Depois da fé, má-fé

Já postei anteriormente sobre a Campanha da Fraternidade deste ano, mas não dá para deixar de notar a má-fé com que a igreja tenta disfarçar uma posição dogmática doutrinária sua — e que, portanto, não caberia num debate de políticas públicas de nenhum outro lugar além do Vaticano — em uma questão “científica” e “jurídica”.

Citando o cardeal d. Odilo Scherer: “A inviolabilidade da vida humana é definida pela Constituição brasileira e pela Organização das Nações Unidas”. Ou, mais adiante: falando sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, d. Odilo argumenta que, “sendo um ser humano, o embrião não pode ser sacrificado, porque a vida humana não é um bem utilizável”.

Afirmações do tipo, claro, cometem a clássica falácia de petitio principii: assume como já estabelecido um fato que ainda é preciso provar. No caso, que (a) o direito humano à vida se aplica a bolotas micrscópicas de células sem sentimento ou consciência e (b) que esse direito, caso exista nessas condições, se sobrepõe à liberdade da mulher (caso do aborto) e/ou à saúde das pessoas que poderiam se beneficiar com as pesquisas de células-tronco .

Essas duas posições são altamente problemáticas, no entanto, e ao fingir que os problemas não existem, a hierarquia católica age com ampla desonestidade intelectual. Alguns desses problemas eu já discuti em postagens anteriores, como esta.

Para que não achem que estou muito auto-referenciado hoje, menciono outros problemas que são levantados por Richard Dawkins em O Capelão do Diabo. Por exemplo, o fato de que a placenta é um clone do embrião — logo deveria ter os mesmos “direitos” dele — e de que culturas de células cancerosas humanas mantidas em laboratório seriam, pela definição pseudo-científica católica, “seres humanos” também.

Discussão - 1 comentário

  1. Celso Renato disse:

    Essa da Igreja Católica em favor da vida e no mínimo cinismo, nós sabemos. Vamos lembrar só que durante a conquista da América índios eram enforcados em lotes de treze, em homenagem ao Salvador e a seus discípulos. Ou seja, já foram feitos sacrifícios em nome do catolicismo, não? Mas fora isso, se um católico não quiser fazer uso de uma terapia, não faça. Vivo em um país laico quero o direito de, se preciso, fazer uso da terapia com células tronco. Finalmente, se tal pesquisa for proibida no Brasil, pode ter certeza de que os ricos, católicos ou não, viajarão para o exterior para se submeterem a tal tratamento, e os pobres, católicos ou não, vão pagar o pato sozinhos.

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