O dilema da bomba-relógio

Esse é um problema lógico muito citado em defesa de práticas e tortura: um terrorista sabe onde está uma bomba-relógio, que explodirá dentro de 30 minutos, matando centenas de crianças. Nessa situação, é lícito torturá-lo?
Talvez a dramatização mais contundente desse dilema esteja no filme Dirty Harry, no qual o detetive Harry Callahan confronta um sequestrador que enterrou uma criança viva — a menina tem apenas mais 15 minutos de ar para respirar, e Harry precisa saber onde ela está agora.
O que esse tipo de consideração faz num blog de ciência? É que em lembro de ter lido, há alguns anos, um artigo que analisa a lógica dessa situação e desmonta o uso do dilema da bomba-relógio (ou do sequestrador) como uma “justificativa racional” para a aplicação da tortura. Estou citando de cabeça, mas o artigo mostra que esses cenários têm algumas premissas ocultas, quais sejam:
1. As autoridades pegaram a pessoa certa. É preciso saber, acima de qualquer dúvida, que o prisioneiro tem a informação;
2. O prisioneiro vai ceder. Tem gente que que simplesmente é capaz de resistir a tudo, ou quase tudo;
3. O prisioneiro vai ceder a tempo.Não adianta nada o cara falar quando já for tarde demais;
4. O prisioneiro vai dizer a verdade. A própria urgência da situação impede que a informação seja checada antes de ser usada e, como a Inquisição provou, pessoas sob tortura podem dizer qualquer coisa que o torturador queira ouvir;
5. O torturador pode existir num vácuo. Isto é, é possível que haja um profissional capaz de identificar as fraquezas do prisioneiro, saber exatamente quanta dor aplicar e e em que partes do corpo para levar aquele indivíduo específico a fornecer a informação precisa em tempo hábil — e que esse profissional não tenha sido treinado em uma instituição especializada em, ora, torturar. E que tenha aprendido tudo isso só em aulas teóricas.
Todos esses pressupostos ocultos são muito fracos — o primeiro, o quarto e o quinto, principalmente, têm baixíssima plausibilidade. O argumento da bomba-relógio tem grande potencial dramático e cria uma boa situação para ser explorada por criadores de histórias de suspense, mas as chances de os cinco pressupostos ocorrerem simultaneamente no mundo real é pequena demais para que ele possa ser realmente levado a sério.

Discussão - 3 comentários

  1. Kim disse:

    Uau, muito boa essa análise do problema. Muito boa mesmo!
    Vale dizer que outro efeito comum é acreditar na validade da tortura (ou qualquer outro método controverso) APÓS ele ter sido aplicado com sucesso em outra situação.

  2. João Carlos disse:

    Do alto de meu pedestal de barro – eu sou milico – posso afirmar que o pior efeito do emprego de tortura é sobre o moral da tropa que a emprega. Uma vez que se "manda a moral às favas", o combatente não consegue mais se ver como um dos "mocinhos" e se, quando convém ao governo, a lei pode ser quebrada, por que não quando convém àquele que "faz o trabalho sujo"?...
    O badalado filme "Tropa de Elite" evita essa questão, omitindo qual teria sido o comportamento do Capitão Nascimento depois que ele conseguiu sair do BOPE...

  3. Liliane Catone disse:

    Adorei esse post. Na verdade, adoro os posts do cretinas sobre dilemas e paradoxos.
    Quanto aos pressupostos, realmente são fracos. Imagina, se eu fosse submetida à tortura, eu diria qualquer coisa o mais rápido possível...

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