é a mesma coisa).
O princípio termodinâmico que explica a formação e a estabilidade dessas emulsões está relacionado com o diagrama de fases de uma mistura complexa. O álcool, a água e o óleo de anis estarão ou não solúveis de acordo com a concentração de cada um na mistura. Se um dos componentes não estiver solúvel, a mistura pode ser instável (com separação das fases, tal como óleo de soja e vinagre misturados grosseiramente) ou estável (se o tamanho das gotas de óleo for muitíssimo pequeno). O interessante do Efeito Ouzo é que ele permite não só o preparo de uma bebida para deleite de gregos, turcos e admiradores, mas também a obtenção de nanopartículas capazes de liberar fármacos no organismo. Sim, caro leitor, esse princípio é usado em laboratório para preparar nanocápsulas poliméricas: um solvente orgânico capaz de se misturar em água (ex. álcool, acetona) contendo óleo, polímero e fármaco, é vertido em água contendo um tensoativo (uma espécie de estabilizante) e… voilá! Nanocápsulas novinhas saindo!!!
Bem, depois desse papo todo a respeito de comidas, bebidas e – ok – nanocoisas, só resta desejar uma boa e preguiçosa semana. Como diriam os turcos antes de um gole de raki:
Şerefinize! Afiyet olsun!
P.S.: Eu nunca testei, mas provavelmente a brincadeira dos japinhas do vídeo possa ser feita também com absinto.

Ganachaud, F., & Katz, J. (2005). Nanoparticles and Nanocapsules Created Using the Ouzo Effect: Spontaneous Emulsification as an Alternative to Ultrasonic and High-Shear Devices ChemPhysChem, 6 (2), 209-216 DOI: 10.1002/cphc.200400527
Vitale, S., & Katz, J. (2003). Liquid Droplet Dispersions Formed by Homogeneous Liquid−Liquid Nucleation: “The Ouzo Effect” Langmuir, 19 (10), 4105-4110 DOI: 10.1021/la026842o

Borboletas, esses seres nanotecnológicos

Apesar de ter feito o maior frio aqui em Porto Alegre nos últimos dias, com tempo fechado e chuva, essa manhã de domingo que marca o início do horário de verão está bastante agradável. Os passarinhos estão cantando, o céu está azul, a temperatura está amena e o sol faz um efeito bonito nas asas das borboletas que vejo daqui da minha janela. Há borboletas azuis, amarelas e vermelhas, lindas! Difícil achar quem não goste de borboletas… Em muitas culturas, a borboleta é símbolo de renascimento, transformação e geralmente está associado ao mundo espiritual – provavelmente pelo fato de que a borboleta passa por vários estágios de maturação (lagarta, crisálida, borboleta).

O que pouca gente sabe é que as cores que vemos estampadas nas asas de muitos gêneros de borboletas, como a morfo azul, e que são tão agradáveis aos nossos olhos são fruto de uma nanotecnologia altamente refinada. Sim, as borboletas são seres nanotecnológicos! Vou explicar… As cores que vemos nas asas das borboletas se devem a estruturas nanométricas altamente organizadas (parecidas com plaquinhas) presentes nas asas. Essas plaquinhas fazem com que a luz que bate nelas seja espalhada apenas em certas direções e em certos comprimentos de onda, e é isso que vai definir a cor que veremos. O grau de organização das plaquinhas é parte fundamental desse processo, porque os espaços entre elas são exatamente da mesma dimensão que o comprimento de onda da luz espalhada. Só para exemplificar, se as plaquinhas estão organizadas de forma que os espaços entre elas tenham o tamanho do comprimento de onda da luz azul, veremos justamente essa cor. Se as plaquinhas estiverem completamente desalinhadas, sem organização nenhuma, os raios de luz de todos os comprimentos de onda serão espalhados em todas as direções indistintamente – e veremos a cor branca, que é a soma de todas as cores.

Os físicos chamam as estruturas nanométricas que espalham luz e causam o efeito de iridescência, de cristais fotônicos. Cada asa de borboleta possui diferentes tipos de cristais fotônicos: alguns mais organizados, que resultam na cor azul, outros menos organizados, que resultam na cor verde (que é a soma do azul e do amarelo), e por aí vai. As plaquinhas nanométricas nas asas das borboletas são compostas por quitina, que é aquela substância que também compõe a carapaça de camarões e é matéria-prima para fabricar a fibra alimentar quitosana.

Como explicado aí em cima, o ordenamento dos cristais fotônicos é fundamental para controlar a forma como a luz vai se propagar. Esse princípio tem sido bastante utilizado na área de telecomunicações, nos estudos para o desenvovimento de displays interferométricos que prometem cores mais brilhantes e vívidas e até mesmo nos mais recentes cosméticos. Sim, nos cosméticos! A empresa L’Oreal vem desenvolvendo estudos para “imitar” o efeito de iridescência das asas das borboletas, e chama essa tecnologia de maquiagem fotônica. Realmente, borboletas são seres inspiradores…

Glossário:

Iridescência: fenômeno que faz certas superficies refletirem as cores do arco-íris. Essa propriedade não é exclusividade das asas das borboletas – pode ser vista também nos besouros, cigarras, bolhas de sabão, caudas de pavão, escamas de peixe, entre outros.

UPDATE 19/10/2009: Começa hoje a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, uma iniciativa do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) do Brasil. Se você clicar aqui, terá acesso à programação e poderá reparar que a imagem escolhida para ilustrar o evento é a maturação de uma lagarta em borboleta azul. Espero que, depois de ler esse post, você possa “enxergar” ali um símbolo que transcende a ideia de transformação. Afinal, depois de saber que as asas das borboletas são dotadas de cristais fotônicos, elas bem que poderiam ser consideradas símbolo de tecnologia altamente refinada, você não acha?

Carros com poder de cicatrização

É, o intelecto humano às vezes pode ser surpreendente…

Imagine que você estacionou seu carro na única vaga em quarteirões e mais quarteirões. Você está com pressa. E é contra a ideia de dar um troco para “cuidarem” do seu carro e diz não ao rapaz que “gentilmente” se ofereceu para o serviço. Depois de resolver seus compromissos, você volta à vaga onde estacionou seu carro. E – que revolta! – ele está riscado da dianteira à traseira. Depois de xingar um monte e desejar tudo de ruim ao desgraçado f.d.p. que fez tal desaforo, você faz as contas de quanto vai gastar para arrumá-lo.

Mas então…de repente… o carro começa a… cicatrizar! Você pisca e o arranhão não está mais lá e é como se nada nunca tivesse acontecido. Humm, mais uma história do seriado The Twilight Zone? (também poderia ser um episódio de Fringe, para os leitores mais novinhos).

Para pesquisadores do Fraunhofer Institute for Manufacturing Engineering and Automation IPA e da Duisburg-Essen University (Alemanha), essa ideia está mais próxima da realidade que da ficção. A indústria automobilística usa uma técnica chamada eletrodeposição para revestir a superfície dos carros – geralmente com cromo – para aumentar a resistência das partes metálicas à corrosão. Os pesquisadores alemães incorporaram nanopartículas nesse filme de revestimento dos carros. Ao sofrer danos – um arranhão na pintura, por exemplo -, as nanopartículas desse filme na região do dano seriam quebradas e liberariam um fluido capaz de reparar o estrago. O fluido preenche o risco e é como se nada nunca tivesse acontecido.

Mas porque eu mencionei que a ideia está mais próxima da realidade que da ficção? Porque esse estudo ainda está em andamento, e foram feitos testes com recobrimento de apenas alguns centímetros. Estima-se que testes com recobrimento de peças inteiras serão feitos no máximo em 2 anos. Isso significa que antes de 5 anos esse produto não estará no mercado. Mas provavelmente, num futuro não tão distante assim, mais uma bela ideia dos contos de ficção vai fazer parte do nosso cotidiano.

Fontes: Eurek Alert! e Next Nature.

P.S.: Obrigada ao L. Felipe A. por enviar o link e instigar o post.

Uma mudança de paradigma bem-vinda: do tamanho à propriedade

Acabo de ler o último press release da Agência FAPESP e encontrei uma reportagem sobre um artigo recém-publicado na Nature Nanotechnology (doi:10.1038/nnano.2009.242). Nesse estudo feito por pesquisadores ligados ao Centro de Implicações Ambientais da Nanotecnologia (Duke University, USA), uma nova abordagem na maneira como nanopartículas são selecionadas é defendida.
Em geral, as nanopartículas são classificadas quanto ao seu tamanho. No entanto, conforme o tipo de nanopartícula em questão, as propriedades estão relacionadas a um diâmetro crítico próprio. Isso quer dizer que não é porque uma nanopartícula de prata e um fulereno têm 1,5 nm que ambos terão as mesmas propriedades. Essa mudança de “olhar” quanto à classificação das nanopartículas – do tamanho às propriedades – pode vir a facilitar o estabelecimento de marcos regulatórios para produtos nanotecnológicos, por tornar mais claro o grau de risco desses materiais para a saúde e para o meio ambiente.


Os primeiros “nanotecnólogos” eram artistas

Na idade média, a decoração das igrejas com vitrais coloridos era algo comum – além de criar uma atmosfera adequada à contemplação, era uma forma de catequese num mundo de maioria analfabeta. Mas como os artistas faziam os vitrais ficarem coloridos?
Analisemos os vidros vermelhos. A adição de cloreto de ouro ao vidro fundido fazia surgir esferas de ouro de aproximadamente 25 nanometros de diâmetro – e como bem sabe quem já deu uma olhada em posts anteriores sobre espalhamento de luz, vemos um conjunto de nanopartículas com a cor vermelha porque seu tamanho, forma e material fazem com que a luz espalhada com mais eficiência seja aquela na faixa de comprimento de onda que equivale ao vermelho. Outras cores poderiam ser obtidas mudando-se o material usado e/ou o tamanho da partícula. Nanopartículas de ouro de 50 nm, por exemplo, dão o tom verde. Se dobrarmos seu tamanho (ou seja, se atigirmos 100 nm), a cor espalhada passa a ser a laranja. Já nanopartículas de prata de 100 nm espalham luz amarela. O azul poderia ser obtido com nanopartículas de prata de 40 nm.
É claro que não se sabia desses detalhes todos na época (as técnicas de colorir os vidros foram descobertas por tentativa e erro), mas cabe observar como a nanotecnologia é ANTIGA. Nanopartículas sempre existiram. A novidade está no maior entendimento a respeito das propriedades dos nanomateriais e como manipulá-los.
(origem da foto: clique aqui)

Os mistérios da água na nanoescala

Acha que a água não tem mistério? Ela tem…


É mais fácil encontrar a água na forma de aglomerados H3O+(H2O)6 do que na forma de moléculas de H2O isoladas. Surpreso? Eu também fiquei quando um colega da química teórica me contou isso pela primeira vez como se fosse a coisa mais banal do mundo. O interessante é que há também estruturas ainda maiores na água, como H3O+(H2O)20 e outras ainda mais diferentes, como H5O2+. Como vocês devem ter percebido, água é um negócio complexo. Lembrei desse dia há pouco, lendo uma reportagem da Science News – pesquisadores da Alemanha, França e China descobriram que a fusão de nanopartículas de gelo (!) ocorre em temperatura mais baixa que o gelo macroscópico (que é de zero grau Celsius à pressão de 1 atm). E não pense que essa temperatura é um ou dois graus mais baixa…. na na não…. pode chegar a ser 180 GRAUS MAIS BAIXA! Os pesquisadores usaram aglomerados de 48 e de 118 moléculas de água e perceberam que há uma relação direta entre o tamanho da nanopartícula e o seu ponto de fusão – ou seja, quanto menor a nanopartícula de gelo, menor é a temperatura de fusão da mesma. Além disso, a transição de sólido para líquido na nanopartícula de gelo ocorre numa faixa de temperatura de até 40 oC – o que é muito mais gradual que no caso de gelo macroscópico, que precisa de uma variação de apenas 1 oC para o mesmo fenômeno.


Legal, mas inútil? Que nada, a água está contida em nano-volumes dentro das células. E como diz lá na reportagem da Science News, “muitos biólogos acham que nós não entenderemos completamente a biologia antes de entendermos a água”. Se pensarmos que a biologia é resultado de uma série de eventos químicos que ocorrem em meio aquoso, não há como discordar totalmente disso.

P.S…..

a) Na água, duas moléculas H2O estão em equilíbrio com sua forma dissociada, que consiste em um íon hidróxido OH- e um íon hidrônio H3O+, como mostrado abaixo:

2H2O H3O+(aq.) + OH-(aq.)

b) O íon hidrônio é solvatado (ou seja, rodeado) por outras moléculas de água (há uma interação entre o hidrônio e as moléculas de água – como uma “cola” – que chamamos de ligação de hidrogênio).

c) H3O+(H2O)6 – significa um aglomerado composto por um íon hidrônio H3O+ solvatado por 6 moléculas de H2O.
d) H3O+(H2O)20 – significa um aglomerado composto por um íon hidrônio H3O+ solvatado por 20 moléculas de H2O.

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