Lógica, ciência a cidadania

Quando comecei no jornalismo, lá se vão uns 20 anos, eu era um repórter genérico: cobri assalto a posto e gasolina, enchente em favela, fiz a ronda do velório (ei, a coluna de obituários não se escreve sozinha!) mas, no fim, acabei estacionando na cobertura de política, onde passei uns dois ou três anos, e que abandonei desiludido e de estômago virado.
Por favor, não imagine que isso significa que tenha me tornado um defensor fanático do voto nulo ou coisa assim. As alternativas disponíveis ao processo democrático (que sempre pode ser aperfeiçoado, é claro) são ditadura ou guerra civil, e nenhuma delas é mais atraente do que o que temos.
O que me fez perder o gosto por política — atividade que hoje encaro como um remédio amargo, coisa necessária mas nem por isso agradável — foi a profunda, generalizada e descarada desonestidade intelectual dos participantes: o discurso político é uma fonte inesgotável de de falácias e de non-sequiturs, onde o espírito de torcida organizada esmaga qualquer pretensão de respeito à verdade, à lógica ou à inteligência do ouvinte.
Um político falando talvez seja a epítome daquilo que o filósofo americano Harry Frankfurt definiu como bullshiter: alguém que não liga se o que diz é verdade ou mentira, e só se importa com a função das palavras como ferramentas manipuladoras de emoção.
Curiosamente, a mesma sensibilidade que me afastou da política me aproximou da ciência: aí está uma atividade onde os participantes não são perfeitos – a raça humana como um todo está muito longe disso – mas onde as regras do debate inteligente e honesto são respeitadas (ou, ao menos, onde são mais respeitadas do que em qualquer outro tipo de empreendimento que eu conheça).
Dei esta volta toda para chegar à recente onda de escândalos no Senado, que degenerou rapidamente em uma série de tu quoque – a falácia de tentar se defender de uma acusação não produzindo argumentos relevantes ou evidências idem, mas dizendo que o acusador também tem culpa no cartório. Como se um assassino, digamos, não pudesse ser testemunha ocular de um assalto, ou vice-versa.
O que me pôs a pensar: se as pessoas em geral estivessem mais familiarizadas com as regras do discurso lógico e da prática científica, elas provavelmente não engoliriam esse tipo de jogo de cena. Se os jornalistas que cobrem política também tivessem esse tipo de familiaridade, talvez conseguissem ser mais incisivos. Darwinianamente, isso poderia vir a gerar políticos melhores.
Essa familiaridade, claro, tem de vir da educação. E o mais engraçado (ou triste) é que o potencial já está lá.
O primeiro livro de ciências em que estudei, acho que na 4ª série do primário, dedicava um capítulo inteiro a tentar convencer as crianças, por meio de argumentos e experimentos, de que o ar existe. Do alto de minha sabedoria infantil, achei aquilo uma bobagem: é claro que o ar existe. Para quê discutir isso? O professor também não ajudou muito: passou por cima dos argumentos, não realizou nenhum dos experimentos e simplesmente nos remeteu ao questionário de 10 perguntas ao final do capítulo.
Hoje, entendo que aquele capítulo era uma ferramenta para estimular o ceticismo e o senso crítico, para ajudar a moldar uma perspectiva científica do mundo. Pena que o professor tenha optado por não usá-la – fossem quais fossem seus motivos – e tenha tudo acabado em um questionário bobo de 10 perguntas para decorar.

Discussão - 5 comentários

  1. Igor Santos disse:

    Eu tive uma professora no primeiro ano primário que disse "se o homem é um macaco que desceu da árvore, porque não existem macacos descendo de árvores hoje em dia e virando gente?".
    Uma professora.

  2. sombriks disse:

    haha, gostei do começo sobre os políticos.
    tinha um fortune q vinha no meu console vez por outra que nos ensinava a detectar quando um político estava mentindo:
    - se ele mexer as sobrancelhas constantemente, ele não está mentindo
    - se ele coça a ponta da orelha, ele não está mentido
    - se ele evita olhar você olho no olho, ele não está mentindo
    - se ele abrir a boca e começar a mexer a língua, aí sim, ele está mentindo.

  3. Soalo disse:

    É a preguiça, segurança e comodidade de nossa sociedade, que faz com que as pessoas sejam assim, leigas e desleixadas.

  4. Kitagawa disse:

    Um político que falasse a verdade seria melhor? O problema é que nem eles sabem mais o que há de verdadeiro ou falso no que dizem. Acho que mais que o discurso verdadeiro e o falso, para o político há o conveniente e o inconveninete, e seja qual for a intenção dele, tudo depende dele assumir o discurso mais conveniente para que seus objetivos sejam alcançados, seja roubar, ganhar mais poder ou mesmo tornar o país melhor. Por isso, a principio tudo o que o politico fala em publico não passa de discurso, de retórica, nada a ver com transparencia, tudo é pensado de antemão segundo as consequencias politicas em que seu discurso irá se desdobrar. Até chegar o momento que nme é preciso pensar, ele mente espontaneamnete, talvez até ache que está sendo sincero. Se voc~e tira a mascara retórica de um político é capaz de não sobrar nada. Um político que fala a verdade falaria o que? "Não vou com a cara de tal partido, mas nos aliamos para ter mais tempo na TV"? Isso seria incoveniente demais. Tem que dizer que existe objetivos programáticos em comum, etc.

  5. Carlos Hotta disse:

    Eu acho que desonestidade intelectual é pior que ignorância...

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