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CAmpo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas.

No Mesozoico, jogando golf com Fred Flintstone

Estaria o blogueiro pirando? Golf? Mesozoico? Fred Flintstone?

Sim, desta o blogueiro viajou. Era no mês de junho. Estava um sol forte aquela hora da manhã, e eu estava caminhando por uma trilha que levava a estação de trem de Jefferson County, no estado americano do Colorado. Vez em quando passava alguém de bicicleta pela trilha. Foi quando eu vi a plaquinha indicando: Triceratops Trail. Será que eu ia encontrar com um feroz Triceratops na minha frente se eu seguisse aquele caminho? meio receoso, entrei.

CAmpo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas.Campo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas. Ao fundo o Morro da Mesa (Table mountains), onde estão os basaltos Terciários.

Quando entrei na trilha do Triceratops, a primeira coisa que eu vi foram algumas cavas, com uma vegetação secundaria crescendo de dentro delas. Todavia, eu havia visto algumas maquinas grandes enferrujando no meio do mato. Já nem dava pra reconhecer, mas eu estava entrando numa área antiga de mineração. No entanto,o que isso tinha a ver com o Triceratops?

ENTRANDO NA CAVA DE ARGILA

Soube pelos cartazes que tinham por ai que aquelas perigosas cavas que estava vendo, com vários metros de altura, eram antigas cavas de argila. Estas cavas foram exploradas pela Família Parfet, que produzia cerâmicas, tijolos e tubos de esgoto para todo o pais.  Primeiramente, uma foto num cartaz na entrada de uma destas cavas mostrava  patriarca George Parfet, sua esposa Mattie e seus seis filhos. Alem do mais, outras fotos antigas mostrava o febril trabalho de escavação realizado pela empresa dos Parfett.

Como o cartaz orgulhosamente descrevia, a mansão do governador, varias escolas publicas e a antigas sede do fórum do condado de Jefferson foram construídos com tijolos feitos aqui. Durante quase 70 anos, escavadeiras e draglines escavaram as argilas da formação Laramie para fazer objetos cerâmicos. Nesta hora, eu estava ali andando por entre o que sobrou desas cavas. Parte era um campo de golf, parte um museu geológico.

Placa na Cava de Argila, mostrando o Triceratops e as marcas deixadas pelo animal
PASSANDO PELO CAMPO DE GOLFE

A maior parte da área era tomada pelo campo de golfe, ocupando as partes mais baixas das antigas cavas de argila. Contudo, a parte do campo de golf não me interessava. Não me interessava aquela grama verdinha e rente. Não me interessava aqueles carrinhos com aqueles senhores de bermuda e camiseta polo. Todavia, com seus chapeuzinhos ridículos, eles passavam acelerados, e nos atropelavam indiferentes em busca de suas ignominiosas bolinhas. Senti o risco iminente de ser uma vitima do golf e me afastei daqueles maniacos.

Alem do mais, o mato ao redor estava cheio de bolinhas de golf, o que provava cabalmente a imperícia dos senhores de tênis e meias brancas. Contudo, lembrei-me de Fred Flintstone, um dos poucos jogadores de golfe pelo qual eu tinha alguma estima. Assim, pela primeira vez, senti alguma conexão ali. Golfe, Fred Flintstone, dinossauros: fui ver os bichinhos.

A GEOLOGIA DE GOLDEN: O COLORADO FRONT RANGE

A geologia de Golden é muito interessante. Durante o Mesozoico, aquela área era uma grande planície deltaica, cheia de pântanos, rios e lagos. Da mesma forma, nos rios, uma areia fina era depositada, formando barra de meandros. Por outro lado, nas planícies, uma fina argila branca ia se depositando. Camadas de turfa também eram comuns neste ambiente.  Além do mais, nesta área, num clima mais quente que hoje, tínhamos muitas palmeiras e muitas especies de animais.

Geologia de Golden, Colorado
Bloco-Diagrama mostrando a geologia de Golden simplificada. a área do Triceratops trail está no centro da foto, onde as camadas estão verticalizadas.

Mais para o fim do Cretáceo, este ambiente úmido e quente foi se alterando. Quando houve na região a transição do Mesozoico para a  Terciário, com a extinção dos dinossauros, a região já havia se tornado mais quente e seca. Finalmente, lavas basálticas aparecem já no paleoceno, indicando uma mudança na dinâmica da região.

Contudo, o desenvolvimento de grandes falhas geológicas, como a Zona de falha de Golden (Golden Fault) e a Falha da Margem da Bacia (Margin Basin fault), marcam a transição da região das Grandes Planícies com as Montanhas  Rochosas. Assim, por ação destas falhas, o terreno mais a oeste, predominantemente granítico, literalmente “cavalga” sobre as rochas Mesozoicas/Terciárias e termina por dobra-las. Desta forma, pequenos morrotes, formados por rochas mesozoicas e terciarias dobradas marcam a transição geográfica da montanha para a planície. É o chamado Colorado Front Range.

DINOSSAUROS SUBINDO PELAS PAREDES

Como dissemos antes, o Triceratops trail esta situado no contexto do  Colorado Front Range. Aqui, as camadas da formação Laramie, do Mesozoico, estão todas verticalizadas, por ação da Clay Pits fault, a falha local do sistema. Com isso, a sensação que temos é a de que os dinossauros estão subindo pelas paredes. No entanto, não foi isso que aconteceu. centenas de milhares de anos após terem vivido por ali é que as camadas nas quais deixaram seus rastos foram basculadas e verticalizadas.

marca de pegada de Tiranossauro
Pegada de Tiranossauro

Desta forma, a exposição das pegadas e das diversas marcas ficou muito facilitada. Ali, podemos ver pegadas gigantes do gigante tiranossauro. Também podemos ver as marcas das pegadas do Triceratops.

Da mesma forma, podemos ver também pegadas de pequenas aves e mamíferos. De modo similar, nas Clay Pits podemos ver os restos de folhas de palmeiras. Alem das palmeiras, podem ser encontradas sicômoros, nogueiras, um tipo de gengibre e um parente distante do abacate.

Esta vegetação, juntamente com a ocorrência comum de marcas de animais pequenos e grandes mostra uma região que, no Mesozoico era quente e talvez por isso, muito rica em vida.

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL
marcas de palmeiras fósseis
Marcas de folhas de antigas palmeiras; As especies de pnatas indicam um clima muito mais quente que o de hoje na região.

No final do Mesozoico, durante o período Cretáceo, a América do Norte era coberta por um mar raso, com algumas porções mais elevadas. Provavelmente, estas porções elevadas eram pequenas ilhas, das quais a região de Golden era uma delas. Ao redor, uma serie de . Com o passar do tempo, o soerguimento das Montanhas Rochosas acabou por acabar com este mar raso. Neste período, estava provavelmente localizada em latitudes menores. Este era o ambiente perfeito para o desenvolvimento, nas partes mais úmidas, de uma fauna abundante e diversificada.

A medida em que que as placas tectônicas continuavam se movimentando, a região das montanhas rochosas começa a ser “empurrada” para o leste. De fato, esta movimentação deu origem as falhas que conformariam a estrutura da região de Golden, onde eu me encontro agora, olhando pegadas de dinossauros na parede. Afinal, ver pegadas de animais extintos na parede de uma cava de argila nos dá noção de que vivemos num planeta dinâmico e em perpetua transformação. Desta forma, ao contrario do que alguns pensam, nós humanos não somo s o suprassumo da criação. Isto é, supondo que tenha havido uma criação.

SAINDO DA CAVA

Desta forma, assim que saí da cava, comecei a pensar em quantas informações diferentes havia ali naquela pequena área. Contudo, será que as pessoas que passavam aqui e ali teriam noção disso? Será que os caras do golfe ali do lado, mesmo que somente perseguindo suas inúteis bolinhas, saberiam disso?

O tempo da vida humana é muito curto. Decerto, algum grego ou romano já falou sobre isso. o detalhe é que, por certo, não temos condições de enxergar estas grandes mudanças no decorrer de nossas vidas. Primeiramente, para enxergar isso, o senso comum não ajuda. os vestígios da natureza, por outro lado, são muito sutis e complexos. Ali, saindo da cava do Triceratops trail, me dei conta do quanto as Ciências da Terra nos ajudam a enxergar o mundo.

AJUDA FRED FLINTSTONE!!

Num mundo em que a Ciência encontra-se tão ameaçada, certamente o conjunto de evidencias como o que havia ali no Triceratops trail é muito relevante. Estavam expostas ali, a céu aberto, muitas discussões interessantes sobre o passado, o presente e o futuro de nosso Planeta. Por certo, a maior parte das pessoas não está nem ai pra essas coisas. Da mesma forma, o fato de Fred Flintstone conviver com dinossauros parece plausível para muita gente. Entretanto, como se sabe, o ser humano só conviveu com os dinossauros nos últimos duzentos anos. Somente quando começamos a entender que aqueles esqueletos estranhos não eram obra do acaso ou restos de gigantes é que eles começaram a habitar entre nos, em nossas ideias, em nossos  pensamentos.

Por tudo isso é que repito: a Ciência deve entrar mais na vida das pessoas. Independente de sua posição no mundo, o letramento cientifico é cada vez mais necessário para um numero cada vez maior de pessoas. Temos que fazer de cada esquina um museu da historia da terra. Podemos não ter em todos os lugares historias tão interessantes como a do Triceratops trail e seu mergulho de cabeça nos pântanos do Mesozoico.

CIÊNCIA, LAZER E BICICLETAS
Projeto Geobike
Logo do Projeto Geobike, do Prof Wagner Amaral: trilhas geológicas em Campinas

Da mesma forma, aqui em Campinas, temos o  Projeto  Geobike, mais uma boa ideia do professor Wagner Amaral, do Instituto de Geociências da Unicamp. Assim, apaixonado por Geologia e por sua querida Campinas, o professor Wagner leva os amantes da bicicleta a locais nos quais eles até já poderiam andar, mas cuja historia (natural) ignoravam. Que enriquecedor! Juntar esporte, lazer e Ciência foi uma boa sacada. Que tal na sequencia juntar Ciência e Arte, juntar Ciência com tudo?

Entretanto, no caso das Ciências da Terra e do ambiente, nós precisamos de mais e mais trilhas como estas, que nos levem ao passado da Terra. Trilhas que nos ajudem a pensar melhor nosso presente e projetar melhor nosso futuro.

Bora lá?

Eu, Amonite

Meu nome é Hildoceras crassum, e sou um amonite.

Este sou eu, Hildoceras crassum

Na Desciclopédia dizem que sou simplesmente um molusco, o que realmente sou. Mas sou mais que isso: na classificação zoológica pertenço à classe dos amonitas, e a família Hildoceratidae.

A esta altura da vida (ou da morte), não tenho mais problemas em ser um Hildoceras crassum. Segundo vários cientistas, nós apresentávamos dimorfismo sexual, ou seja, os machos eram diferentes das fêmeas. Mas isso foi há muito tempo atrás. Como eu não lembro mais se sou um ou uma amonite, segundo o moderno costume,  podem me chamar de Hildx.

Nasci e morri no Andar toarciano, no Jurássico inferior. Isso em linguagem de gente significa que nasci e morri num período de tempo entre 184 a 175 milhões de anos atrás. Alguns de vocês podem perguntar: “Como era isso, Hildx?“. Eu não me lembro muito bem, minhas crianças. Faz tempo. Só sei que nadávamos livres por mares pouco profundos, caçando pequenos crustáceos e outros animais. Um período feliz, sabe?

Meu Primo Endemoceras, dando um rolê pelas águas quentes do Jurássico

Nós conseguíamos nadar muito bem e podíamos controlar a profundidade em que estávamos, simplesmente enchendo de gás ou fluido a nossa cavidade externa. Morávamos na ultima parte da concha, que era a mais larga. Como os nossos  modernos primos polvos e lulas, éramos terríveis predadores. O terror dos mares do Jurássico inferior!

 No entanto, estamos extintos!

Mesmo o mais terrível dos predadores morre. Quando morri, fui depositado em meio a uma vasa argilosa, no fundo do mar. Fui lentamente recoberto por essa fina argila. Meu corpo e meus tentáculos (tão graciosos! ) desapareceram. Restou só a minha fina casca espiralada. E mesmo esta fina casca foi mudando: lentamente, molécula a molécula, ela foi sendo substituída por outras substâncias, até eu virar isso que sou hoje. Acho que vocês chamam isso de biomineralização.

Estas são as condições que fazem de mim um fóssil. Os cientistas dizem que todo fóssil tem uma história para contar. No entanto, quem conta a história dos fósseis são eles, os cientistas. Por isso, quero mudar um pouco e contar a minha história. Eu sou um amonite fóssil e conto a história de depois de mim. E não me confundam, por favor: não sou um autor fóssil, desses que se biomineralizam em vida. Eu não. Eu, o amonite Hildx, sou um fóssil autor. Original, não?

Nós amonitas, estamos há muito tempo por aqui. Vivemos e fomos muito abundantes  na era que vocês chamam de Mesozóico, quando finalmente fomos extintos. Por termos sido tão abundantes e por sermos característicos de um determinado período de tempo, somos muito usados para datação relativa do tempo geológico. Somos o que se chama  fósseis índices ou fósseis guia.

Eu e você, você e eu…

Mas nosso período geológico mais interessante é o período que vocês humanos chegaram por aqui. Interessante e engraçado. Vocês não entenderam nada!! Quando vocês achavam um de nós no chão ou os tiravam do meio das pedras, vocês ficavam feito bobos nos olhando seguidamente. Não é para menos.

Nosso formato elegantemente espiralado, que lembra uma sequência de Fibonacci, chama mesmo a atenção. Alguns, embalados em leituras rápidas, vão dizer que somos os primeiros illuminati! Ou que somos produtos de algum designer inteligente. Hã, sei. Só espécies antigas e extintas como nós sabem o trabalho que dá evoluir…

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na India; Estes objetos são chamados de Saligramas

Já fomos confundidos com várias coisas. Na Índia, nós amonitas somos chamados de Saligramas. Somos representados como um dos chacras do deus Vishnu. Bacana, não?

No tempo dos gregos e dos romanos clássicos, confundiam nosso formato com os chifres de uma cabra. Não demorou para que nos associassem a deuses e formas caprinas. Amon, divindade egípcia também conhecida como Amon-Ra, e que era portador de belos chifres caprinos, foi logo associado conosco.

Plínio, o velho, o grande naturalista romano, anotou na sua História Natural que nós éramos conhecidos na antiguidade como “cornos de Amon”.  E assim efetivamente fomos conhecidos em quase todo o mundo romano.

um tipico snakestone: um amonita com a cabeça de uma serpente esculpida

Todo o mundo romano, menos naquela ilhazinha, que os romanos chamavam de Bretanha. Lá, fomos durante algum tempo associados – vejam vocês – a serpentes enroladas. As snakestones eram muito comuns nas camadas jurássicas da velha ilha. Nossa ocorrência era tão comum que em algumas vilas éramos usados como enfeites e mesmo como pesos nos mercados. Imagine alguém chegando na feira da vila: “quero um corno de Amon de Batatas e dois de chuchu!“.

 Santa Hilda e os amonites
Memorial de Santa Hilda em Whitby; notar os amonitas, como serpentes enroladas, aos pés da Santa

Surgiram mesmo associações estranhas. Mais do que vocês possam imaginar. Uma importante abadessa bretã, Santa Hilda (614-670 AD), foi associada, muito tempo após sua morte, com lendas que lhe atribuíam o poder de transformar serpentes em pedras. As serpentes petrificadas, claro, éramos nós, amonites.

Existem inclusive estátuas e mesmo brasões mostrando santa Hilda transformando serpentes em pedra. Sir Walter Scott, autor de Ivanhoé e grande medievalista inglês, chegou a escrever um poema onde falava dos milagres de santa Hilda.

Eu não entendo de milagres, pois estou extinto. Mas entendo de ironias. Alpheus Hyatt (1838-1902), paleontólogo americano, deu o nome de Hildoceras a uma ordem de amonitas do jurássico inferior. Este é, por assim dizer, o meu nome de família. O mistério da transformação das serpentes em pedra já estava resolvido.

Mas, graças a Hyatt, Santa Hilda estava de novo e inadvertidamente ligada a nós pelo nome. Santa Ironia. Quantas risadas Hyatt deve ter dado!

O estilo amonite

Houve inclusive uma época em que nossas graciosas

Capitel com motivos inspirados em amonites. Esta casa também pertenceu ao paleontólogo Gideon Martell

formas serviram de inspiração para os arquitetos. Em vários locais da Inglaterra, foi de muito bom gosto a incorporação de elementos de decoração que lembravam as formas do amonites. Isso foi no inicio do seculo XIX.

Um dos arquitetos responsáveis por estes edifícios não foi ninguém mais que Amon Wilds. Inspirado provavelmente pelo seu próprio nome, ele construiu diversos edifícios com motivos amoníticos. Um dos mais celebrados destes edifícios era localizado em Castel Place 166 High Streets, em Sussex.

Por motivos que só pertencem à Paleontologia, esta casa foi construída para Gideon Mantell. Mantell foi o primeiro a descrever o Iguanodon, um dos primeiros  dinossauros gigantes. De modo que tudo terminou literalmente em casa.

O filho de Amon Wilds, que tinha o nome do pai, continuou sua obra, construindo diversas casas no sul da Inglaterra com motivos amoníticos na década de 1820.

por que eu?

tenho muitas mais historias pra contar. Alguém vai dizer: “conta mais, Hildx“. Eu conto, minhas crianças. Hoje não, que estou cansadx e com sono. Ontem mudou o horário de verão e, mesmo para nós, seres já extintos, isso dá um cansaço medonho.

Sou um amonite, com muito orgulho. Não nadamos mais alegres pelos mares como outrora. Somo umas pedras estranhas

A moderna congregação de Santa Hilda apresenta a sua imagem segurando uma casa, simbolo de sua abadia. Na outra mão, não uma serpente mas um amonite. Uma santa em paz com a modernidade.

desencavadas das rochas. Dos nativos americanos aos hindus, dos ingleses aos alemães, dos bretões do condado de Witby aos modernos museus de paleontologia, nós continuamos brilhando.

Ora somos objeto de adoração ou objetos de cultos estranhos. Ora somos remédios potentes contra picadas de cobra, amuletos para sonhos ruins ou meras decorações em casas de província. O fato é que nós causamos.

Nossa concha elegantemente espiralada e nossas suturas graciosas chamam a atenção por serem objetos geométricos de grande simplicidade e beleza. Nossa presença em rochas antigas nos faz testemunhos importantes da história da Terra.

Semana passada a professora Frésia escreveu aqui mesmo neste blog que um exemplar de amonite que ela ganhou de seu pai alterou seu destino. Hoje, ela é uma feliz paleontóloga. Que bacana! E que orgulho!  Este é nosso mistério.  Nós, amonitas, podemos mudar suas vidas!

E quem quiser que conte outra.

Para saber mais:

Kracher, Alfred. “AMMONITES, LEGENDS, AND POLITICS THE SNAKESTONES OF HILDA OF WHITBY.” European Journal of Science and Theology 8, no. 4 (2012): 51-66.

Vamos deixar o mamute extinto

Há poucos anos se vêm noticiando mundo a fora tentativas mirabolantes de trazer animais já extintos de volta à vida, como o grandioso mamute. Este grande animal pleistocênico é o maior alvo desta ideia por razões diferenciadas, dentre elas, a facilidade de encontrar seus corpos mumificados extremamente bem preservados devido ao aparecimento de diversos espécimes por conta do derretimento do gelo em regiões como a Sibéria. Não é de se estranhar que, vendo-os assim tão bem preservados, a ideia de “revivê-los” fica extremamente atraente, seja pelo fascínio que estes grandes animais despertam, seja pela ambição de ser dono de um grande feito como este.

Bebê mamute mumificado. Créditos: Martin Meissner
Bebê mamute mumificado. Créditos: Martin Meissner

Mas será que a interferência nos caminhos que foram traçados naturalmente pela história do nosso planeta seria realmente uma boa ideia? O que seria do pobre mamute, que fora adaptado para os períodos glaciais da Terra, a habitar grandes espaços, correr atrás de suas presas e se defender de seus predadores, bem ao modo da Era do Gelo? Os tempos eram outros, as características físicas e ambientais de nosso planeta eram outras.

O surgimento de novas tecnologias na área da biologia molecular tende a aguçar a mente dos pesquisadores mais ambiciosos, o que é excelente para novas descobertas, chances de desenvolvimento de cura e tratamento de doenças, e principalmente, um maior domínio e possibilidade de manipulação do genoma de inúmeras espécies, incluindo o ser humano. E por que não os mamutes?

Em meados de 2015, o geneticista George Church, de Harvard, e seus colaboradores, anunciaram que utilizaram uma técnica de “edição de genes chamada CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) para inserir genes de mamute em elefantes. Estes genes inseridos seriam os responsáveis pela expressão de alguns caracteres dos mamutes, como tamanho das orelhas mais reduzido, cor e comprimento dos pelos e a presença de gordura subcutânea. É claro que pesquisadores como estes têm em mente que, apesar da ideia soar simples, há muitas questões em jogo, como a reação das células à expressão desses genes, se de fato conseguiriam dar origem à tecidos especializados, etc.

Pensando em um futuro não muito distante, e se por acaso um experimento como este tivesse sucesso? E se nascesse um mamute de um elefante vivo? Outra questão importante a se pensar é com relação aos efeitos do meio externo ao fenótipo (características físicas do organismo que têm origem da expressão dos genes). Seria um híbrido com características tão semelhantes assim aos mamutes pleistocênicos? São inúmeras questões a serem pensadas além do experimento em laboratório. Pensando em um sucesso ainda maior (que é com relação à sobrevivência desses híbridos), até quanto tempo viveriam? Ou seriam saudáveis por quanto tempo? E penando na manutenção desses animais, teriam eles, obviamente, que ficarem restritos à ambientes polares, com alimentação fornecida e especializada, etc.

Quero deixar claro que não estou querendo levantar somente os aspectos negativos deste tipo de pesquisa, até por que acho que a ousadia é um estímulo para mover a Ciência, e nela há espaço para qualquer experimento, desde que esteja de acordo com as questões éticas. Mas o objetivo deste post é levantar as implicações à longo prazo e gerar uma reflexão do quanto valeria a pena realizar tal façanha. Apenas sou mais adepta da ideia de se utilizar técnicas como esta, por enquanto, para tentar auxiliar na luta contra a extinção de espécies atuais devido às ações antrópicas, por exemplo.

Como diz a famosa expressão, a natureza sabe o que faz.  Os eventos de extinção que ocorreram ao longo da história da vida na Terra, sejam eles por causa da própria evolução da geosfera (por exemplo, o movimento das placas tectônicas e vulcanismo, que expeliram enormes quantidades de gases na atmosfera), ou por interações ecológicas (competição entre espécies, predação, etc), ou como obra do acaso (como os impactos de corpos celestes), apesar de terem sido catastróficos para os seres que viviam nestes períodos, foram responsáveis pela “reciclagem” da vida na Terra, ou seja, possibilitaram o surgimento de novos organismos, de novos nichos, até a vida se moldar ao que conhecemos hoje. Estamos aqui devido às extinções ocorridas? Provavelmente elas têm grande parte nisso.

A evolução da vida tende a acompanhar as mudanças que a Terra vai sofrendo com o passar do tempo geológico, mas o tempo sentido pelo homem é curto demais, tem uma escala muito, mas muito menor. Então tendemos a não enxergar os benefícios causados por eventos catastróficos ou mudanças naturais, quanto menos ainda perceber os efeitos que o ambiente causa, à longo prazo, no sucesso ou “fracasso” da sobrevivência de uma espécie. Pensando desta maneira, apesar de também sermos agentes causadores de mudanças, nossas ações estão causando um prejuízo à biodiversidade do planeta muito mais além da conta para a recuperação natural dessas extinções provocadas. Mas isto seria uma discussão para outro post.

Quanto aos mamutes? Por mim é melhor deixá-los extintos, para o bem deles, e para o bem do nosso planeta. Sim, a natureza sabe o que faz, e às vezes o acaso faz bem também!