Paradoxo de sexta (24)
O paradoxo da semana passada, o do pensamento positivo ou da oração, se resolve em dois níveis.
No primeiro, como exposto por Robert M. Price em sua análise da literatura de pensamento positivo, The Secret’s Secret (livro provavelmente condenado a permanecer inédito em português para todo o sempre), coisas como uma atitude positiva e preparação psicológica só têm chance de serem realmente decisivas quando o que está em jogo é algo ligado diretamente ao topo da pirâmide das necessidade humanas.
No segundo, também é necessário destacar que esse tipo de preparação só pode ser decisivo quando o que está em jogo não é um recurso muito raro ou único. Digo, estar mentalmente bem disposto pode ajudar você a conseguir um emprego, mas provavelmente não basta para que você consiga aquele emprego.
Ou, na frase atribuída (e confesso que posso estar citando uma lenda urbana) a Roberto Shinyashiki após o fragoroso fracasso da seleção brasileira masculina de futebol nas Olimpíadas de 2000, “o problema é que nesses esportes você tem um adversário“.
Bom, chega de auto-ajuda: vamos ao paradoxo desta semana, que é o Paradoxo do Corvo Negro. É assim: uma vez apresentada a hipótese de que todos os corvos são negros, o princípio da indução sugere que, a cada corvo negro observado, nossa confiança na verdade da hipótese se fortaleça.
A ciência funciona, em grande parte, nessa linha: uma vez levantada a hipótese de que a gravidade desvia a trajetória de raios de luz, toda vez que um astrônomo observa um raio de luz desviado ao passar perto de um corpo de grande massa, a confiança na veracidade da hipótese cresce. É claro que nenhum número de instâncias positivas pode provar algo com o mesmo grau de certeza que uma demonstração matemática, mas um número suficientemente grande de confirmações pode permitir que as pessoas relaxem um pouco e passem a basear toda a infra-estrutura tecnológica da civilização em uma meia-dúzia dessas “verdade indutivas”.
Pois bem.
Logicamente, a fase “todos os corvos são negros” é equivalente a “todos os não-negros são não-corvos”. E não se trata de uma mera conversão formal: afinal, se você excluir todas as coisas pretas, negras ou escuras do Universo e, no que restar, não tiver ficado nenhum corvo, a afirmação de que todos os corvos são negros estará provada — ainda que de um modo extremamente trabalhoso.
Dessa maneira, o poder confirmatório da observação de um corvo negro deve ser equivalente ao da observação de uma coisa que não é negra e também não é corvo… Digamos, de um cisne branco ou de um Corolla prata.
Mas tem mais: um mesmo objeto (o Corolla prata) pode ser, ao mesmo tempo, um “não-corvo não-negro” e um “não-corvo não-verde”. Logo, ele torna mais prováveis tanto a hipótese de que todos os corvos são negros quanto a de que todos os corvos são verdes!
Como uma mesma peça de evidência pode apoiar, ao mesmo tempo, duas conclusões mutuamente excludentes?
Discussão - 2 comentários
Na verdade, a observação de um ser não-negro e não-corvo não nos traz informação alguma sobre a natureza dos corvos.
A indução não pode fundamentar sua validade na existência de um objeto que não seja da mesma espécie daqueles sobre os quais se levanta uma hipótese.
Do pouco que conheço do assunto, até houve algumas tentativas de selecionar as hipóteses que de fato informam algo sobre a natureza dos corvos através da exclusão dos contrários (no exemplo, "todo não-corvo é não-negro" não exclui a hipótese "todo corvo é não-negro", por isso seria irrelevante para provar que "todo corvo é negro), mas o Goodman vai avançar o problema para outro nível com a discussão sobre o Grue, (Nelson Goodman, New Riddle of Induction) e mostrar que não é possível pensar a indução de acordo com a lógica. Segundo ele, os conceitos nas hipóteses científicas devem seu significado ao uso historicamente entranhado (entrenched) na linguagem.