Marina, fé, ciência ou: uma coisa é uma coisa, outra coisa é…

O Estadão desta segunda-feira traz uma página sobre a senadora (e possível candidata à Presidência) Marina Silva, que cita algumas questões polêmicas que envolveram a líder acreana, incluindo sua defesa do ensino do criacionsimo.
Ali, aparece a seguinte frase, atribuída à senadora: “No espaço da fé, a ciência tem todo o acolhimento. Eu gostaria que a fé tivesse o mesmo acolhimento da ciência”. Em que pese o sentido impreciso da expressão “todo o acolhimento”, o que eu queria discutir aqui é o pressuposto, embutido na frase, de que existe algum tipo de equivalência entre os dois campos, de que o “acolhimento” seria uma questão de boas maneiras (tipo, “Senador Fernando sempre dá bom-dia ao senador Pedro. Eu gostaria que o senador Pedro tivesse o mesmo comportamento com o senador Fernando”.)
É importante deixar claro que essa suposta equivalência não existe. O que está em jogo não é, de modo algum, uma questão de boas maneiras ou de diplomacia entre iguais. Resumindo o que poderia ser uma loooonga peroração cheia de ressalvas, circunvoluções e considerações filosóficas, o saldo é: ciência é intersubjetiva e universal; fé é subjetiva e paroquial.
Não importa a quem o templo é dedicado (Zeus, Odin, Espírito Santo, qualquer um dos muito santos ou das várias versões de Maria, Jesus ou de seus músculos cardíacos), se não for construído de acordo com o que ensinam a física e a resistência dos materiais, ele cai. Simples assim. A consagração do templo é uma questão do foro íntimo, do temperamento e da história específicas da comunidade que o erigiu. Já as leis da gravidade e da estática que o mantêm (ou não) em pé são iguais em todo o Universo conhecido e francamente, minha querida, não dão a mínima para foro íntimo, temperamento ou história de quem quer que seja.
O único meio pelo qual a ciência é capaz de “acolher” a fé é como objeto de estudo, mas, quando o resultado não agrada, como no caso do estudo STEP (que indicou que orações prejudicam a saúde de pacientes cardíacos) o que se vê é choro e ranger de dentes. Nenhum “acolhimento”. Já se o resultado tivesse sido positivo, o resultado são páginas e páginas de louvores na internet.
Isto se chama (entre outras coisas) viés de confirmação, a tendência humana de destacar dados que confirmam nossas crenças e fazer pouco caso dos que as ameaçam. Em ciência, é uma falha grave, que volta e meia reaparece, mas nunca deixa de ser combatida; em religião, é apenas o que se espera.

Discussão - 6 comentários

  1. Abrindo a polemica: devem (ou podem) ateus votar em candidatos religiosos para presidente, ou deveriam ser preferidos ateus, nao importa o partido?

  2. cretinas disse:

    Eu diria que a solução está num discurso que Kennedy fez para reduzir os temores que surgiram nos EUA quando ele surgiu como um católico com chances concretas de se eleger presidente: ele disse, simplesmente, que nenhum bispo ou papa ditaria as políticas de um presidente católico, da mesma forma que nenhum pastor deveria ditar as políticas de um presidente protestante. O lugar da religião é fora da política, e a religião do candidato deveria ser irrelevante. Agora, se o candidato x ou y dá mostras de que vai pôr seu livro sagrado acima da constituição, acho que torna-se dever de todos rejeita-lo nas urnas.

  3. Ioldanach disse:

    Lembrando que não existe entre os presidenciáveis algum candidato que se coloque expressamente como ateu.Se for na idéia vote em que for só ateu, então os ateus estarão alijados do processo eleitoral.
    Recordando que também a Marina Silva é a vidraça da vez, já que se colocou como uma com a via alternativa naquela dobradinha PSDB e PT. Logo, vão surgir várias ´falsas polêmicas´ no melhor estilo a que consta do Estadão que você reproduziu aqui.( o falecido Eneas do PRONA,por exemplo,falavam que ele queria a Bomba Atômica para o Brasil )
    É previsível que vão dizer que a Marina é uma ´eco-chata´, sem experiência administrativa, criacionista e o escambau...Vão desfilar um monte de qualidade negativas pela mídea a sabor do freguês , o leitor e eleitor, pode ´escolher´motivos para não votar nela. ( e vão fazer isto com os demais candidato também )

  4. Arthur disse:

    Se o político baseia suas decisões em premissas mitológicas em vez de lógica e fatos confirmados, merece rejeição incondicional. Simples assim.
    A menos que o eleitor esteja intencionalmente avacalhando o sistema, como forma de protesto ou imaturidade.
    Como você mesmo disse, ciência é universal, religião não. Ensinar a hipótese do criacionismo bíblico implicaria que o criacionismo védico está totalmente errado, ambos não tem qualquer confirmação de fatos neles apontados. Em contrapartida a teoria da evolução está repleta de evidências.
    Ensinar algo que não tem confirmação é o mesmo que divulgar boatos. Quero ver quando crianças começarem a inquerir mais informações sobre o personagem criador, se professores vão bater de régua e mandar ajoelhar no milho...

  5. Tene Cheba disse:

    A Fé, este objeto tão amplo, poderosa ferramenta, que atiça as certezas, soterrando as incertezas.
    Afinal quem tem mais fè? O Cristão pagão, ou o Cientista puro e imaculado? A fé em procurar outros absurdos no Universo, iguais a esse planeta. A fé em acreditar, que a vida é rara, mas não paralela no tempo, nem singular. A fé, de que Marte, inósppito Marte, abriga algo além do estéril.
    A fé, de se acreditar, não em Deus,mas na absurda hipótese de que todos os pontos, nos colocaram por aqui.
    Ou, mais fervorasamente, a fé no extremo egoísmo do Universo, egoísta, avarento, ao que parece, nunca saberemos, premiou este ponto sobre o infinito, com a vida, pior,na mais medonha decisão, entre milhões de espécie, premiou apenas uma, com a inteligência.
    Não, devo acreditar na ciência, e, hipocritamente acreditar, que a paridade encontrou a sua exceção, a vida inteligente.Talvez, quem poderá saber, a matéria escura é orgânica, contém os embriôes da vida. Como não ter fé?
    Basta ignorar, o fato relevante, de que nenhuma supernova, está em nossas vizinhanças, ou,...

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