A vacina e os aproveitadores
A corrida atual à vacina contra a febre amarela faz-me lembrar do fenômeno oposto – a tendência de pessoas que se consideram “sofisticadas” e “esclarecidas” em não vacinar os filhos.
O fenômeno pode ter várias causas, desde uma vaga desconfiança no establishment de saúde à adesão a superstições “New Age” quanto à natureza exata da relação entre saúde e doença, chegando a preconceitos religiosos e passando por críticas aparentemente científicas ao processo de vacinação (como a suposta ligação, já demonstrada espúria, entre vacina e autismo).
(Abaixo, uma tabela com a evolução mundial dos casos de pólio nos últimos 25 anos. A campanha mundial pela erradicação da doença, por meio da vacinação, teve início em 1988.)
Seja qual for o motivo, no entanto, pais de que recusam a vacinar os filhos tornam-se, na prática, aquilo que estudiosos da teoria dos jogos e economistas chamam de freeloaders ou, em bom português, aproveitadores: gente que desfruta de um bem coletivo sem colaborar com o esforço necessário para criá-lo.
O bem, claro, é a ampla imunização da população contra horrores medievais como a pólio ou o tétano.
No entanto, como a teoria sugere (e os fatos mostram) o freeloading é uma estratégia perigosa: há uma boa chance de que o restante da população se dê conta de que é – aparentemente – possível desfrutar do benefício sem pagar o preço e, então, todo mundo pára de se esforçar. O resultado, claro, é o colapso do benefício.
Sempre que se fala em criar leis, lembro-me de um dito liberal que define lei como “algo que dá ao Estado o direito de mandar homens armados para obrigar alguém a se comportar de determinada maneira”. Com essa definição em mente, digo que a vacinação deveria ser obrigatória por lei.
Muitos pais que não vacinam os filhos apontam para o desenvolvimento saudável de suas crianças como “prova” de que a vacinação é desnecessária ou, mesmo, prejudicial. Isso é o mesmo que dizer que jogar roleta russa é seguro porque, com um revólver de seis tiros, a chance de estourar os miolos é de “apenas” 16%.
E o pior, esses pais fazem isso com os miolos dos próprios filhos – e dos filhos dos outros.
Discussão - 1 comentário
A melhor referência possível e imaginável em português para preconceitos religiosos contra vacinação é o blog do Júlio Severo. Médicos de plantão (ou de folga), refestelem-se com as falácias.