Para que Bala Mágica? Use logo uma ARMA mágica, oras!
A proposta do nome Arma Mágica é recente, embora a ideia em si seja mais antiga. Seu argumento é baseado no fato de que o acúmulo do fármaco na região de vascularização do tumor em comparação com as demais regiões do corpo não significa necessariamente que ocorrerá uma distribuição eficiente do fármaco DENTRO do tumor. Note que esses conceitos realmente são diferentes. Lembra do efeito EPR? Se você tem fármaco encapsulado dentro de nanopartículas, e essas nanopartículas que circulam pelo sangue passam por uma região de tumor, elas se acumulam nesse local porque “escapam” da corrente sanguínea devido ao aumento dos espaços entre as células dos vasos da região tumoral – esse aumento localizado da permeabilidade dos vasos sanguíneos garante o acúmulo na superfície do tumor, mas não garante que as nanopartículas penetrarão profundamente nele.
É nesse ponto da história que entram peptídeos contendo a seqüência de aminoácidos arginina-glicina-aspartato. Tais peptídeos são capazes de se ligarem a integrinas (uma família de receptores celulares) presentes tanto no endotélio quanto no parênquima da região tumoral. Há dois tipos, o RGD e o iRGD. Cada letra corresponde a um aminoácido. O i do nome quer dizer que o peptídeo é quebrado depois de se ligar à integrina de um jeito tal que resulta na perda da sua afinidade com a dita integrina e ganho da afinidade por um outro receptor de membrana chamado neuropilina-1 (NRP-1). Quando uma molécula se liga à NRP-1, vai para dentro da célula. Nesse caso, a NRP-1 é como uma porta – para entrar é preciso se ligar a ela, ou melhor, girar a maçaneta. Dessa forma, o RGD pode ser usado para direcionar o fármaco para o local do tumor, mas o iRGD tem a vantagem de direcioná-lo E internalizá-lo.
Fármacos quimicamente ligados a peptídeos iRGD podem ser internalizados no tecido do tumor através desse um mecanismo ativo de endocitose, garantindo uma maior eficácia do tratamento (que ainda está em fase de estudo, não há tal tratamento disponível para a população ainda). Mas o mais interessante na minha humilde opinião é que o fármaco pode ser internalizado sem estar quimicamente ligado ao iRDG. Basta que ambos sejam administrados ao mesmo tempo. Isso é vantajoso porque às vezes modificações químicas na estrutura do fármaco podem comprometer sua atividade biológica. A co-administração do iRGD com nanopartículas contendo o fármaco também teve o mesmo efeito de aumento da eficácia biológica. O nanoencapsulamento se justifica no caso de fármacos com baixa afinidade pela água, pois pode reduzir efeitos adversos do tratamento por evitar o uso de co-solventes. Embora a ideia pareça realmente bastante promissora, ainda há muitas perguntas a serem respondidas quanto ao uso de seqüências iRGD para esse fim. Afinal, testes clínicos ainda não foram feitos, e o que vale para animais de laboratório pode não se repetir tão bem em humanos. É preciso verificar, a partir de estudos clínicos, se efeitos tóxicos não poderiam ser exacerbados pela ligação do iRGD a locais não-tumorais contendo integrinas. E isso não vale só para estudos envolvendo iRGD, mas para todos aqueles que utilizam a estratégia ligante-receptor (também conhecida como vetorização ativa).
Moral da história: renomear uma ideia que não é completamente nova com um nome chamativo e descolado dá o maior ibope.
OBS.: O tema foi dica do Takata
Feron, O. (2010). Tumor-Penetrating Peptides: A Shift from Magic Bullets to Magic Guns Science Translational Medicine, 2 (34), 34-34 DOI: 10.1126/scitranslmed.3001174
Sugahara, K., Teesalu, T., Karmali, P., Kotamraju, V., Agemy, L., Girard, O., Hanahan, D., Mattrey, R., & Ruoslahti, E. (2009). Tissue-Penetrating Delivery of Compounds and Nanoparticles into Tumors Cancer Cell, 16 (6), 510-520 DOI: 10.1016/j.ccr.2009.10.013
Sugahara, K., Teesalu, T., Karmali, P., Kotamraju, V., Agemy, L., Greenwald, D., & Ruoslahti, E. (2010). Coadministration of a Tumor-Penetrating Peptide Enhances the Efficacy of Cancer Drugs Science, 328 (5981), 1031-1035 DOI: 10.1126/science.1183057
Para chegar ao cérebro, só com passe VIP!
Se a última palavra embaralhou, eu explico: barreira hematoencefálica nada mais é que o conjunto de células super-ultra-mega unidas que compõem os vasos sanguíneos do cérebro. Os espaços entre essas células são tão pequenos que praticamente nada as atravessa. Você deve estar pensando: como os nutrientes que estão no sangue chegam ao cérebro, se nada passa pela barreira? Moléculas maiores, como a glicose, passam do sangue para o tecido cerebral através de mecanismos especiais sofisticados, envolvendo “transportadores” que permitem sua passagem de forma seletiva. Moral da história: a entrada de substâncias no cérebro é algo altamente controlado, e não é para qualquer molécula não!
A barreira hematoencefálica é uma complicação a mais para quem desenvolve novas moléculas para o tratamento de doenças cerebrais – é preciso que o fámaco chegue no local da doença para poder agir. Se é difícil fazer uma molécula atravessar a barreira, a nanobiotecnologia pode dar a ela um passe VIP e facilitar as coisas: quando encapsulamos uma molécula em uma nanopartícula e revestimos a mesma com polissorbato 80, conseguimos fazer com que ela atravesse a barreira hematoencefálica e atinja o tecido cerebral.
As setas coloridas, cuja adição na figura é por minha conta, indicam a concentração de fármaco que atravessou a barreira hematoencefálica e chegou ao tecido cerebral. A seta vermelha aponta para o fármaco encapsulado em nanopartículas revestidas com polissorbato 80. Fica evidente que a concentração de fármaco no cérebro, neste caso, é muito maior que aquela proporcionada pela encapsulação em nanopartículas sem polissorbato 80 (seta verde). Por sua vez, encapsular a rivastigmina em nanopartículas sem polissorbato 80 (seta verde) dá o mesmo resultado que administrá-la da forma convencional – sem uso da nanotecnologia (seta amarela).
Uma pequena observação…
Como fica evidente no gráfico, a rivastigmina chegou a outros locais além do cérebro: fígado, baço, pulmões, rins. Isso demonstra que nem sempre é possível atingir o ideal, que é fazer com que o fármaco chegue apenas ao local de ação no corpo (no caso, o cérebro). Embora mais fármaco chegue ao cérebro usando a estratégia do polissorbato 80, o paciente não estará livre de potenciais efeitos adversos causados pela chegada do fármaco em outros locais que não são o alvo, tal qual já acontece em um tratamento convencional que não emprega nanotecnologia.
WILSON, B., SAMANTA, M., SANTHI, K., KUMAR, K., PARAMAKRISHNAN, N., & SURESH, B. (2008). Poly(n-butylcyanoacrylate) nanoparticles coated with polysorbate 80 for the targeted delivery of rivastigmine into the brain to treat Alzheimer’s disease Brain Research, 1200, 159-168 DOI: 10.1016/j.brainres.2008.01.039
Quando a desunião pode ajudar a salvar vidas
Intrigado com o título do post?
Antes que elucubrações filosóficas surjam na sua mente, esclareço que a desunião à qual me refiro é de células. Células? Sim, das células que recobrem a parede dos vasos sanguíneos. O conjunto dessas células é chamado de epitélio endotélio (update 10/11/09: termo gentil e devidamente corrigido pelo Gabriel). Em tecidos sadios, essas células são bem próximas umas das outras. Apenas pequenas moléculas podem atravessar os espaços entre elas, passando do sangue para os tecidos vizinhos. No entanto, em regiões inflamadas ou mesmo em regiões atacadas por tumores, essas células estão menos unidas entre si que aquelas de regiões sadias.
(Origem da imagem: aqui)
Pense comigo: se as nanopartículas passam apenas pela parede dos vasos nas regiões com tumor, a consequência é um acúmulo das nanopartículas no tecido tumoral vizinho ao vaso sanguíneo, certo? O pessoal da área de nanobiotecnologia chama essa estratégia de vetorização de efeito EPR (sigla em inglês que significa permeabilidade e retenção aumentados). A ilustração acima mostra como ocorre acúmulo de nanopartículas em regiões tumorais devido ao efeito EPR.
Terapia gênica e nanotecnologia juntas no combate ao diabetes tipo 1
(crédito: Delogu e col., Bioconjugate Chemistry 2009)
(crédito: Gao e col., NanoLetters 2009)
OBS.: O que está em vermelho foi adicionado em 26/07/09 (23h12min) para tornar o texto mais claro.
Gao, H., Kong, Y., Cui, D., & Ozkan, C. (2003). Spontaneous Insertion of DNA Oligonucleotides into Carbon Nanotubes Nano Letters, 3 (4), 471-473 DOI: 10.1021/nl025967a
Os aviões Stealth do nano(bio)mundo

Melanoma: um alerta a todos (PARTE II)
Aliás, já disse alguém que se fossemos camundongos não morreríamos nunca, de tanto que já se estudou a cura de doenças nesses animais…..
É claro que esses ainda são só dois exemplos de estudos acadêmicos, mas quem sabe a próxima geração possa aproveitar os frutos da nanobiotecnologia e não precise passar por uma cirurgia de remoção do melanoma como a que me submeti, ou mesmo à severidade da quimioterapia tradicional em casos mais graves.
Lu, W., Xiong, C., Zhang, G., Huang, Q., Zhang, R., Zhang, J., & Li, C. (2009). Targeted Photothermal Ablation of Murine Melanomas with Melanocyte-Stimulating Hormone Analog-Conjugated Hollow Gold Nanospheres Clinical Cancer Research, 15 (3), 876-886 DOI: 10.1158/1078-0432.CCR-08-1480
Villares, G., Zigler, M., Wang, H., Melnikova, V., Wu, H., Friedman, R., Leslie, M., Vivas-Mejia, P., Lopez-Berestein, G., Sood, A., & Bar-Eli, M. (2008). Targeting Melanoma Growth and Metastasis with Systemic Delivery of Liposome-Incorporated Protease-Activated Receptor-1 Small Interfering RNA Cancer Research, 68 (21), 9078-9086 DOI: 10.1158/0008-5472.CAN-08-2397
Bala mágica: o que é isso afinal?
A nanobiotecnologia pode contribuir muito para a melhoria da saúde humana por meio da liberação controlada de fármacos no organismo. Pesquisas envolvendo o tema vem sendo desenvolvidas tanto por governos quanto por empresas, no Brasil e no mundo. E o que tem tudo isso a ver com o título desse blog? (não, não, bala mágica não é o que você está pensando….)
Para responder essa pergunta, reproduzo aqui uma parte do artigo “Uma pequena grande revolução: os impactos da nanobiotecnologia na saúde humana”, que foi publicado na Ciência Hoje de dezembro de 2008 (para quem ficar curioso, aí vai o link http://cienciahoje.uol.com.br/134671).
“A maioria dos medicamentos usados nos tratamentos modernos contém moléculas geralmente pequenas (fármacos) que atingem a corrente sangüínea após sua administração, percorrendo todo o organismo. Portanto, os fármacos chegam tanto ao seu alvo quanto a outros lugares do corpo que não têm relação com a doença. Essa última situação leva aos efeitos indesejados dos medicamentos, chamados efeitos colaterais.
Bem-vindos todos os que se interessam pelo assunto!
Grande abraço
Fernanda
UPDATE 29/11/2009:
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