Para que Bala Mágica? Use logo uma ARMA mágica, oras!

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Já me disse alguém que eu adoro um clichê. De fato, bala mágica é um dos cinco clichês científicos abomináveis que devemos jogar num buraco negro (hehehe). Então, que tal fazer um upgrade na expressão (e no conceito) e usar logo de uma vez… uma arma mágica! (Cuidado, hein leitor incauto! Estou bélica hoje)
A proposta do nome Arma Mágica é recente, embora a ideia em si seja mais antiga. Seu argumento é baseado no fato de que o acúmulo do fármaco na região de vascularização do tumor em comparação com as demais regiões do corpo não significa necessariamente que ocorrerá uma distribuição eficiente do fármaco DENTRO do tumor. Note que esses conceitos realmente são diferentes. Lembra do efeito EPR? Se você tem fármaco encapsulado dentro de nanopartículas, e essas nanopartículas que circulam pelo sangue passam por uma região de tumor, elas se acumulam nesse local porque “escapam” da corrente sanguínea devido ao aumento dos espaços entre as células dos vasos da região tumoral – esse aumento localizado da permeabilidade dos vasos sanguíneos garante o acúmulo na superfície do tumor, mas não garante que as nanopartículas penetrarão profundamente nele.
É nesse ponto da história que entram peptídeos contendo a seqüência de aminoácidos arginina-glicina-aspartato. Tais peptídeos são capazes de se ligarem a integrinas (uma família de receptores celulares) presentes tanto no endotélio quanto no parênquima da região tumoral. Há dois tipos, o RGD e o iRGD. Cada letra corresponde a um aminoácido. O i do nome quer dizer que o peptídeo é quebrado depois de se ligar à integrina de um jeito tal que resulta na perda da sua afinidade com a dita integrina e ganho da afinidade por um outro receptor de membrana chamado neuropilina-1 (NRP-1). Quando uma molécula se liga à NRP-1, vai para dentro da célula. Nesse caso, a NRP-1 é como uma porta – para entrar é preciso se ligar a ela, ou melhor, girar a maçaneta. Dessa forma, o RGD pode ser usado para direcionar o fármaco para o local do tumor, mas o iRGD tem a vantagem de direcioná-lo E internalizá-lo.
Fármacos quimicamente ligados a peptídeos iRGD podem ser internalizados no tecido do tumor através desse um mecanismo ativo de endocitose, garantindo uma maior eficácia do tratamento (que ainda está em fase de estudo, não há tal tratamento disponível para a população ainda). Mas o mais interessante na minha humilde opinião é que o fármaco pode ser internalizado sem estar quimicamente ligado ao iRDG. Basta que ambos sejam administrados ao mesmo tempo. Isso é vantajoso porque às vezes modificações químicas na estrutura do fármaco podem comprometer sua atividade biológica. A co-administração do iRGD com nanopartículas contendo o fármaco também teve o mesmo efeito de aumento da eficácia biológica. O nanoencapsulamento se justifica no caso de fármacos com baixa afinidade pela água, pois pode reduzir efeitos adversos do tratamento por evitar o uso de co-solventes. Embora a ideia pareça realmente bastante promissora, ainda há muitas perguntas a serem respondidas quanto ao uso de seqüências iRGD para esse fim. Afinal, testes clínicos ainda não foram feitos, e o que vale para animais de laboratório pode não se repetir tão bem em humanos. É preciso verificar, a partir de estudos clínicos, se efeitos tóxicos não poderiam ser exacerbados pela ligação do iRGD a locais não-tumorais contendo integrinas. E isso não vale só para estudos envolvendo iRGD, mas para todos aqueles que utilizam a estratégia ligante-receptor (também conhecida como vetorização ativa).
Moral da história: renomear uma ideia que não é completamente nova com um nome chamativo e descolado dá o maior ibope.
OBS.: O tema foi dica do Takata

Feron, O. (2010). Tumor-Penetrating Peptides: A Shift from Magic Bullets to Magic Guns Science Translational Medicine, 2 (34), 34-34 DOI: 10.1126/scitranslmed.3001174
Sugahara, K., Teesalu, T., Karmali, P., Kotamraju, V., Agemy, L., Girard, O., Hanahan, D., Mattrey, R., & Ruoslahti, E. (2009). Tissue-Penetrating Delivery of Compounds and Nanoparticles into Tumors Cancer Cell, 16 (6), 510-520 DOI: 10.1016/j.ccr.2009.10.013
Sugahara, K., Teesalu, T., Karmali, P., Kotamraju, V., Agemy, L., Greenwald, D., & Ruoslahti, E. (2010). Coadministration of a Tumor-Penetrating Peptide Enhances the Efficacy of Cancer Drugs Science, 328 (5981), 1031-1035 DOI: 10.1126/science.1183057

Para chegar ao cérebro, só com passe VIP!

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Pode não parecer à primeira vista, mas para um fármaco chegar ao cérebro, ele precisa ser especial. Está pensando que é qualquer um que pode passar pela barreira hematoencefálica?

Se a última palavra embaralhou, eu explico: barreira hematoencefálica nada mais é que o conjunto de células super-ultra-mega unidas que compõem os vasos sanguíneos do cérebro. Os espaços entre essas células são tão pequenos que praticamente nada as atravessa. Você deve estar pensando: como os nutrientes que estão no sangue chegam ao cérebro, se nada passa pela barreira? Moléculas maiores, como a glicose, passam do sangue para o tecido cerebral através de mecanismos especiais sofisticados, envolvendo “transportadores” que permitem sua passagem de forma seletiva. Moral da história: a entrada de substâncias no cérebro é algo altamente controlado, e não é para qualquer molécula não!

A barreira hematoencefálica é uma complicação a mais para quem desenvolve novas moléculas para o tratamento de doenças cerebrais – é preciso que o fámaco chegue no local da doença para poder agir. Se é difícil fazer uma molécula atravessar a barreira, a nanobiotecnologia pode dar a ela um passe VIP e facilitar as coisas: quando encapsulamos uma molécula em uma nanopartícula e revestimos a mesma com polissorbato 80, conseguimos fazer com que ela atravesse a barreira hematoencefálica e atinja o tecido cerebral.

Quer um exemplo dessa estratégia? Pesquisadores da Índia e da Malásia encapsularam rivastigmina, um fármaco usado no combate ao Mal de Alzheimer, em nanopartículas poliméricas. Metade das nanopartículas foi revestida com 1% de polissorbato 80 e outra metade não foi. Ratos foram tratados de três maneiras diferentes: 1) com rivastigmina não-encapsulada, 2) com rivastigmina em nanopartículas poliméricas sem polissorbato 80, e 3) com rivastigmina em nanopartículas poliméricas revestidas por polissorbato 80. O resultado pode ser visto claramente no gráfico abaixo:


As setas coloridas, cuja adição na figura é por minha conta, indicam a concentração de fármaco que atravessou a barreira hematoencefálica e chegou ao tecido cerebral. A seta vermelha aponta para o fármaco encapsulado em nanopartículas revestidas com polissorbato 80. Fica evidente que a concentração de fármaco no cérebro, neste caso, é muito maior que aquela proporcionada pela encapsulação em nanopartículas sem polissorbato 80 (seta verde). Por sua vez, encapsular a rivastigmina em nanopartículas sem polissorbato 80 (seta verde) dá o mesmo resultado que administrá-la da forma convencional – sem uso da nanotecnologia (seta amarela).

A conclusão? Nanopartículas revestidas com polissorbato 80 fizeram com que mais fármaco chegasse ao tecido cerebral – isso é positivo, ja que mais fármaco no local de ação aumenta a eficácia do tratamento. Essa estratégia é válida não só para o Mal de Alzheimer, mas também para tumores e outras desordens cerebrais.

Uma pequena observação…

Como fica evidente no gráfico, a rivastigmina chegou a outros locais além do cérebro: fígado, baço, pulmões, rins. Isso demonstra que nem sempre é possível atingir o ideal, que é fazer com que o fármaco chegue apenas ao local de ação no corpo (no caso, o cérebro). Embora mais fármaco chegue ao cérebro usando a estratégia do polissorbato 80, o paciente não estará livre de potenciais efeitos adversos causados pela chegada do fármaco em outros locais que não são o alvo, tal qual já acontece em um tratamento convencional que não emprega nanotecnologia.

WILSON, B., SAMANTA, M., SANTHI, K., KUMAR, K., PARAMAKRISHNAN, N., & SURESH, B. (2008). Poly(n-butylcyanoacrylate) nanoparticles coated with polysorbate 80 for the targeted delivery of rivastigmine into the brain to treat Alzheimer’s disease Brain Research, 1200, 159-168 DOI: 10.1016/j.brainres.2008.01.039

Quando a desunião pode ajudar a salvar vidas

Intrigado com o título do post?

Antes que elucubrações filosóficas surjam na sua mente, esclareço que a desunião à qual me refiro é de células. Células? Sim, das células que recobrem a parede dos vasos sanguíneos. O conjunto dessas células é chamado de epitélio endotélio (update 10/11/09: termo gentil e devidamente corrigido pelo Gabriel). Em tecidos sadios, essas células são bem próximas umas das outras. Apenas pequenas moléculas podem atravessar os espaços entre elas, passando do sangue para os tecidos vizinhos. No entanto, em regiões inflamadas ou mesmo em regiões atacadas por tumores, essas células estão menos unidas entre si que aquelas de regiões sadias.

E por que essa “desunião” pode ajudar a salvar vidas?

Os fármacos em geral são pequenos o suficiente para atravessar o endotélio em todas (ou quase todas) as regiões do corpo, chegando tanto nas regiões-alvo quanto em outras regiões que não estão relacionadas à doença. Isso origina muitos dos efeitos adversos dos medicamentos, porque os fármacos acabam atuando onde devem e onde “não devem”. No entanto, se esses fármacos estiverem encapsulados dentro de nanopartículas de 50 a 300 nm (em média), eles não serão capazes de atravessar a parede dos vasos de regiões sadias do organismo (o espaço entre essas células é de apenas 15 a 30 nm). Seria como tentar fazer um elefante passar pela porta da cozinha! No entanto, os espaços entre as células de regiões inflamadas ou tumorais é grande o suficiente para permitir a passagem dos elef.. ops, das nanopartículas.

(Origem da imagem: aqui)

Pense comigo: se as nanopartículas passam apenas pela parede dos vasos nas regiões com tumor, a consequência é um acúmulo das nanopartículas no tecido tumoral vizinho ao vaso sanguíneo, certo? O pessoal da área de nanobiotecnologia chama essa estratégia de vetorização de efeito EPR (sigla em inglês que significa permeabilidade e retenção aumentados). A ilustração acima mostra como ocorre acúmulo de nanopartículas em regiões tumorais devido ao efeito EPR.

Quer um exemplo? Pesquisadores da Duke University encapsularam doxorrubicina (um fármaco usado na terapia do câncer) em nanopartículas e observaram uma completa regressão de tumores em ratos, após uma única injeção. O mesmo não foi observado para a doxorrubicina não-encapsulada. Além disso, os ratos toleraram uma dose quatro vezes maior de doxorrubicina quando esta estava encapsulada nas nanopartículas. Essas duas observações (aumento da efetividade e redução da toxicidade do fármaco) são consequência direta da vetorização do fármaco nanoencapsulado por meio do efeito EPR. Embora este ainda seja um estudo em andamento, já há produtos disponíveis no mercado para tratamento do câncer através desse princípio, tal como o Doxil(R).
Fonte sobre o estudo: EurekAlert! (assim que sair o DOI do artigo na página da Nature Materials, publicarei aqui).

Glossário:

Vetorização: promoção do acúmulo de fármaco em um órgão ou tecido específico de forma quantitativa e seletiva, independentemente da via e método de administração.
Vi um link sobre o estudo citado acima via @ciencianamidia (Siga a Tati Nahas no Twitter e fique por dentro de tudo o que a mídia veicula sobre ciência e tecnologia)


Terapia gênica e nanotecnologia juntas no combate ao diabetes tipo 1

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Saiu esse ano na Bioconjugate Chemistry: nanotubos de carbono revestidos com PEG, um polímero hidrofílico (lembra dos Aviões Stealth do Nanobiomundo?), foram capazes de levar oligonucleotídeos antisense até linfócitos T. Lá dentro da célula, esses oligonucleotídeos antisense “nocautearam” um gene (PTPN22) que está relacionado ao desenvolvimento de diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes. Seria a solução tão esperada pelos portadores de diabetes?
A resposta começa nos próprios oligonucleotídeos antisense (ou anti-sentido, como já vi em alguns trabalhos em português).
Essa pequena sequência sintética de ácidos nucleicos pode bloquear a expressão de um gene específico porque é feita para se ligar de forma complementar ao RNAm (que seria a sequência sense, ou sentido) produzido por um gene específico. Quando ocorre essa ligação entre o RNAm e o oligonucleotídeo antisense, o RNAm é inativado. Se não há mais RNAm ativo para informar qual é a sequência correta de aminoácidos a ser sintetizada pelo organismo, a proteína em questão não é produzida. No caso do estudo discutido aqui, essa proteína é um inibidor da ativação de linfócitos T – uma mutação no gene PTP N22 produz um inibidor muito mais potente de linfócitos T que o normal. O crescimento e ativação reduzidos de linfócitos T em comparação ao normalmente observado são fatores que predispõem a diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes, como artrite reumatóide. Por isso, seria bem interessante inibir esse gene em caso de mutação. O problema é que os oligonucleotídeos antisense são muito sensíveis a certas enzimas chamadas nucleases, presentes tanto nas células quanto em meios de cultura e soro. Além disso, devido à sua carga elétrica negativa, dificilmente atravessam a membrana celular (que também tem carga elétrica negativa) – e eles precisam entrar na célula para funcionar!

É por isso que vários laboratórios desenvolveram oligonucleotídeos antisense modificados, com maior resistência às nucleases e/ou com características moleculares que aumentam sua penetração nas células. Outra estratégia (que é a usada nesse estudo) é usar nanotecnologia para inserir a sequência antisense (sem essas modificações) dentro da célula. Os autores usaram nanotubos de carbono-PEG. O PEG serve para aumentar o tempo de circulação da nanopartícula no organismo (do contrário, ela seria rapidamente eliminada). Já o nanotubo de carbono foi uma escolha estratégica. Devido ao seu comprimento ser maior que sua altura, foi possível aproveitar uma grande extensão de sua superfície para ligar mais de um oligonucleotídeo por nanotubo. O nanotubo entrou nos linfócitos T e, apenas dentro das células, liberou os oligonucleotídeos por causa da quebra de ligações chamadas dissulfeto, que prendiam quimicamente o nanotubo e os oligonucleotídeos.

(crédito: Delogu e col., Bioconjugate Chemistry 2009)

Esses resultados são muito interessantes. Mas….. será que a cura através da terapia gênica unida à nanotecnologia é concreta para os diabéticos? Eu acho que HOJE ainda não é. Esse estudo, por exemplo, foi feito em cultura de células e muitas vezes os resultados positivos in vitro não são significativos quando testados em humanos. Além disso, há um elevadíssimo custo se pensarmos na produção em massa desses nanotubos ligados aos oligonucleotídeos – muitas vezes, esse fator é o que torna inviável a comercialização de muitas estratégias terapêuticas interessantes. Outro ponto importante é o risco do uso de nanotubos de carbono em humanos. Um estudo de 2003 publicado na Nano Letters já havia mostrado por simulações de dinâmica molecular que DNA pode se inserir de forma espontânea dentro de nanotubos de carbono em meio aquoso – não vou negar que isso faz pensar a respeito de como nanotubos de carbono vazios poderiam interagir com o nosso próprio DNA…. .

(crédito: Gao e col., NanoLetters 2009)

No entanto, não sou pessimista – acho que muita coisa vai mudar nas próximas décadas. O FDA já aprovou um fármaco antisense, o fomivirsen (Vitravene®), para tratamento de citomegalovirus. Não é encapsulado em nanopartículas, mas apresenta uma modificação na sua estrutura que o torna resistente à degradação pelas nucleases. A própria nanotoxicologia é um campo em expansão. Se não é uma possibilidade concreta para os pacientes hoje (até por uma questão econômica), acho que a união da terapia gênica e da nanotecnologia tem tudo para tornar a vida das pessoas muito melhor nas próximas gerações.

OBS.: O que está em vermelho foi adicionado em 26/07/09 (23h12min) para tornar o texto mais claro.

Delogu, L., Magrini, A., Bergamaschi, A., Rosato, N., Dawson, M., Bottini, N., & Bottini, M. (2009). Conjugation of Antisense Oligonucleotides to PEGylated Carbon Nanotubes Enables Efficient Knockdown of PTPN22 in T Lymphocytes Bioconjugate Chemistry, 20 (3), 427-431 DOI: 10.1021/bc800540j
Gao, H., Kong, Y., Cui, D., & Ozkan, C. (2003). Spontaneous Insertion of DNA Oligonucleotides into Carbon Nanotubes Nano Letters, 3 (4), 471-473 DOI: 10.1021/nl025967a

Gregos e troianos no nano(bio)mundo

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Diz a lenda que a mulher mais bela do mundo era Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta. Quando Páris, príncipe de Tróia, foi a Esparta em missão diplomática, apaixonou-se por Helena e ambos fugiram para Tróia, enfurecendo Menelau (quem não se enfureceria no lugar dele, não é mesmo?). Para pegá-la de volta, os gregos resolveram atacar Tróia. Porem, a cidade só foi tomada graças a um artifício bolado por Ulisses, que fazia parte do exército grego: fingindo ter desistido da guerra, os gregos deixaram “para trás” um enorme cavalo de madeira, que os troianos decidiram levar para o interior de sua cidade, como símbolo de sua vitória. À noite, quando todos dormiam, os soldados gregos que se escondiam dentro da estrutura oca de madeira do cavalo saíram e abriram os portões para que todo o exército invadisse a cidade. Apanhados de surpresa, os troianos foram vencidos e a cidade incendiada.
(história contada na Ilíada, de Homero)

No nano(bio)mundo, também podemos ter soldados, Tróia e um cavalo oco que pode ser um presente de grego… Acha que eu agitei demais no fim-de-semana e estou escrevendo delírios aqui? Na, na, não… Provo para você! Pesquisadores nos Estados Unidos deram uma de Ulisses e usaram um cavalo de Tróia celular para liberar nanopartículas (os soldados) em tumores. Os cavalos foram os monócitos, que são células brancas do sangue responsáveis por eliminar corpos estranhos do organismo. Quando há tumores malignos, os monócitos correm para lá. Passando do sangue ao tumor, os monócitos se transformam em macrófagos e são “educados” a promover a progressão do tumor (é o que chamamos de infiltrado, e que leva a um prognóstico que não é dos melhores). Como ficou evidente, o tumor é Tróia nessa história toda.

Os autores prepararam nanopartículas de cerca de 60 nm, compostas por um núcleo de sílica revestido com ouro. Essas nanopartículas podem absorver luz no infravermelho próximo, gerando calor que mata as células (um efeito semelhante à hipertermia magnética). Um tumor esferóide de células mamárias malignas foi usado como modelo in vitro do estudo. Esse tumor foi incubado com macrófagos e com nanopartículas de ouro. Paralelamente, um tumor incubado apenas com macrófagos foi usado como controle. A fagocitose das nanopartículas de ouro pelos macrófagos, bem como a infiltração dos macrófagos para dentro do tumor foram monitorados por microscopia de transmissão de luz. Os tumores foram irradiados com luz infravermelha e os macrófagos (contendo as nanopartículas) que chegaram no microambiente hipóxico do tumor foram mortos, juntamente com células tumorais das redondezas. Nada aconteceu com o tumor controle. Esse resultado foi visualizado através de uma técnica chamada microscopia confocal, onde imagens tridimensionais de materiais contendo corantes fluorescentes são obtidas. Na figura abaixo, fica fácil entender a analogia da estratégia explicada acima com a história que Homero escreveu por volta do séc. VIII a.C.

(CRÉDITO: Choi e colaboradores, Nano Letters, 7, 3759-3765, 2007)

De acordo com os autores, essa estratégia pode ser útil para uma série de sistemas de liberação de fármacos, e não apenas nanopartículas de ouro. O mais interessante nessa guerra de Tróia biológica é que o ativo (nesse caso, as nanopartículas) não é tóxico para o organismo até chegar no tumor, o que reduz drasticamente os seus efeitos adversos sem comprometer sua eficácia.

Choi, M., Stanton-Maxey, K., Stanley, J., Levin, C., Bardhan, R., Akin, D., Badve, S., Sturgis, J., Robinson, J., Bashir, R., Halas, N., & Clare, S. (2007). A Cellular Trojan Horse for Delivery of Therapeutic Nanoparticles into Tumors Nano Letters, 7 (12), 3759-3765 DOI: 10.1021/nl072209h

Os aviões Stealth do nano(bio)mundo

(fonte: http://www.atfx.org/photos/f117a.jpg)

Aeronaves Stealth são aquelas capazes de refletir ou absorver ondas eletromagnéticas, o que as torna virtualmente invisíveis nos radares. Essa tecnologia foi muito importante durante a guerra do Golfo em 1991. E o que isso tem a ver com nanobiotecnologia? A princípio, nada. Mas os aviões Stealth (ou aviões furtivos, como quiserem) são uma boa ilustração para uma tecnologia de mesmo nome empregada para entregar fármacos no organismo. São as nanopartículas furtivas.
Nanopartículas “não-furtivas” são rapidamente atacadas pelo nosso sistema imunológico através de um processo chamado opsonização. Após esse ataque, elas são rapidamente eliminadas do organismo, como se fossem invasores perigosos (tais como bactérias, fungos, etc). Porém, as nanopartículas furtivas ficam invisíveis aos “radares” do sistema imunológico. O resultado é que elas ficam mais tempo circulando no sangue e, por isso, têm tempo de se acumular em certos alvos do organismo antes da sua eliminação. Alvos muito visados por razões óbvias são tumores. A estratégia Stealth é boa porque pode tornar o fármaco mais efetivo e pode reduzir os seus efeitos adversos. Para que uma nanopartícula seja furtiva, ela precisa ter polímeros hidrofílicos (com alta afinidade pela água) na sua superfície – se fossemos desenhá-las, elas seriam como “escovas” esféricas, onde esses polímeros hidrofílicos seriam as cerdas.
Isso tudo pode parecer algo de uma galáxia muito, muito distante…. Mas a realidade é que essas nanopartículas furtivas já estão disponíveis para quem quiser comprá-las! Um exemplo é o Doxil(R), indicado para tratar câncer de ovário e sarcoma de Kaposi, e comercializado pela Johnson&Johnson; com a seguinte propaganda: “First marketed product to incorporate STEALTH® technology“. O produto é composto por doxorrubicina (fármaco anticancerígeno) incorporado dentro de lipossomas com o polímero hidrofílico poli(etilenoglicol) na sua superfície. A empresa faturou U$ 82 milhões em 2000 com a venda do Doxil(R). Essa cifra subiu para U$ 533 milhões depois de apenas 5 anos !!!!
Nanopartículas furtivas podem ser uma grande viagem, mas também são um ótimo negócio.


(para quem quiser saber mais sobre nanopartículas furtivas e sua interação com o sistema imunológico, recomendo esse artigo publicado na Langmuir em 2006, por Zahr e col.)

Melanoma: um alerta a todos (PARTE II)

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Como eu já havia contado no post anterior, o melanoma é um câncer de pele dos mais letais e seu tratamento nas fases iniciais é cirúrgico. Nos seus estágios avançados, o tratamento é limitado à quimioterapia e à radioterapia. A quimioterapia em particular tem limitações devido à sua falta de seletividade e toxicidade severa. Isso remete à uma frase dita pelo pesquisador Chun Li , do University of Texas M.D. Anderson Cancer Center:
A vetorização ativa de nanopartículas em tumores é o santo graal da nanotecnologia terapêutica para o câncer“.
Eu concordo com ele. A vetorização ativa de nanopartículas é uma das estratégias que mais se aproxima do ideal da Bala Mágica de Paul Erlich. Nessa estratégia, a nanopartícula é decorada (é esse mesmo o termo) com anticorpos, pequenas moléculas, etc, na sua superfície. Depois de administradas no organismo, essas nanopartículas se acumulam no sítio-alvo (no caso, o tumor), liberando o fármaco apenas ali, tal como um míssil teleguiado. Imaginem o impacto disso: se o fármaco fica apenas no tumor e não se espalha por outras regiões do organismo (como a quimioterapia usual), os efeitos colaterais que o paciente sofre são grandemente diminuídos.
Chun Li e colaboradoradores construíram nanopartículas de ouro e equiparam-nas com um peptídeo na sua superfície capaz de encontrar células de melanoma. Ao encontrar a célula de melanoma, a partícula é engolida pela célula e (literalmente) cozinha o tumor quando esse é exposto à luz infravermelha (que pode ser sentida como calor). O estudo foi feito em camundongos.
Um estudo menos recente, mas nem por isso menos interessante, foi realizado por pesquisadores do mesmo centro. Eles mostraram que um receptor particular de trombina (uma proteína do sangue) está presente em grande quantidade em células de melanoma. Quando ativado, esse receptor facilita as coisas para que ocorra metástase. Os pesquisadores prepararam lipossomas contendo um tipo de RNA capaz de impedir que a célula produza esse receptor (para saber mais sobre lipossomas, clique aqui). O lipossoma serviu ao seu propósito e liberou o RNA são e salvo no local do tumor. O crescimento do melanoma foi inibido e a incidência de metástases foi reduzida. Esse estudo também foi feito em camundongos.

Aliás, já disse alguém que se fossemos camundongos não morreríamos nunca, de tanto que já se estudou a cura de doenças nesses animais…..

É claro que esses ainda são só dois exemplos de estudos acadêmicos, mas quem sabe a próxima geração possa aproveitar os frutos da nanobiotecnologia e não precise passar por uma cirurgia de remoção do melanoma como a que me submeti, ou mesmo à severidade da quimioterapia tradicional em casos mais graves.

Lu, W., Xiong, C., Zhang, G., Huang, Q., Zhang, R., Zhang, J., & Li, C. (2009). Targeted Photothermal Ablation of Murine Melanomas with Melanocyte-Stimulating Hormone Analog-Conjugated Hollow Gold Nanospheres Clinical Cancer Research, 15 (3), 876-886 DOI: 10.1158/1078-0432.CCR-08-1480

Villares, G., Zigler, M., Wang, H., Melnikova, V., Wu, H., Friedman, R., Leslie, M., Vivas-Mejia, P., Lopez-Berestein, G., Sood, A., & Bar-Eli, M. (2008). Targeting Melanoma Growth and Metastasis with Systemic Delivery of Liposome-Incorporated Protease-Activated Receptor-1 Small Interfering RNA Cancer Research, 68 (21), 9078-9086 DOI: 10.1158/0008-5472.CAN-08-2397

Bala mágica: o que é isso afinal?

Depois de ouvir as mais diversas perguntas a respeito do que é nanotecnologia e qual seu perigo para a saúde e para o meio ambiente, percebi que há uma carência grande de informações sobre o tema para o público em geral. Muito se fala em nanotecnologia, mas poucos sabem que muitos produtos nanotecnológicos já estão disponíveis no mercado há mais de 20 anos! Por isso, este será um blog de divulgação científica sobre nanobiotecnologia. O que é nanobiotecnologia? Bem, para descobrir é só ler o quadro “Transformando paradigmas”, logo abaixo (esse aí mesmo, em verde).



A nanobiotecnologia pode contribuir muito para a melhoria da saúde humana por meio da liberação controlada de fármacos no organismo. Pesquisas envolvendo o tema vem sendo desenvolvidas tanto por governos quanto por empresas, no Brasil e no mundo. E o que tem tudo isso a ver com o título desse blog? (não, não, bala mágica não é o que você está pensando….)

Para responder essa pergunta, reproduzo aqui uma parte do artigo “Uma pequena grande revolução: os impactos da nanobiotecnologia na saúde humana”, que foi publicado na Ciência Hoje de dezembro de 2008 (para quem ficar curioso, aí vai o link http://cienciahoje.uol.com.br/134671).

“A maioria dos medicamentos usados nos tratamentos modernos contém moléculas geralmente pequenas (fármacos) que atingem a corrente sangüínea após sua administração, percorrendo todo o organismo. Portanto, os fármacos chegam tanto ao seu alvo quanto a outros lugares do corpo que não têm relação com a doença. Essa última situação leva aos efeitos indesejados dos medicamentos, chamados efeitos colaterais.

A nanobiotecnologia pode ajudar a contornar esses e outros problemas. A chave é justamente a faixa de tamanho e o tipo de estrutura dos medicamentos nanotecnológicos, que atuariam como minúsculos dispositivos guiados para liberar o fármaco preferencialmente no seu sítio-alvo (local onde o fármaco age, causando um efeito desejado, como o fígado, a pele ou o cérebro).
Essa seletividade, em geral, não é possível com medicamentos convencionais. A idéia de obter minúsculos dispositivos guiados foi levantada no início do século passado pelo biólogo alemão Paul Erlich (1854-1915), ganhador do prêmio Nobel de Medicina em 1908. O modelo de Erlich ficou conhecido como ‘bala mágica’.”

Bem-vindos todos os que se interessam pelo assunto!

Grande abraço

Fernanda


UPDATE 29/11/2009:

clique na figura para vê-la ampliada

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