Jornada nas Estrelas

Ninguém comentou o filme aqui, ainda? Lá vou eu, então. Tentando manter a taxa de spoilers baixa, direi apenas que os roteiristas acharam um modo bem criativo de zerar o seriado original de TV sem desrespeitá-lo (muito pelo contrário) e que o ator que faz o Dr. McCoy realmente rouba o show: só esse cara já me dá vontade de comprar o DVD.
Cientificamente falando, a trama depende de algo que é chamado de “red matter”, e que parece ser uma espécie de “combo” ficcional de matéria escura com matéria exótica.
Algo parecido já havia sido usado por Greg Bear em sua série de livros iniciada por Eon, nos longínquos anos 80, o que mantém o velho ditado de que os conceitos que aparecem na ficção científica literária só chegam à cinematográfica de 20 a 30 anos mais tarde.
O mais interessante, filosoficamente falando, no entanto, (atenção! isto pode ser um spoiler!) é a presença do Spock “velho” (Leonard Nimoy) no presente do Spock “jovem” (Zachary Quinto). Sempre que vejo uma história de viagem no tempo onde uma pessoa volta ao passado, eu me pergunto: da onde vêm os átomos desse cara?
Digo, não podem ser os mesmos átomos que compõem seu ego passado, certo? Eles já estão em uso, e além disso o corpo humano (e possivelmente o corpo vulcano, também) troca todas as partículas que o compõem a cada, o quê, sete anos?
A resposta óbvia e que os átomos vieram do futuro, mas se esse é o caso, então agora no passado eles também estão em uso, só que em outros lugares — paredes, plantas, naves espaciais, outras pessoas. Para evitar uma violação da lei da conservação da energia, seria preciso que esses átomos fossem arrancados de seus locais atuais para compor o corpo do viajante do tempo.
Isso parece fácil — afinal, uma planta, uma árvore ou uma pessoa não vão sentir falta de um átomo de carbono aqui, um de hidrogênio ali. Mas, e se um átomo de nitrogênio acabar arrancado do DNA de alguém? A materialização do homem no passado pode produzir um ou mais casos de câncer ou de defeitos congênitos!
Outro problema: quanto maior a “distância” viajada em direção ao passado, maior a probabilidade de os átomos estarem muito afastados: neste fim de semana bebi um vinho argentino, o que significa que, hoje, alguns átomos do meu corpo são originários de parreiras de Mendoza; e nem me pergunte a origem do bife do almoço de ontem.
Num universo como o de Jonada nas Estrelas, onde viagens a dobra espacial são corriqueiras, é provável que os átomos que, no futuro, irão se reunir para dar forma ao corpo de Spock estejam, no passado, dispersos por todos os cantos da galáxia. Para dar corpo ao viajante do tempo em sua chegada ao passado, eles terão de percorrer vários anos-luz em poucos instantes!
O escritor Philip José Farmer lidou com essa dificuldade em seu romance Time’s Last Gift, uma das histórias de viagem no tempo mais bem resolvidas que conheço.
Por fim: não me entenda mal. Não estou escrevendo isto para fazer pouco caso do filme, nem com espírito nitpicker. É só que a ficção científica às vezes também é chamada de ficção especulativa, e para mim uma das maiores diversões oferecidas pelo gênero é exatamente essa: a oportunidade de especular.

Discussão - 10 comentários

  1. Carlos Hotta disse:

    Imagina uma história no qual o vilão vai transportando um monte de coisas de várias eras para um ponto único do tempo até o universo colapsar em um nó termodinâmico!

  2. Sergio disse:

    Pois é, eu aprendi com Doctor Who que ficção é pra divertir e não educar. Não estamos falando de documentários científicos.
    Antes eu criticava alguns filmes e séries por não serem realistas, cobrava por não instruírem a população sobre o tema da história.
    Mas me toquei que é pra ser de mentira mesmo, incentivar a imaginação, criar sonhadores.
    Isso de certo modo pode ser prejudicial caso a pessoa leve a sério e acredite que ficção é real, possível num futuro distante ou numa dimensão paralela.
    Eu gostei do filme, me diverti com toda ação, aventura e fantasia. E como fã de toda franquia, achei ótimo o trabalho no enredo. Já que os atores originais já estão caducos ou mortos... hehehehe 🙁

  3. Nossa, fiquei bastante curioso, uma vez q sempre estive instigado de como poder realizar uma viagem no tempo. Pensando atomicamente, talvez nao seja necessario mta coisa, a nao ser um monte de carbono e agua, e a partir dai moldar o corpo do futuro. Seria um conceito de teletransporte, mas com uma variavel tempo embutida. Bem, impossivel nao eh, me parece. Mas eh complicado ...
    Minha sugestao entao eh tratar esse assunto assim como uma impressora faz. Teriamos cartuchos de materia humana, e ao mandar o sinal p/ a "impressora" de viagem no espaco/tempo, ela nos comporiam a partir dai. A minha duvida eh oq fazer com os atomos q sao desfeitos ... pra onde vao?

  4. cretinas disse:

    Que tal algo assim: um cara tranca uma barra de ouro num cofre secreto, viaja 20 anos para o futuro, abre o cofre, traz a barra de volta ao presente e a tranca no cofre -- onde agora haverá duas barras, a atual e sua versão futura. Em seguida, viaja 19 anos pra o futuro, onde encontra as duas barras no cofre, tira uma e a traz de volta ao presente, onde agora haverá três barras. Depois, viaja 18 anos para o futuro, encontra as três barras, pega uma e...
    Bom, é melhor que juros compostos!

  5. Sergio disse:

    E a Primeira Diretriz Temporal vai pro beleléu. Salve-nos Time Cops! =D

  6. Sibele disse:

    Minha modesta contribuição para este interessante debate - o livro de Daniel H. Wilson:
    Where's My Jetpack?: A Guide to the Amazing Science Fiction Future that Never Arrived. New York: Bloomsbury, 2007.
    "Cadê minha mochila voadora? Um guia ao incrível futuro de ficção científica que nunca chegou". Infelizmente, ainda sem tradução para o português...

  7. gabriel-dom disse:

    e como seria o corpo no exato momento se sua materializaçao pela "impressora" do Abuabara? nesse exato momento meu organismo exerce várias funçoes vitais que comprometeriam minha sobrevivencia se fossem desligados. Minhas lembranças. Transportar meus atomos seria o de menos, o que colocaria meus eletrons seguindo cada um o seu caminho para chegar no momento exato ao seu destino? Transportar impulsos eletricos seria o mais interessante. possibilitaria a construçao de um capacitor usando o espaço/tempo como dielétrico. credo

  8. cretinas disse:

    Oi, Sibele! Grato pela recomendação. E já que estamos flando de livros, aqui vai uma peça grátis de ficção científica (está em PDF, mas de graça, oras...)
    http://www.scribd.com/doc/14791268/Nomade

  9. Sibele disse:

    Legal, Cretinas! Vc sabe... eu sou uma defensora intransigente do livre acesso... free for all! 😉

  10. Giovanni disse:

    Não me lembro exatamente onde li isso. Presumindo que seja possível viajar no tempo, uma forma da natureza evitar os diversos paradoxos que poderiam surgir de tal viagem __ incluindo o do viajante que acidentalmente mata seu tataravô, etc. __ seria que a viagem temporal ao passado implicaria também num deslocamento entre universos paralelos. Desta forma, alguém poderia matar “sem culpa” algum antepassado. Isso porque nosso viajante nunca voltaria ao universo de origem. Na ida ele sairia do universo “A” e chegaria no universo “B” ( o universo “B” seria idêntico ao verdadeiro passado do universo “A” a não ser pelos novos átomos introduzidos por nosso viajante). Na volta ele sairia do “B” e chegaria no futuro de “B” ( o viajante pensaria ter retornado ao ponto de partida, porém, rapidamente ele perceberia que sua família não existe e que ninguém o reconhece, é claro, ele matou seu tataravô neste universo. Viajando para o futuro ele não faria o deslocamento entre universos paralelos, estaria preso no universo “B” e exilado eternamente do universo “A”) No par de universos AB a lei da conservação de energia ainda poderia ser aplicada. Que tal?

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