Down, aborto e os dilemas da liberdade de escolha

Estudo publicado no British Medical Journal mostra que houve um grande aumento no número de diagnósticos de Síndrome de Down na Inglaterra e País de Gales – provavelmente causado pelo aumento na idade média das gestantes – mas uma redução no número de nascimentos de crianças portadoras da síndrome.
A implicação é que, uma vez feito o diagnóstico pré-natal, o feto portador de Down é abortado na maioria (mas não na totalidade) dos casos.
O texto no BMJ é essencialmente descritivo – apresenta os números e tira algumas conclusões práticas deles – mas a questão que fica no ar é a psicológica e bioética: você é mulher. Quer um filho. Espera até os 38, 39 anos para concebê-lo, seja porque precisa cuidar da carreira, porque quer curtir a vida, porque não tinha encontrado o pai certo… Enfim.
Chega o exame de ultrassom, a criança é Down. Você decide interromper a gravidez? É certo decidir interromper a gravidez? (não estou questionando a legalidade da coisa: na Inglaterra pode, no Brasil, não).
Esta é uma daquelas circunstâncias onde uma nova possibilidade tecnológica cria uma situação ética até então inimaginável. E até, aparentemente, mais complexa que a questão do aborto em si.
Mesmo imaginando que a mulher tenha o direito moral (ainda que, no Brasil, geralmente não o legal) de decidir se quer ou não levar uma gestação a cabo, esse pedaço de informação extra – que a gravidez era desejada e seria levada a cabo, se o feto não previsse uma criança excepcional – parece criar um complicador.
Um analista poderia dizer que a mulher que age assim está tratando a criança como se ela própria, a mulher, não passasse de uma criança egoísta e birrenta, que decide que não quer brincar mais depois de se comprometer com o jogo.
Outro analista poderia dizer que não existe criança nenhuma nessa história: o que há é um feto que, caso se desenvolva por completo, dará origem a uma criança com limitações importantes. Uma vez prevista a situação, o mais sábio evitá-la.
Pessoalmente, imagino que uma decisão do tipo é pessoal demais para permitir algum tipo de regra geral e que o método britânico, de deixar a possibilidade em aberto pra que a mulher faça uma opção de acordo com suas próprias luzes, é o mais acertado.
Afinal, da mesma maneira que o governo poderia proibir o aborto, ele também poderia exigi-lo – para cortar gastos em educação especial, por exemplo.

Discussão - 13 comentários

  1. Silvia disse:

    Eu acho que o grande problema do aborto em caso de anormalidades detectadas pelos exames possibilitados pela tecnologia moderna é a margem de erro. Falsos positivos ocorrem, e quem garante que o feto tem mesmo uma anomalia? Acho delicada a questão, muito.

  2. AC de Souza disse:

    Como analista do problema, não exito em fazer coro com os que acreditam que, pelas questões: das limitações, educação especial e bla, bla, bla, o mais sábio é a opção pelo aborto(THIS IS SPARTA!).
    Como pai, eu não saberia o que fazer, nem o que pensar... 🙁
    [],
    AC

  3. Luis Brudna disse:

    Vi que falaram sobre isso na TV, em um jornal.
    Mas em nenhum momento mencionaram a existência de aborto.
    Tabu?

  4. Kitagawa disse:

    Essa questão não me parece nada delicada. Um portador de sindrome de down tem direito à existencia quanto qualquer outro ser humano. Portanto me parece incoerente e extremamewnte ofensivo que excepcionalmente se permita o aborto em caso de down. Ou se permite em todos os casos ou não se permite em nenhum. Eu pessoalmente acho que o aborto deve ser permitido até um certo grau de desenvolvimento do feto, tenha down ou não. Mas fazer essa distinção no caso de down, me parece tão abjeto quanto fazer distinção no caso do feto ser feio, caso a ciencia tivesse meios para fazer esse tipo de detecção. O caso da anencefalia é outra coisa: o feto não tem perspectica nenhuma de sequer existir.

  5. cretinas disse:

    Oi, André... Mas é exatamente aí que a questão fica delicada: a lei (no caso, britânica) é cega em relação ao estado de saúde do feto: o aborto é permitido sempre. Quem não é cega é a gestante. O problema não é jurídico, é pessoal: a mulher deve levar esse tipo de informação em consideração ao decidir manter ou interromper a gestação? Se não deve, como impedi-la? O Estado tem a prerrogativa de dar palpite?

  6. Kitagawa disse:

    Perdão, "Cretinas", não sabia disso. Nesse caso, acho que se a lei britanica permite o aborto de maneira geral, não cabe a ninguém ficar julgando as reais motivações que levam uma mulher a optar por ele. Não acho que abortar por causa da sindrome seja melhor ou pior do que abortar um feto "normal" porque a mulher decidiu que prefere viajar no fim do ano, ou porque prefere comprar um carro novo em vez de pagar a educação do rebento. É como na questão da liberdade de expressão: se queremos ter direito a ela, temos que aceitar que os idiotas também a terão para expressarem suas idiotices, ponto.

  7. Cret, sem post inspirou o meu aqui:
    http://comciencias.blogspot.com/2009/10/aborto-um-passo-por-vez.html
    Kitagawa, acho que o que você está dizendo é que, em um pais com aborto legalizado, é legal fazer aborto não importa o estado médico do feto (ou seja, eugenia como escolha privada).
    O que o Cret está discutindo não é a legalidade, mas a ética ou moral dessa escolha. Ou seja, nem tudo o que é legal é moral, nem tudo o que é moral é legal, juridicamente falando...
    E a ciência entra na história por permitir acesso a novas informações. Por exemplo, se for comprovado que o gene DUF 1220 realmente favorece o autismo, o nerdismo e as tendencias ateistas, é moral para pais religiosos abortarem o feto por ele ter predisposição ateísta? Que é legal juridicamente na Inglaterra, nós já sabemos disso... A questão é se é uma escolha ética (sim, a Ética como disciplina filosófica existe e não pode ser reduzida à Ciência!)

  8. Eu sei que o SBB nao aceita comentarios com links, mas tentaarei mandar deste jeito aqui (referencia ao gene DUF 1220:
    http://comciencias.blogspot.com/2009/09/testando-hipotese-de-correlacao-entre.html

  9. Igor Santos disse:

    No fim das contas, quem tem que decidir é a mãe.
    Se ela não quer uma mercadoria defeituosa e não pode devolver, só resta jogar fora antes de criar despesas extras com conserto.

  10. André T. disse:

    Tarde!
    Tomei a liberdade de linkar o post em um comentário rápido que fiz sobre esse assunto e alguns outros que me parecem correlacionados em um contexto maior.
    Essa questão é cabeludíssima. Eu acredito que, no lugar dos pais, não faria o aborto (na verdade, acredito que não faria aborto nenhum em nenhuma circunstância, mesmo sendo a favor da legalização) - mas não acuso quem faz, não acho condenável. É uma decisão válida.
    Um jeito mais light de ver a questão é pensar em situações em que há várias 'opções' de filhos e você pode escolher uma dessas opções baseado em genótipo/fenótipo: cor dos olhos, predisposições a doenças, enfim. E também não acredito que isso seja condenável, mesmo sabendo que muita gente não partilha da minha modesta opinião.

  11. Kitagawa disse:

    Osame, se é anti ético abortar um feto por ter down, então anti ético é o aborto em si. Afinal, qual critério seria ético para abortar? Para economizar dinheiro? Para poupar aborrecimentos? E por acaso a mulher tem que dar satisfação sobre o critério?
    Sim, estou ciente de que a questão aqui pra vcs é começar haver algum tipo de seleção genética prévia. Mas nesse caso específico, está se atuando dentro das regras convencionais aceitas. Ora, a própria mulher já começa a fazer essa seleção prévia ao escolher seu parceiro. Se uma mulher branca quer ter filhos brancos, ela vai buscar um marido branco. Isso é anti ético?
    Ok, vamos falar do que pode acontecer mais pra frente, quando a mulher poderá optar mais diretamente por determinada "configuração" do filho. Nesse caso, tendo à visão mais aberta do André T: não acho que seja a principio anti ético escolher o que tende a ser mais saudável (ou vão dizer que mais ético seria escolher um que tenha mais predisposição a certas doenças?). No que se refere a cor do cabelo ou dos olhos, não acho isso o fim do mundo. Se pais querem filhos loiros ou negros, problema deles. Talvez o problema esteja em possíveis consequencias negativas sobre a coletividade, como haver muito mais homens que mulheres. A questão da ética, portanto, talvez não esteja nas escolhas pessoais dos pais, mas na questão do acesso dos pais a certos tipos de escolhas. Aí, tem que ver os detalhes dessa história, que, confesso, conehço pouco. Mas eles optarem por fetos sem "down", não vejo problema ético nenhum.

  12. Kitagawa, a questão é que não definimos o que é etica. Existem várias éticas, cada uma baseada em um conjunto de postlados diferentes. A sua corrente ética é um Utilitarismo baseado na mãe. Não vi a questão do pai ser discutido. Por exemplo, dado que o pai vai ter que pagar pensão, e dado que ele não quer o filho (perfeitamente saudável) porque quem sabe a mulher o enganou e engravidou sem que isso fosse consensual, não seria ético o pai pedir que a mae abortasse? Ele não quer ser pai, então porque deveria ser obriagado a ser pai defvido a um capricho da mãe?
    A outra questão que estamos discutindo é se fetos tem direitos humanos, ou a partir de que idade eles tem (alguns) direitos. Para começar: Bebês recém nascidos tem direitos humanos? por que? Bebes prematuros tem direitos hhumanos? Por que? Por que um bebe prematuro de 7 meses teria mais direitos humanos do que um feto de 8 meses? Esta é a questão.
    Direitos humanos são convenções, não vem de Deus! Logo, se por um plesbicito, a sociedade decidir que fetos de 1 mes tem direitos humanos, o aborto depois de 1 mês fica sendo ilegal. Você concorda? Independentemente de qualquer consideração cientifica, pois quem define quem tem direitos humanos é a sociedade, não os cientistas.
    Se a sociedade quiser dar direitos "humanos" para os primatas superiores, nenhum argumento de primatologia vai poder contestar essa decisão, porque a prerrogativa de dar direitos a animais ou a fetos é uma prerrogativa da sociedade, dos juristas, e não dos cientistas... Ou você acha que é possivel deduzir principios legais ou éticos a partir da ciencia? O Direito e a Jurisprudência são ciencias naturais????

  13. Ética Total disse:

    Crianças Down serão eternamente crianças... pais com filhos de 25 anos terão que tratá-los como se tivessem 7, a vida toda... um grande sofrimento para a família, uma vida limitada para o down! Na minha opinão o casal ou a mãe tem sim o direito de escolher qual dos 400 óvulos ira findar num filho.. Os pró-vida fazem grande alarde para que todos os fetos nasçam, mas depois não fazem uma vírgula para ajudar a criar, limpar, e tentar educar... é fácil lutar pela "vida" e depois não ter responsabilidade alguma sobre este ser.
    É pela ética q devemos discutir e criar regras para o aborto, pois, os ricos sempre farão abortos seguros (mesmo q ilegal), enquanto os pobres enfiam agulhas de tricô para abortar, gerando enormes problemas pra todos e provocando atos menos humanos do que alguns julgam ser a decisão do aborto.

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