Rodólitos: bolas fósseis, embora não de futebol

Esta semana lembrei do meu aluno que passou um bom tempo estudando comigo os organismos e minerais associados aos Rodólitos… será que ainda lembra deles? Também lembrei da vez em que tentei brincar com um rodólito na aula de Paleontologia acerca de recifes e, como não consegui pegar de volta na mão, um belo exemplar se espatifou no chão, e aí a turma toda parou para rir. Mas o que são os rodólitos? São algas vermelhas (Corallinales, Rhodophyta) calcárias, não articuladas, que habitam os mares do nosso planeta de forma extensiva desde as latitudes equatoriais até as polares, ocorrendo a partir das zonas de marés, até profundidades de 268 m. Uma das tantas curiosidades dessas estruturas é que as algas vermelhas possuem uma maior quantidade de carotenoides, que permitem utilizar mais intensamente a radiação azul para realizar a fotossíntese. Esta característica é importante porque a radiação azul penetra mais profundamente na água, permitindo que essas algas façam fotossíntese a profundidades maiores. Uma vez que os carotenoides refletem a radiação vermelha, essas algas possuem coloração avermelhada, diferente das plantas verdes que habitam a superfície que utilizam também a radiação vermelha para realizar a fotossíntese, refletindo a radiação verde.

Rodólito coletado na Ilha de Itaparica, BH. Barra de escala = 1 cm

O que poucos sabem é que na costa brasileira está localizado o mais extenso e contínuo banco de rodólitos do mundo, com cerca de 4.000 km, indo do Maranhão até Rio de Janeiro. Desse banco de rodólitos faz parte o arquipélago de Abrolhos, no litoral sul da Bahia, o qual eu quero muito conhecer já faz um bom tempo. Com relação à espessura desse enorme banco, ela geralmente varia entre 10 e 26 cm, chegando até 1 m de espessura em alguns locais. Na costa brasileira são encontrados verdadeiros mantos de rodólitos no topo e na margem de recifes e em depósitos isolados no fundo não consolidado.

Bancos como esses podem gerar rochas reservatório de petróleo, além de ser uma enorme fonte de calcário (CaCO3) e, portanto, um importante agente de sequestro de carbono na crosta terrestre.

Além de tudo isso, esses bancos são um paraíso de diversidade marinha, pois eles são constituídos por várias espécies de algas calcárias, que estão entremeadas em camadas juntamente com outros organismos incrustantes (p. ex. foraminíferos, poliquetas, etc.).

Rodólito
coletado na Praia de Maragoji, Alagoas. Barra de escala = 1 cm

As algas calcárias vermelhas, ao constituírem os rodólitos, podem modificar fisicamente o ambiente, pois são capazes de transformar o sedimento de fundo não consolidado em substrato duro e heterogêneo, produzindo um substrato firme sobre o qual outros organismos podem vir a se fixar. Seu registro geológico é continuo e bastante abundante a partir do Paleoceno (60 milhões de anos atrás), e seus fósseis podem ser encontrados em todos os continentes, embora eles não sejam tão famosos como os dos dinossauros e, portanto, desconhecido.

Uma vez que um mesmo rodólito por alcançar diâmetros semelhantes ao de uma bola de futebol, e que por apresentar crescimento continuo, porém lento (1 mm/ano), o mesmo exemplar pode sofrer a agregação de algas calcárias, além de outros organismos e sedimentos minerais ao longo de um século, compondo verdadeiros livros abertos ao estudo das mudanças ocorridas nos mares, pois camadas ou mantos de rodólitos possuem registros das variações climáticas ocorridas durante o seu desenvolvimento, já que mudanças de distribuição de luz, temperatura, turbidez, salinidade, pH, nutrientes, soterramento, etc. influenciam diretamente no seu crescimento. Dessa forma, períodos com temperaturas mais altas das águas marinhas induzem a maior precipitação de carbonatos e, portanto, um aumento sensível na sua espessura. Uma vez que seu desenvolvimento acontece de forma concêntrica, as camadas mais internas podem ser consideradas mais antigas e externas mais recentes, o que faz possível realizar datações utilizando métodos como C14 pelo menos até 60.000 anos atrás.

Mas como achar uma estrutura dessas? Com certeza quem já foi na praia no Brasil, já topou, ou quem sabe até chutou uma estrutura dessas. Elas muitas vezes são encontradas nas praias, pois como não se fixam ao substrato, podem ser facilmente transportadas pelas correntezas marinhas até a praia, de onde podem novamente ir para no fundo do mar.

 

 

Sobre Fresia Soledad Ricardi Torres Branco

Possui graduação em Geografia - Facultad de Ciencias Forestales, Escuela de Geográfia (1988), mestrado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (1994), doutorado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (1998), pós-doutorado no Laboratório de Geofísica Aplicada, I. Geociências, Universidade de Brasília (2008) e Livre Docência em 2013. Atualmente é professor associado do Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, desenvolve pesquisas em Tafonomia de vegetais, floras fanerozoicas da América do Sul, novas metodologias para analises paleontológicas e bioclastos associados a carbonatos.

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