Saúde, beleza e nota de rodapé

É provável que os visitantes do ScienceBlogs Brasil já tenham notado que, de vez em quando, pintam por aqui uns anúncios meio malucos, tipo mapa astral, logosofia ou oração de São Seiláquem para amarrar o amor. Eu nem reclamo muito, já que, dado o título específico deste meu blog, o efeito global é o de uma certa ironia involuntária.
Alguém desavisado poderia achar — eu acho — que se trata apenas de um robô burro, que busca palavras-chave e gruda anúncio de medalhinha da Virgem em qualquer lugar onde a palavra Bíblia apareça mais de duas vezes ao mês, mesmo que seja o blog de um infiel contumaz, onde o Bom Livro só entra para dar mau exemplo.
Mas, se é um robô burro, ele é pelo menos tão burro quanto os promotores de charlatanices “soft” em geral, das que prometem beleza, juventude e quilos a menos sem esforço e a preços módicos. Ou fui só eu que notei que revistas de saúde, mesmo as de conteúdo mais sério, são verdadeiros ímãs de propaganda duvidosa?
Como jornalista, entendo perfeitamente a angústia do dono da editora, que para manter a publicação independente (isto é, sem depender dos favores do governo ou de uma ou duas grandes empresas) às vezes tem de abrir espaço para publicidade duvidosa, e também conheço a voracidade dos contatos publicitários, que se deixados na rua sem guia e focinheira são capazes de vender até o espaço do selinho do editorial principal do Estadão e botar lá um anúncio colorido de casa de massagem.
Mas quando o assunto são revistas de nicho — de saúde, beleza, atividade física, artesanato, etc. — a coisa fica ainda mais complicada porque é difícil imaginar um anunciante que também não seja, ao menos potencialmente, alvo de reportagem. É o problema de se fazer jornalismo de “mundo pequeno”: se o principal anunciante do jornal de Capirópolis do Norte é o dono da imobiliária Tranbik, cursilhista, é preciso muito estômago para dar a notícia de que o filho dele, padre Renivelson Tranbik Júnior, foi preso com o nariz cheio de cocaína e acompanhado de três coroinhas num motel.
Mas, só pra variar, divago. O que eu queria comentar são duas notas de rodapé que encontrei em anúncios de um número recente de uma revista chique de saúde feminina — um de um creme para a pele com duas fórmulas, “diurna” e “noturna”, e outro de uma fórmula emagrecedora. No do creme, as letrinhas miúdas informam:
Baseado em estudo de percepção das consumidoras. Realizado com o creme diurno.
Isso porque o slogan principal do anúncio diz: 84% das mulheres viram uma melhora instantânea na textura e radiância da pele.. Eu deixo aqui um link para o Dicionário do Cético, ligando ao verbete desvio para a confirmação, e a frase imortal de Ben Franklin: “Não há maiores mentirosos no mundo que os charlatões — exceto por suas vítimas”, como pistas para o fato de que a opinião de 84% de um grupo de mulheres sobre as quais nada sabemos, obtida sem controle algum, e que só usaram 50% do produto não vale, numa estimativa generosa, bulhufas.
(Aliás, o que será que aconteceu com as outras 16%? Tremo só de pensar)
O segundo anúncio é de um composto emagrecedor, formado, até onde consegui entender, por suplementos alimentares (chá verde no meio, como sempre) e que traz, de novo em letras miúdas:
O Ministério da Saúde adverte: não existem evidências científicas comprovadas de que este alimento previna, trate ou cure doenças.
Fora o abismo epistemológico aberto pela expressão “evidências científicas comprovadas” — como assim? — o que a advertência realmente quer dizer é, “ninguém sabe se essa gororoba pela qual estamos cobrando os olhos da sua cara realmente funciona. Provavelmente, não”.
A se elogiar, a presença das notas (supondo que alguém interessado nos produtos vá mesmo lê-las e, lendo-as, leve-as a sério). Imagino que a Vigilância Sanitária esteja apertando o cerco a esse tipo de produto, que flerta com o folclore e com a alimentação, insinuando-se — sem jamais se definir — como remédio.
Nos EUA, essas coisas — produtos que têm cara de remédio, cheiro de remédio, fazem promessas de remédio mas que, na letra miúda, se definem como” alimentos” e, assim, escapam da fiscalização mais rigorosa e dos critérios de prova científica impostos aos remédios — já são um problema sério.
E não vejo muita saída: digo, se formos exigir que as autoridades sanitárias apertem de vez a fiscalização sobre os alimentos, logo, logo feijoada e caipirinha só poderão ser vendidas com tarja preta e apreensão de receita. E quem quer isso?

Discussão - 3 comentários

  1. Joey Salgado disse:

    Excelente post!
    Aproveito-o para citar as propagandas e embalagens daqueles alimentos ditos "orgânicos", somente porque não foram cultivados (supostamente) com defensivos agrícolas. Desde quando uma alface não é orgânica? Ela é feita de nitrato de cobre agora?
    Pior ainda: vi recentemente uma reportagem sobre MODA ORGÂNICA, relativa à roupas confeccionadas com algodão cultivado também sem agrotóxicos. O slogan fechava com a frase "por um mundo mais verde".
    Eu que fiquei verde... de tão enjoado, de ler tantas besteiras de cara lavada e sem fundamentos!
    Novamente, excelente post e excelente blog!!!!
    Abraços,
    Joey

  2. Gerson disse:

    Uma que gosto muito é:
    "Você sabia que 80% das bactérias não estão nos dentes?"
    Fico pensando quantas bactérias foram contadas para chegar a este valor. 5?

  3. Igor Santos disse:

    Gerson, eu até já escrevi sobre essa propaganda.
    Dizer que 80% das bactérias não estão, diz absolutamente nada. Pode ser 80, pode ser 100. E que bactérias? As do mundo? Se não estão nos dentes, estão onde?
    Publicidade e propaganda co-habitam o mesmo universo que os desenhos da Warner e filmes de ficcção científica dos ano 40, onde leis físicas e matemática são só sugestões.

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