E por que você diz isso?

Um jeito muito eficiente de desviar a atenção num debate é questionar os motivos do interlocutor. Em vez de atacar o argumento do adversário, ataca-se a razão que levou o adversário a lançar mão do argumento.
É uma espécie de culpa por associação: se o argumento A, B ou C parece pôr azeitona na empada de algum grupo dado como “desprezível” — sejam os nazistas, os comunistas ou o exército da salvação — então ele está desacreditado in limine.
A tática tem a vantagem de nos poupar do trabalho de avaliar os méritos do argumento em si.
Essa “falácia do motivo desprezível” (ela deve ter um nome oficial em latim, mas não vai dar tempo de pesquisar agora) é especialmente perigosa quando usada como insinuação: “Mas nós sabemos a que interesses as palavras do Professor Pardal servem”, diz um dos contendores, dando entender que só um imbecil congênito não seria capaz de ver através do véu de dissimulação de Pardal. Não é nada difícil a plateia cair nessa.
O uso do “motivo desprezível” para pôr o diálogo em curto-circuito é parte do arsenal de professores, políticos, sindicalistas, cônjuges, jornalistas… enfim, de todos aqueles que, num dado momento, sentem-se mais interessados em melar a conversa (ou “ganhar” o debate) do que em chegar à verdade.
Evitar essa falácia é um exercício de humildade, já que requer que reconheçamos que até mesmo motivos torpes (ou motivos que nos parecem torpes) podem dar margem a argumentos válidos — ou que um argumento válido pode, prima facie, ser sacado em defesa de um motivo torpe. Nessas horas, por maior que seja a tentação de mudar de assunto, o melhor é esmiuçar a questão.
Afinal, melhor que o conselho de Jesus de Nazaré, que nos diz que pelo fruto conheceremos a árvore, é o de Brás Cubas, que nos lembra de que do esterco também brotam flores.

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