Átomos no espaço!

O presidente da Federação Russa, Dmitry Medvedev, manifestou apoio aos planos da Roscosmos – a agência espacial do país – de projetar e construir uma nave espacial com propulsão nuclear. Isso fez arrepiarem-se os cabelos na nuca de muita gente, de ativistas contra armas atômicas a ambientalistas. Para complicar mais as coisas, nenhum detalhe da natureza exata da proposta foi divulgado, o que abre caminho para especulações de todo tipo.
Energia nuclear, claro, já é usada no espaço. Sondas da Nasa enviadas para além da órbita de Marte dependem de RTGs (geradores térmicos de radioisótopo) para funcionar. Esses RTGs se valem o calor gerado pelo decaimento do plutônio para produzir eletricidade. O Mars Science Laboratory, um robô teleguiado do tamanho de um jipe, que deve ser enviado a Marte na próxima década, dependerá de RTG para funcionar, já que será pesado demais para rodar exclusivamente com energia solar.
RTGs são ubíquos, mas também polêmicos. Uma das primeiras grandes campanhas de mobilização da opinião pública desencadeadas via internet, nos idos dos anos 90, foi exatamente a STOP CASSINI, onde um bando de nucleófobos tentou impedir o lançamento da sonda Cassini porque ela usava RTG.
RTGs, no entanto, são apenas uma pequena parte da história, e provavelmente não é disso que os russos estão falando — seria um anticlímax e tanto, dado o caráter “arroz de festa” dessa tecnologia.
O mais provável é que a Roscosmos esteja pensando num foguete térmico nuclear, que basicamente representa a consubstanciação da ideia de usar um reator nuclear para aquecer e acelerar o propelente do foguete.
Foguetes, claro, funcionam por conta da conservação da quantidade de movimento, a equaçãozinha mv=mv. Poupando os leitores de metáforas surradas como a do patinador que arremessa uma bola de basquete para a frente e é jogado para trás pela reação, ou coisas assim, o princípio é jogar uma massa relativamente moderada para fora a uma velocidade obscenamente alta e conseguir, com isso, que uma massa obscenamente alta se mova a uma velocidade relativamente moderada.
Para conseguir isso é preciso, antes, acelerar a massa que será jogada fora. A capacidade dos diversos combustíveis de foguete de fazer isso é medida por uma característica chamada impulso específico (Isp) e que, por causa das unidades que entram em seu cálculo, é medido em segundos. Quanto mais segundos de Isp um modo de propulsão tiver, mais eficiente ele é. O uso de reatores nucleares para aquecer hidrogênio tem um Isp que é de pelo menos o dobro da opção mais usada hoje, que é queimar o hidrogênio misturando-o a oxigênio.
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Então, por que esses motores não são usados? Bolas, porque são NUCLEARES. A Nasa teve um programa, o Nerva, para desenvolver um motor nuclear que foi cancelado nos anos 70; os soviéticos também tiveram um, que durou até os anos 80.
Descontando a pressão negativa da opinião pública contra energia nuclear no ambiente da década de 70, as dificuldades técnicas são eram poucas. Por exemplo, como você testa um motor assim? E se o teste falhar e a coisa explodir (é para isso que se fazem testes, afinal: para encontrar falhas)?
Sem falar que o gás aquecido pelo reator e eliminado pelos jatos do foguete provavelmente seria radioativo. Por conta disso, a ideia era usar esse tipo de motor apenas no espaço, fora da atmosfera terrestre. No entanto, havia o risco do lançamento: para pôr o motor no espaço, com seu material físsil e tudo, seria primeiro necessário prendê-lo no topo de uma bomba de hidrogênio-oxigênio de dezenas de metros de altura e…
Enfim. Não pareceu uma boa ideia. Mas até a Nasa está reconsiderando: a pesquisa de motores nucleares foi reativada em 2003, sob o nome de Projeto Prometheus.
Outra alternativa é a propulsão elétrica nuclear, na qual reatores são usados para gerar a eletricidade que (a) ioniza átomos de propelente e (b) repele os íons produzidos para fora da nave, a velocidades altíssimas. Esse é o tipo de propulsão usado na nave Discovery, do filme 2001 (a nave, para quem se lembra, tem aquele pescoço alongado para manter os astronautas a uma distância segura da radiação gerada no motor).
Mas o mais legal, mesmo, seria se os russos estivessem pensando em desenvolver uma nave de pulso nuclear. “Pulso”, no caso, porque a propulsão seria gerada por uma série de explosões atômicas do lado de fora do veículo. Assim: a nave ejeta uma bomba atômica; a uma distância “x” do casco, a bomba explode; a onda de choque empurra a nave para a frente. Essa foi uma ideia muito levada a sério nos anos 50, e um protótipo, chamado Put-Put, chegou a ser testado (com bombas convencionais, não nucleares) atingindo uma altitude de 60 metros.
Frescuras, como o tratado internacional que proíbe detonações nucleares no espaço, mataram a ideia – que poderia levar uma tripulação a Marte em menos de um ano! -, no entanto. Alguns conceitos avançados nasceram do princípio do pulso nuclear, como o uso de pastilhas de hidrogênio concentrado, que seriam atingidas por lasers emitidos pela nave, entrando em fusão nuclear.
Mas gosto da ideia de uma nave russa de pulso nuclear à moda antiga, explodindo bombas soviéticas pelo caminho. Melhor detonar aquele arsenal todo na rota de Vênus do que deixá-lo cair nas mãos de terroristas, afinal…

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