Cientificismo e poetismo

A morte de Claude Lévi-Strauss me fez lembrar a crítica que o trabalho do atropólogo francês recebeu do biólogo e nobelista britânico (nascido no Brasil!) Peter Medawar, que o cita num ensaio clássico onde define o “poetismo”, que seria o vício de raciocínio diametralmente oposto ao cientificismo.
Acusações de cientificismo encontram-se por aí a dez centavo a dúzia, mas chamar um oponente de poetista meio que caiu em desuso. No entanto, trata-se de uma categoria que vale a pena ser resgatada.
Definindo os termos: cientificismo é um rótulo que se aplica, a meu ver, a dois vícios de raciocínio: o primeiro, que poderíamos chamar de “falácia cientificista”, é a ideia de que a descrição científico-quantitativa de um fenômeno esgota todos os aspectos do fenômeno; como se descrever o amor como o efeito da testosterona e da oxitocina no sistema nervoso central reduzisse bilhões de páginas de teatro, prosa e poesia, especulação romântica e angústia adolescente à mais completa irrelevância.
O segundo vício, intimamente ligado ao primeiro, é o que trata o estado atual do conhecimento científico como a última palavra possível sobre determinado assunto. Isso gera um tipo de arrogância que nega a maior virtude da ciência, seu caráter de permanente incompletude.
Poetismo, na definição de Medawar é “a crença de que o insight imaginativo e uma sensibilidade misteriosamente privilegiada podem nos dar todas as respostas que realmente merecem ser perseguidas e conhecidas, e seus praticantes reúnem-se sob o grito de guerra vazio de que a beleza é equivalente à verdade”.
Da mesma forma que o cientificismo aparece com muita facilidades nas ciências exatas, o poetismo é um espectro que assombra principalmente as humanidades.

Discussão - 3 comentários

  1. Caro Cretinas,
    Parabéns pela citação de Peter Medawar. Quando alguém importante da área de humanidades morre, é muito comum só se encontrar necrológios muito elogiosos. Afinal, jornalismo é uma profissão da área de ciências humanas... Mas é preciso lembrar - muito - que nem tudo são flores nas humanidades.
    Um abraço!

  2. Tene Cheba. disse:

    O que, de certa forma, me deixa transtornado,( exagero!!), é a tendência, comum, mesmo os ditos gênios, de rotular pensamentos, idéias e outras complexidades. O dualismo, bem, o mal, o bom, o ruim, e, segue em infinitos contrastes.
    Carimbado, sem atenuantes.
    Fernando Pessoa e a dopamina, o majestoso poeta, sarado, sem angústias, feliz, estabilizado.Pena, o Universo, pequeno, ante a sua obra prima, perderia todo o seu requinte.
    Nem só de pão vive o Homem, ai ai ai, que cafona, pobre e de mau gosto. Mas, viva a prazerosa liberdade.
    Dúvidas, por que as tenho!?
    Não, definitivamente, hoje, é o dia internacional da cafonice.
    Interações químicas, por isso, amo você.
    Simples demais.

  3. Felipe disse:

    Cretinas,
    Abraham Lincoln escreveu dois parágrafos sobre as Cataratas do Niágara, abordando tanto cientificismo quanto poetismo. Quando termina o discurso cientificista, ele afirma: "but still there is more". O importante não é a coisa em si, mas o valor que damos a ela. Um texto que ele nunca acabou, bastante bonito (até pra mim, que nunca fui lá).
    ei-lo: http://www.mrlincolnandnewyork.org/inside.asp?ID=9&subjectID=2

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