Gripe suína, ou o tudo e o nada
Ok, cá estou eu entrando no assunto — tragado pelo hype da mídia, pode-se dizer. Mas o que me interessa é exatamente o hype, e o que ele pode nos dizer sobre a natureza humana neste mundo hipermediado, onde o recurso mais escasso é a atenção humana.
Digo, as pessoas — e não me refiro apenas aos jornalistas e comentaristas, embora eles também sejam salvo prova em contrário, pessoas — parecem ter ajustado uma heurística de distribuição de atenção que funciona assim: ou é a grande cagada do século ou é irrelevante. Não há nada no meio, tipo inspira cautela, requer atenção, é preciso cuidado, etc.
É curioso acompanhar o ciclo:no final da noite de ontem (quando os jornais que circulam nesta manhã estavam sendo preparados para impressão) a tendência era de descontração em relação à gripe suína: poucos casos realmente confirmados pela OMS,
todos os casos registrados no Canadá haviam sido rastreados a pessoas que tinham viajado ao México, o total de mortes parecia superestimado…
Hoje cedo, a internet grita: TRÊS CASOS CONFIRMADOS NA ALEMANHA! e PRIMEIRA MORTE NOS EUA! (um bebê de dois anos).
Fora o interesse humano despertado pela morte do bebê, pode-se atribuir a superexposição da gripe, em parte, a uma reação à falta de manchetes viáveis na madrugada (bolas, as bolsas asiáticas não são tão interessantes assim), mas tendo em vista a relativização do problema empreendida 12 horas atrás, o destaque certamente soa excessivo.
Esse ciclo de boost-and-boom na relevância relativa atribuída ao tema talvez seja uma reação à já citada demanda excessiva que as várias mídias (blogs também…) impõem à capacidade de atenção e concentração do ser humano, mas também pode ser um efeito de defesa contra a cultura do eufemismo em que parecemos imersos, onde “técnicas avançadas de interrogatório” substitui “tortura” e “em busca de novos desafios” representa “desempregado”.
Para não dizer que não explorei a possibilidade de um charuto ser apenas um charuto, acrescento que é perfeitamente possível que um tema de fato ganhe ou perca importância em si mesmo, de acordo com a evolução dos fatos. Mas — até agora — esse não parece ser o caso.
Discussão - 6 comentários
Cretinas, pelo menos esse "hype" é mais interessante do que o "Caso Isabela Nardoni" ou o caso "Eloá"... hehehe
aff... Quando eu era criança, assistir a jornais e/ou lê-los era sinônimo de ser culto, politizado... Atualmente, dá tanto trabalho filtrar as informações úteis que eu estou desistindo dos jornais, das revistas...
Boa. Aguardemos os próximos capítulos...
Bom, acho que paradoxalmente esse alarmismo é que vai impedir que o caso da gripe suína se torne real motivo para tanto. Pois não se trata de algo inofensivo, se a coisa sai do controle, pode matar milhares, talvez milhoes em paises pobres da Africa ou da Asia. Mas como a coisa está sendo controlada, fica a impressão de que o alarde é excessivo. Talvez seja mesmo, mas talvez isso sirva para que a gripe passe rápido e voltemos mais rapidamente à normalidade.
Acho que os especialistas, a imprensa, os orgaos competentes estão um pouco traumatizadas com o estouro da bolha, onde aconteceu o contrario: ninguem deu alarde nenhum e só perceberam quando já era tarde demais. E hoje todos querem bancar o dr. apocalipse.
Acho que podemos chamar isso de "paradoxo da advertência bem sucedida";quando o aviso funciona em evitar o pior, todos pensam que ele foi exagerado.
"Paradoxo da advertência bem sucedida", adorei isso! Ótima definição.
Gostei também, sob a luz desse paradoxo pode se pensar em vários fenomenos da historia recente, desde o "bug do milenio", o "patriot act" e, espero, em relação ao aquecimento global.