Telefone no banheiro?

Será que é verdade que entrar no banheiro aumenta a probabilidade de o telefone tocar?
Esse parece ser um caso clássico do viés de disponibilidade, a tendência psicológica que temos de nos lembrar de eventos salientes (o número de vezes em que fomos perturbados no banheiro pelo som distante do aparelho tocando na sala) e deixar de lado o número, provavelmente muito maior, de vezes em que (a) usamos o banheiro sem sermos interrompidos ou (b) o telefone toca enquanto estamos fazendo alguma outra coisa.
O ideal para resolver a questão seria realizar ma série de experimentos controlados e contar quantas vezes o telefone toca enquanto nossos voluntários estão no banheiro e comparar com a frequência correspondente a outras atividades (fazendo um lanche, tomando café, blogando… ). Como é improvável que a Fapesp venha a financiar um projeto assim, apelemos para a segunda melhor coisa: uma estimativa numérica com valores chutados.
Suponhamos que um ser humano adulto, da parte do planeta onde as pessoas têm acesso a telefones e banheiros, passe cerca de uma hora diária realizando atividades que ocorrem em banheiros — da satisfação das necessidades fisiológicas a coisas como tomar banho, pentear os cabelos, escovar os dentes, etc.
Neste ponto, alguém poderia surgir com a objeção sexista de que as mulheres tenderiam a puxar a média para cima, mas vou ignorar isso.
E o telefone, quando toca? Pode tocar a qualquer hora, mas é razoável supor que a maioria das ligações ocorra numa faixa de 13 horas, digamos que das 9h às 22h, ou de pouco depois do início do horário comercial até o último momento onde ainda é educado ligar para os amigos para dar um olá.
Bem, então telefonemas podem ocorrer durante cerca de 55% do dia, e uma pessoa média passa 4% do dia no banheiro. A chance desses 4% estarem incluídos na mesma faixa dos 55% é bem alta — a maioria das pessoas, afinal, não molha a cama. Vamos supor que seja 100%, só para efeito de argumento.
O próximo ponto é estimar quantos telefonemas uma pessoa recebe ao longo das 13 horas de “concentração”. Provavelmente é mais de 1 e menos de 100 (a menos que você seja um corretor da bolsa), o que, fazendo uma média geométrica, dá 10. Dez telefonemas ao longo de 13 horas sugere uma média diária de (apenas!) 3 horas sem nenhum telefonema. Logo, a chance de uma pessoa escolher uma hora para ir ao banheiro na qual o telefone não vai tocar é de 3 em 13, ou 23%. Isso significa que há 77% de chance de o telefone tocar durante uma hora em que você estará no banheiro!
Opa, opa, opa. Uma coisa é a mesma hora (intervalo de 60 minutos), outra é o mesmo instante. Numa mesma hora, digamos, das 14h às 15h, é perfeitamente possível que você vá ao banheiro, faça o que precisa fazer e depois volte à sua mesa (ou à sala, ou ao quarto) e só então o telefone toque. Isso porque a hora passada no banheiro que estimamos é, na verdade, uma soma do tempo no chuveiro ou na pia com as visitas aleatórias ao mictório e ao vaso. Só muito raramente essa “hora” ocupará, de fato, uma única hora contínua.
Bem, então: há 77% de chance de o telefone tocar numa hora em que você também precisará ir ao banheiro. Qual a chance de haver uma sobreposição de eventos, dentro dessa hora?
Suponha que você gaste 20 minutos no chuveiro (não deveria, é um desperdício de água, mas vá lá). Vinte minutos são 33% de uma hora, então a probabilidade acumulada é de 33% de 77%, ou 25%. Há uma estimativa de que as pessoas dedicam cerca de 15 minutos diários às necessidades fisiológicas. Então, a chance de o telefone tocar nesse intervalo é de 25% (um quarto de hora) de 77%, ou 19%.
Já a chance de o telefone tocar enquanto você estiver se dedicando a atividades sanitárias sortidas (escovando os dentes, lavando o rosto, penteando o cabelo) é de 41% (a porcentagem da “hora de banheiro” ocupada pelos 25 minutos restantes) de 77%, ou 31%.
E qual a chance de o telefone tocar quando você não estiver no banheiro? Bom, isso é a chance de ele não tocar durante o banho (75%), nem durante o período das necessidades mais urgentes (81%) e sequer na hora de escovar os dentes ou usar o secador de cabelo (69%). O acumulado total é de de 42%. Ou seja, há quase 60% de chance de que, sim, o telefone toque enquanto você está no banheiro…
Algo errado nisso, não? Digo, se fosse verdade, seis de cada dez telefonemas ocorreriam enquanto o destinatário está passando fio dental, na ducha ou com as calças arriadas. Muito esquisito.
O erro talvez esteja em considerar as “atividades sortidas” como sendo um bloco sólido de 25 minutos… E não, como seria mais correto, como eventos mais curtos, espalhados ao longo das 13 horas de telefone ativo.
Diluindo 25 minutos aos longo de 13 horas, temos 2 minutos por hora: uma probabilidade de 3% de que, dado um instante qualquer, a pessoa esteja no banheiro para lavar as mãos ou delinear os olhos. Fazendo 3% de 77% (probabilidade de a hora ser uma hora de telefonema) temos 2%.
Com essa correção, a probabilidade geral de você ir ao banheiro sem ser incomodado pelo telefone sobe de 41% para 59%.
Dá para reduzir ainda mais isso, diluindo os 15 minutos de necessidades fisiológicas da mesma forma (o que não faz lá tanto sentido: talvez o melhor fosse dividir esse bloco de 15 em dois blocos de sete e meio ou três de cinco, mas aí a conta ficaria um pouco complicada demais… tipo, de quantas maneiras diferentes é possível extrair cinco minutos consecutivos, apenas três vezes, de um bloco de 13 horas? Eu não quero calcular isso).
Então…quinze por 13 é 1,15 minuto por hora, ou 1,9%. A probabilidade final, levando os 77% de chance de a hora ser uma hora de telefonema, é de 1,4%. E a chance global de você poder ir ao banheiro sem ser incomodado pela campainha dispara a 72%. Ou: cerca de dois telefonemas de cada dez irão encontrá-lo, em média, no WC.
NOTA IMPORTANTE:
Esse cálculo todo não passa de um chute produzido para fins de entretenimento. Não deve ser levado a sério. O autor não se responsabiliza por danos ou prejuízos causados pelo uso dos resultados apresentados no mundo dos negócios ou na vida pessoal/afetiva de ninguém!

Discussão - 4 comentários

  1. Igor Santos disse:

    Ótimo!
    Como eu não tenho telefone fixo, apenas celular, eu só seria realmente incomodado enquanto estivesse tomando banho.
    Meus banhos duram de cinco e sete minutos e eu tomo dois por dia.
    Três por cento?

  2. João Carlos disse:

    Hmmm... Aqui em casa há duas linhas de telefone fixo, o que parece não aumentar as chances. Murphy só ataca quando me esqueço de levar os handsets (ambos têm aparelhos sem fio, claro) para dentro do banheiro.

  3. Silvio disse:

    O banheiro é um lugar sagrado. Deveria ser proibido ligar para as pessoas enquanto elas estão no banheiro. Enquanto isso não acontece, é só desligar esses aparelhos dos infernos e fazer o que se tem que fazer em paz.
    Que assim seja.

  4. André Mattos disse:

    Seria interessante calcular o provável efeito dos dispositivos móveis como fatores de distorção da trama espaço-tempo, alterando as probabilidades. O campo eletromagético dos chuveiros elétricos alteraria a influência destes dispositivos, modificando as probabilidades (como no comentário acima)?
    Texto muito divertido. 🙂

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