Vacina e teoria dos jogos

Cada vez menos famílias das “zelites” de que tanto fala (falava?) nosso Amado Líder vacinam seus filhos, diz reportagem da semana passada do Estadão. Isso se deve, em parte, a duas das grandes superstições “intelectuais” de nossa época: a homeopatia (o que é até engraçado, porque a vacina é talvez o único caso em que algo como simila similibus curantur é algo além que uma frase de efeito) e a idéia tosca de que todas as doenças são “psicossomáticas” — que uma pessoa “bem consigo mesma” é virtualmente à prova de balas.
Mas eu acho que exsite uma outra chave para interpretar a queda na cobertura vacinal: teoria dos jogos.  Basicamente, os não-vacinantes são o que, nessa teoria, chamam-se de desertores — pessoas que colhem o benefício de um esforço coletivo sem contribuir para construí-lo.
Um modelo clássico, muito estudado, é um jogo onde cada participante recebe uma verba simbólica (digamos, US$ 2) é convidado a contribuir com uma parte disso para um fundo comum; em seguida, esse fundo é multiplicado por dois (por exemplo) e o produto redistribuído entre os participantes, independentemente da contribuição de cada um.
Os desertores, que inevitavelemente surgem nesses cenários, são pessoas que ou contribuem muito abaixo da média do grupo ou, mais espertamente ainda, não contribuem nada. É claro que um grupomédio ou grande de pessoas pode arcar com um ou dois desses tipos e ainda assim gerar benefícios para quem contribui, mas:
(1) a deserção é contagiosa: uma vez estabelecido o exemplo — de que é possível desertar e se dar bem — colaboradores começam a se converter em desertores;
(2) por causa de (1), logo é atingido um ponto crítico a partir do qual o sistema entra em colapso e ninguém mais recebe benefício nenhum. 
A solução clássica para o dilema é criar um mecanismo de punição, para manter os espertinhos na linha.  A questão com a vacina é o que poderia ser uma punição que não acabe sendo pior que o soneto — e antes que o ponto crítico seja atingido.

Discussão - 9 comentários

  1. Olha, posso estar completamente errado, mas acredito que em grande medida as elites evitam vacinar seus filhos porque as vacinas gratuitas são em geral ministradas em postos de saúde, o que geraria a necessidade de se misturar. Haverá algum dado sobre as vacinas pagas? Não creio ser improvável que boa parte das ceianças da "elite" as recebam em percentagem maior.

  2. Blog Mallmal disse:

    O mais triste é pensar que as maiores prejudicadas são as crianças vítimas da imbecilidade desse tipo de pais... Acabam tendo formas com maior morbidade de doenças como sarampo, catapora e tuberculose...
    Duro morar na Zâmbia...

  3. Paula disse:

    Mas, no caso das vacinas, os desertores podem se dar bem mal, não? Imagine um estrangeiro, ou um desertor viajando para um local de risco? A chance de trazer a doença é grande, e a de vários desertores se lascarem tb.
    E no caso dos caras que tomam as vacinas mais de uma vez, achando que vão ficar mais protegidos? Esses sim merecem o Darwin Award dos caras que vão se ferrar mesmo... é mais ou menos como os investidores da bolsa? Quem mais aplica, mais se ferra (neste momento?)

  4. glenn disse:

    desde que apenas aqueles que não se vacinarem sofrerem as consequências, por mim tá ótimo, afinal cada um tem o direito de ser o idiota que quer - e obviamente arcar com as consequencias da sua própria idiotice.

  5. João Carlos disse:

    Eu sigo o Ítalo: não é verdade que as "zelites" não vacinem seus filhos. Como têm acesso a Planos de Saúde e recursos para custear vacinas de qualidade (supostamente) superior, elas apenas não participam das campanhas públicas de vacinação. (Mesmo porque as "Cadernetas de Vacinação" são documentos obrigatórios para matrícula em qualquer escola, inclusive as particulares frequentadas pelos pimpolhos das "zelites").

  6. Não podemos nos esquecer que parte desse pensamento imbecil tem a ver com uma paranóia nos EUA, segundo a qual algumas vacinas seriam responsáveis por casos de autismo (o causador seria o timerosal, um conversante à base de mercúrio, já em desuso), mas nenhum estudo comprovou essa associação.
    Já encontrei muita gente que diz que nunca vacinou ou não vai vacinar os filhos. Sinceramente, dá vontade de bater.

  7. João Carlos disse:

    (Esqueci de dizer...) Não conheço um só médico homeopata que argumente que vacinas sejam dispensáveis... E conheço pessoas bastante saudáveis que - sempre que possível - dão preferência à homeopatia.
    Acredito que - tal como no caso das "terapias alternativas - o que existe é muito embuste disfarçado de "homeopatia". E falta de pesquisa séria e isenta sobre o assunto.

  8. Ulisses Adirt disse:

    Oswaldo Cruz já mostrou como resolver o problema em 1904. 😉

  9. Pessoas que evitam a vacinação colocam a MINHA vida em risco.
    Nem sempre a vacina é eficaz em 100% e existe uma possibilidade de alguém vacinado ficar doente.
    As pessoas quem não tomam a vacina podem formar uma ponte de transmissão de doenças.

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