A revolução de 1911
“- Revolução? Em 1911? Fernanda enlouqueceu… tanto tempo longe do blog fez mal pra cabeça dela…”.
ou
“-Bem, houve mesmo uma revolução na China em 1911…. mas como isso estaria relacionado à química ou à nanotecnologia? Bala Mágica por acaso virou blog de história agora? Fernanda enlouqueceu… tanto tempo longe do blog fez mal pra cabeça dela…”
Embora tenha mesmo ficado distante do blog porque meu lado rato-de-laboratório aflorou de forma particularmente intensa nos últimos tempos, ainda não perdi o juízo. Realmente acredito que uma revolução aconteceu em 1911, e não foi na China. Ora, vejamos…. há cem anos uma mulher ganhou o Prêmio Nobel de Química. Sim, a admirável pesquisadora franco-polonesa Marie Sklodowska-Curie. Admirável, por ser a primeira mulher a receber o título de Doutora em Ciências na Europa e ainda por cima ser a primeira pessoa a receber dois Prêmios Nobel na vida – de Física em 1903, pela descoberta da radioatividade, e de Química logo depois, pela descoberta dos elementos polônio e radio. Embora possa parecer, não é da revolução feminista que quero falar. Até porque sabemos que ela aconteceu só uns cinqüenta anos depois.
A revolução à qual me refiro começou sem armas, mas com muitos choques. Foi causada pela descoberta de novos espaços, mas sem tomada de territórios. Não ocorreu por iniciativa de ativistas políticos ou de um líder do povo, mas sim por causa de um pequeno grupo de físicos, na solidão de um laboratório na Universidade de Manchester (UK).
A saga começa cerca de 10 anos antes da data apontada no título desse post, quando os físicos Ernest Rutherford e Paul Villard classificaram diferentes tipos de radiação conforme sua capacidade de penetrar em objetos e causar ionização. A radiação foi dividida por esses cientistas em alfa, beta e .. adivinhe… gama. Destas, a radiação alfa é aquela que apresenta menor capacidade de penetração, podendo ser bloqueada por uma simples folha de papel. Podemos considerar essa radiação como sendo partículas com carga positiva e massa determinada – hoje, sabemos que partículas alfa nada mais são que dois prótons e dois nêutrons (ou seja, o núcleo de um átomo de hélio-4). Só para situar o leitor sobre o grau de conhecimento da época, ainda acreditava-se que os átomos eram formados por um mar de carga positiva contendo regiões pontuais de carga negativa (o famoso modelo do pudim de passas sobre o qual ouvimos falar na escola).
As partículas alfa podem ser obtidas a partir do decaimento de brometo de radio, um dos compostos radioativos descobertos por madame Curie. E foi justamente brometo de radio que os físicos Hans Geiger e Ernest Marsden utilizaram para produzi-las, num experimento famoso coordenado por Ernest Rutherford em 1909. Ao redor de uma folha de ouro muito fininha mesmo, foi disposta uma folha circular de sulfeto de zinco. A ideia era bombardear a tal folha de ouro fininha com partículas alfa, pra ver o que aconteceria. O sulfeto de zinco atuaria como uma espécie de filme fotográfico, marcando os locais para onde as partículas alfa seriam projetadas após o bombardeio. Qual seria a hipótese lógica para esse experimento na época? Todas as partículas alfa (cuja carga era positiva, já se sabia) atravessariam a folha de ouro, porque a carga positiva estaria bastante “espalhada” no pudim esférico que constituía os átomos, de forma que não haveria repulsão significativa de carga. Algumas partículas alfa poderiam sofrer alguns pequenos desvios, se encontrassem pelo caminho as “passas” de carga negativa mais concentrada ali presentes.
Surpreendentemente, os cientistas observaram não só o esperado, mas também algo completamente bizarro: algumas daquelas partículas alfa bombardeadas simplesmente ricochetearam de volta! Rutherford interpretou esse resultado no seu famoso artigo de 1911, como sendo causado pela presença de algo realmente muito denso e pequeno no centro do átomo, que impediria a passagem das partículas alfa numa colisão de frente. Esse “algo” provavelmente teria carga positiva também. E as cargas negativas? Bem, elas deveriam estar ali no átomo para neutralizar as cargas positivas. No entanto, muitas partículas alfa não foram desviadas, e se topassem com cargas negativas, necessariamente seriam desviadas (aquela velha história dos opostos, você sabe). Bem, se não bateu em nada positivo, nem em nada negativo, não bateu…. em nada! Sim, o átomo seria um sistema composto por um núcleo muito pequeno de carga positiva e massa considerável, envolto por um gigantesco espaço onde estariam os elétrons de carga negativa e um monte de ….. vazio. Tal qual uma bola de futebol no meio de um estádio, com apenas algumas centenas de pessoas nas arquibancadas, assim seria um átomo com seu núcleo e seus elétrons (os quais estariam nessa região imensa ao redor do núcleo, chamada eletrosfera). Definitivamente, os dias de analogia culinária para o átomo haviam acabado.
As ideias de Rutherford serviram como base para um novo entendimento sobre a estrutura da matéria. Desde então, tivemos um século de descobertas espantosas, e um salto gigantesco no âmbito da química – motivo mais que suficiente para um ano inteiro de celebração. Interessante como descobrir tudo e nada onde menos se esperava fez toda a diferença …
[continua no próximo post …. ]
(a reflexão que resultou nesse post e no próximo veio de uma conversa sobre história da ciência, no meio de tantas outras, num desses dias de fevereiro… obrigada ao Fabiano pela inspiração e pelas ideias para esses textos)
Geiger, H., & Marsden, E. (1909). On a Diffuse Reflection of the Formula-Particles Proceedings of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, 82 (557), 495-500 DOI: 10.1098/rspa.1909.0054
Rutherford, E. (1911). The Scattering of α and β Particles by Matter and the Structure of the Atom Philosophical Magazine , 6 (21), 669-688
Blogs de ciência podem estimular o engajamento público em temas de C&T?
Antes do século XVII, não havia uma distinção clara entre ciência e filosofia. A partir do século XVII, alguns pensadores, como o italiano Galileu Galilei (1564-1642), o francês René Descartes (1596-1650) e o inglês Isaac Newton (1642-1727), quebraram paradigmas ao defender o uso da experimentação, do método, da matemática e a exclusão do misticismo para entender os fenômenos naturais. Não é a toa que os historiadores chamam esse período de Revolução Científica. Logicamente, o ambiente social daquela época propiciou tal revolução. Dentre os acontecimentos que favoreceram a Revolução Científica cabe destacar a invenção da prensa móvel pelo alemão Johannes Gutenberg (1398-1468), que por si só já iniciou outra revolução, a da Imprensa. Eis a primeira reflexão: comunicação sempre foi uma peça-chave para o estabelecimento e a propagação da ciência.
O advento da imprensa tirou as amarras impostas por um conjunto de clérigos sobre o que é a Verdade, já que a produção de material escrito não era mais privilégio de alguns sacerdotes enclausurados em seus mosteiros. Estava dada a largada para a disseminação do livre-pensamento. Pelo menos na teoria e pelo menos para os “incluídos”, capazes de ler. Desde então, o número de alfabetizados aumentou, e o custo para adquirir livros, revistas, jornais, etc foi se tornando mais acessível. De lá para cá, a ciência evoluiu e, com ela, cresceram as esperanças de que as descobertas científicas contribuiriam para tornar o mundo um lugar melhor. Começou a surgir a noção de que era preciso “educar o povo” nas coisas de ciência, por meio da transmissão do conhecimento do especialista para o leigo, de forma verticalizada. No entanto, o acúmulo de informação não significa a compreensão dessa informação. E a informação fora de um contexto socioeconômico raramente desperta interesse público. Isso é particularmente importante no caso de assuntos científicos, porque a ciência gera muito mais perguntas que respostas, e jamais será capaz de oferecer uma Verdade, mas apenas modelos e aproximações. Essa ideia de transmissão verticalizada da informação passou a ser questionada, e estratégias dialógicas foram (e ainda são) propostas para substituí-la. Passou-se a falar em dar uma chance ao diálogo entre cientistas e leigos. E um diálogo é feito de perguntas e respostas. Eis a segunda reflexão: talvez a comunicação científica deva cada vez mais incluir as perguntas, e não só oferecer as respostas. A comunicação de ciência não pode mais ser uma via de mão única. Afinal, cabe à sociedade debater quais perguntas são mais importantes/urgentes, pois é esta sociedade quem sentirá as implicações dos avanços da C&T. Mais que informar sobre as últimas novidades dos periódicos científicos, a divulgação científica deve fomentar o exercício da cidadania.
Será que a internet, com seu efeito de rede e alto poder de disseminação de informações, pode fazer diferença nesse processo? Quais seriam as consequências disso e os desafios a serrem enfrentados, hoje e no futuro? Essas perguntas suscitaram mais reflexões, que reservo para o debate com os professores Dulcidio Braz Júnior (do blog Física na Veia!) e Leandro Tessler (IFGW/UNICAMP, do blog Cultura Científica), com moderação do professor Marcelo Knobel (IFGW/UNICAMP), nessa terça-feira (20/07), que ocorrerá às 18h30min no CBPF.
O que o fullereno tem de tão especial
Imagem de uma cúpula geodésica (fonte aqui)
Grandes personalidades da nanociência e nanotecnologia: Richard Smalley
Richard Smalley e um modelo da buckybola (origem da foto aqui)
Grandes personalidades da nanociência e nanotecnologia: Sumio Iijima
Grandes personalidades da nanociência e nanotecnologia: Gerd Binnnig e Heinrich Rohrer
Foi nesse ano que dois criativos funcionários da IBM, o suíço Heinrich Rohrer e o alemão Gerd Binning, desenvolveram uma técnica de microscopia eletrônica capaz de mostrar imagens na escala do átomo em uma superfície metálica ou semicondutora. A técnica foi batizada de microscopia eletrônica de tunelamento. Nessa técnica, uma ponta metálica de dimensões quase atômicas passa a uma distância muito próxima da superfície da amostra (como um scanner) de forma que ocorre o tunelamento de elétrons entre a ponta metálica e a amostra. A ponta metálica atua como aquela agulha dos aparelhos para escutar disco de vinil, subindo e descendo conforme a rugosidade da superfície. O resultado é uma imagem digital tridimensional da superfície, muito útil para detectar a presença de defeitos de superfície e para determinar o tamanho e conformação de moléculas e agregados ali presentes.
O primeiro microscópio desse tipo foi desenhado pelo cientista alemão Ernst Ruska. A invenção da técnica que permitiu que o mundo “visse” átomos na superfície de materiais e os manipulasse rendeu a Rohrer e Binning o prêmio Nobel de Física em 1986, e originou uma foto que se tornou lendária além dos muros da academia.