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O Carnaval dos microbichos

Faz um tempo que a cada carnaval fico com vontade de ir para Veneza (Itália) e utilizar uma máscara decorada e inspirada nos foraminíferos. Eles são microfósseis, pois estima-se que hoje em dia existam ao redor de 8.000 espécies, mas a grande maioria delas dificilmente alcança mais de 1mm. Pela sistemática, eles são protistas eucariontes cosmopolitas, na sua maioria marinhos, e pertencem ao Filo Granuloreticulosa, possuindo uma célula só e são aparentados com as amebas. Os foraminíferos em vida possuem pseudópodes (ou falsos pés) que os auxiliam em muitas funções como na fixação, flutuação, alimentação, respiração, coleta, etc.
Os foraminíferos secretam uma carapaça ou esqueleto externo, que recebe o nome de testa, que em muitos casos é composta por carbonato de cálcio na forma de cristais de calcita. A testa é preservada facilmente no registro sedimentar, principalmente marinho, sem precisar passar por um processo de fossilização. O formato das testas, ou seja, a sua morfologia externa é francamente espetacular e sumamente variada.

Foraminífero  belamente ornamentado (http://www.foraminifera.eu)

A enorme quantidade de testas de foraminíferos depositadas no fundo dos mares e oceanos, as famosas vazas de foraminíferos, fazem desse filo de protozoas um dos grupos de fósseis mais abundantes do registro fossilífero do nosso planeta nos últimos 500 milhões de anos. Na verdade, são bem menos famosos que os dinossauros e muito mais bem-sucedidos. Quem não ouviu falar das pirâmides do Egito, umas das sete maravilhas do mundo antigo? Pois bem, elas foram construídas com blocos de pedra calcaria formada pela deposição de foraminíferos ou vazas de foraminíferos.

As vazas de foraminíferos são mundialmente estudadas em testemunhos recuperados de perfurações que alcançam centenas de metros de profundidade. Esses registros ordenados são precisos e preciosos na hora de realizar correlações entre camadas de diferentes locais no planeta, datar camadas, calcular – por meio de isótopos estáveis de Oxigênio – a temperatura das águas na qual foi segregada a testa, ou seja, ter acesso a paleotemperaturas de épocas passadas, etc.

A imagem pertence a um mesmo foraminífero planctônico, a diferencia esta na presença de espinhos em um e sem os espinhos no outro (http://www.foraminifera.eu)

Pois bem, as testas dos foraminíferos, como já falei, são super-bonitas e ornamentadas e dependendo da forma como o seu dono habite o ambiente marinho são denominadas como planctônicos, se pertencem a indivíduos que vivem flutuando perto da superfície, ou bentônicos, se vivem no fundo. Nesse segundo caso, podem viver colados a outros organismos ou enterrados entre os grãos de areia. Claro que também a sua distribuição nos mares vai ser regida por parâmetros como temperatura, salinidade, nível de oxigênio, disponibilidade de alimento, etc.

Entre os grupos de foraminíferos que possuem testa de calcário, temos os de testa aglutinante ou Textulariina, os porcelânicos ou Miliolina, os de testa hialina ou Rotaliina e um grupo extinto há mais de 250 milhões de anos conhecido como de testa microgranular ou Fusilinina. A forma como os cristais de calcita se organizam para formar a testa confere ao protozoa diferentes propriedades para e xplorar o seu habitat, ou seja, viver em lugares variados.

Aspecto da testa aglutinante (http://www.foraminifera.eu)

Entre os grupos de hoje, os foraminíferos aglutinantes secretam um tipo de cimento e com auxílio dos pseudópodos (lembrando que são parecidos com as amebas) colhem diminutos fragmentos de conchas ou grãos de areia e rochas do fundo, que vão colando no cimento e com isso construindo a testa. Na maioria dos casos a testa possui um furo na ponta, para saída dos pseudópodes. Com esse tipo de testa os aglutinantes exploram locais com pouca disponibilidade de carbonato dissolvido na água, como a foz de rios ou mesmo as profundezas dos oceanos, abaixo dos 2.000 metros de profundidade.

Exemplares com testa porcelânica (http://www.marine.usf.edu)

Os foraminíferos com testa porcelânica segregam cristais de calcita que são depositados em todas direções, isto é, sem uma ordem definida, formando uma testa muito robusta e habitam o fundo de todos dos mares e em todas as latitudes.

Os foraminíferos hialinos constroem as suas testas depositando os cristais de calcita de forma ordenada, então as suas testas são transparentes e finamente perfuradas. Pelas perfurações emergem os pseudópodes que auxiliam na flutuação, sendo esse grupo o que reúne todas as espécies de foraminíferos planctônicos, embora também existam muitas formas bentônicas.

Fomaníniferos planctônicos de testa hialina (http://www.foraminifera.eu)

As testas podem, independente de como foram construídas, ser ornamentadas ou lisas, ter uma ou muitas câmaras dispostas em uma ou muitas fileiras, em linha ou enroladas, etc. etc. Então, com essa diversidade e com 500 milhões de anos de história não vai ser difícil eu fazer a minha máscara, as de todo um bloco ou mesmo as de todos os foliões com motivos de foraminíferos diferentes….

Paleontologia: como compreendê-la em 5 passos

Quase todos os anúncios de reportagens e chamadas que recebemos incessantemente em nossos celulares, todos os dias, trazem números. Talvez seja a nossa avidez por conhecimento “rapidamente absorvível” que tenha promovido esta proliferação de textos com títulos que trazem o número exato (ou inexato, alguns enganam a gente) de conteúdo. Se dá certo (se a gente absorve mais rápido, ou se é simplesmente uma questão de marketing/publicidade…), eu não sei; fato é que resolvi aderir à moda e tentarei explicar o que é a paleontologia em 5 itens; ou pelo menos, irei tentar apontar as principais problemáticas envolvidas quando se trata de paleontologia para e com aqueles que não sabem bem o que esta ciência significa. Vamos lá?

1 – O termo “Paleontologia” significa “o estudo dos seres antigos”. Já falamos em posts anteriores que antigo em Geologia – e em Paleontologia – tem conotação diferente daquele utilizada no nosso dia-a-dia. Restos de organismos são considerados recentes, ou pouco antigos (e denominados de sub-fósseis, por exemplo) se tiverem por volta de 10.000 anos por exemplo. Além da questão do tempo, temos o termo “seres” aqui… não são somente dinossauros (!!!). Nem somente plantas. Lembrem-se, temos todos os filos de possibilidades; todos os tamanhos e toda a variedade de vida que já existiu ao longo dos últimos 4,5 G.a. É coisa pra caramba :mrgreen: .

2 – Paleontologia e Arqueologia são ciências que usam métodos de estudo parecidos, mas cujo objeto de estudo é diferente. O enfoque da paleo que eu falei no item 1 (acima), é a vida, em geral, ao longo do tempo geológico; o enfoque da arqueologia são as civilizações humanas e sua cultura (que, aliás, é algo beeeem recente….). É muito comum a confusão entre as duas ciências, talvez por exigirem um perfil de pesquisador de campo, aventureiro, que vive à procura de segredos escondidos em rochas ou locais remotos…. mas as similaridades ficam por aí. Agora você sabe que o Indiana Jones é um arqueólogo, não um paleontólogo, ok 😆 ?

3 – Sendo a vida antiga o objeto de estudo da paleo, ela se baseia, portanto, no estudo dos fósseis. Fósseis são restos ou vestígios de vida com mais de 11.000 anos. Quanto mais antigo é um fóssil, maior a probabilidade de que ele tenha se transformado em rocha; mas ainda assim é um vestígio de algo que já foi vivo. Por este motivo é que a Paleontologia é a união entre a Biologia e a Geologia. Em geral (não é uma regra) são biólogos ou geólogos que estudam os fósseis. Isso porque os conhecimentos exigidos para as análises tem que vir tanto da bio quando da geo. Como eu disse antes: restos de vida- conhecimentos biológicos-, que se tornaram ou irão se tornar rochas – conhecimentos da geo. Mas a realidade é que conhecimentos de química, física, matemática, computação, (etc…) além da biologia e da geologia, são usados nos estudos paleontológicos. Uma visão integrada dos fenômenos da natureza e de diferentes técnicas de análise dos materiais fósseis faz um bom paleontólogo/cientista…

4 – Não é só de petróleo (nem só de dinossauros 😈 ) que se faz a Paleontologia. Talvez este item acabe repetindo o que já foi dito no item 1, mas tenha paciência. Isso é importante. Toda a vida, que se desenvolveu ao longo da história geológica da Terra, pode ser estudada por um paleontólogo (tudo aquilo que vive hoje e que você conhece, e também aquelas formas de vida bizarras, que… pode ser que você nunca tenho ouvido falar).

O petróleo é famoso por sua importância na economia mundial, e os fósseis (microfósseis, neste caso; fósseis de seres que precisamos de microscópio para enxergar) ajudam, de modo geral, a mostrar onde o petróleo tem mais chance de ocorrer. É uma das formas de aplicação da paleontologia.

Já os dinossauros são famosos por fazerem parte do imaginário popular: eram grandes (nem todos né?), assustadores (com exceções…) e… verdes! (ou coloridos? ou ainda…cobertos por penas?). Veja… as generalizações acabam fornecendo uma visão distorcida não é mesmo? Deve ser por isso que quanto mais se estuda (e se especializa numa área) mais a gente se dá conta de que sabe quase nada de tudo, e muito pouco sobre alguma coisa 😯 .

5 – A Paleontologia é uma ciência pura. Calma, não significa que ela seja inocente 🙄 , não é isso… é uma ciência que tem como objetivo principal o conhecimento. Sim, ela pode ser aplicada. Algumas vezes é utilizada como uma ferramenta para compreender outros fenômenos, tendo assim, aplicação (no item 4 eu falei do petróleo, não é?). Mas, sob o meu ponto de vista, o seu objetivo mais imediato é o conhecer por conhecer; e, claro, o conhecimento gerado vai influenciar em outras áreas da ciência, gerar discussões, promover debates e levar ao progresso do conhecimento científico. Muito do que se sabe hoje foi inventado ou observado por algum cientista que teve a vontade de observar, descrever, conhecer, explicar algo. Independentemente de ser pura ou aplicada a ciência leva ao progresso a humanidade!

Para uma leitura interessante e aprofundada sobre o tema ciência e seus impactos, clique aqui.

 

NO FINAL DO ÚLTIMO SEGUNDO DO TEMPO GEOLÓGICO: O QUATERNÁRIO

O Quaternário é dividido em duas épocas: o Pleistoceno, que vai de 2 Ma até 10.000 anos antes do presente e o Holoceno, que chega até hoje. A tendência, que levou ao resfriamento geral do planeta iniciado no Mioceno, se intensificou durante o Pleistoceno. Assim, o clima foi caracterizado por intervalos glaciais com momentos mais amenos como o que atualmente vivemos. Segundo as evidências indicam (registros de mudanças na distribuição da vegetação, alterações no registro sedimentar observadas em testemunhos retirado do oceano Pacifico e Atlântico, etc.) esses ciclos podem se ter repetido de 10 a 20 vezes com uma periodicidade de 100.000 anos nos últimos 2 Ma. Durante os intervalos glaciais o clima a nível global foi frio e seco, com o desenvolvimento de extensas calotas de gelo que cobriram aproximadamente 30% da superfície do planeta, especialmente nos continentes do hemisfério norte, enquanto que nos continentes do hemisfério sul o clima foi muito mais frio, seco e com glaciares de montanha extensos nos Andes.

As mudanças climáticas estão associadas a vários fatores influenciados por deriva continental, orogêneses, alterações nas concentrações do CO2 da atmosfera, correntes oceânicas, etc. No caso da deriva continental uma das causas foi o isolamento do continente antártico, iniciado com o rompimento do Gondwana e que levou à instalação da corrente marinha fria subantártica no hemisfério sul, hoje conhecida como corrente de Humboldt, responsável por serem tão geladas as águas da costa do Chile e do Peru. As mudanças na deriva continental também influenciaram na formação dos extensos lençóis de gelo continentais, no isolamento do oceano ártico e na formação de mares congelados no hemisfério norte. As orogenias, como a dos Andes e particularmente da Ásia central, com o soerguimento dos planaltos dos Himalaias e Tibete produziram um acúmulo de áreas elevadas a partir do Mioceno. Por outro lado, a consequência da explosiva expansão das florestas dominadas por angiospermas acontecida durante o Paleogeno incrementou o sequestro de carbono nos continentes na forma de jazidas de carvão, o que levou a uma redução na concentração do principal gás do efeito estufa da atmosfera. Todas essas alterações repercutiram de forma considerável nos ecossistemas que passaram a ser muito dinâmicos, e a nossa espécie surgiu nesse contexto de mudanças climáticas drásticas e rápidas, claro considerando a enorme dimensão do tempo geológico.

Pois bem, no sudeste do Brasil, embora não se tenha notícias de calotas de gelo dessa época, o clima também oscilou, alternando períodos muito secos e mais frios do que o atual, com momentos mais cálidos e úmidos como os de hoje. Os registros de vida no estado de São Paulo são mais abundantes para o final do Pleistoceno, onde são encontrados, por exemplo, no Município de Iporanga, dentro das cavernas e abismos do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), ossadas relacionadas à megafauna. Os registros são bastante abundantes embora a maioria dos esqueletos se apresentem desarticulados e misturados. Nesses há ossos, entre outros, de tigres dente de sabre (Smilodon), preguiças gigantes (Eremotherium, Lestodon, Ahytherium, Nothotherium; Figura 1), parentes dos elefantes conhecidos como Stegomastodon, tatus gigantes ou Glyptodon, e perissodáctilos como o Toxodon (Figura 2, endêmicos de América do Sul, de tamanho semelhante a um rinoceronte). Uma vez que os conjuntos de ossos se encontram muito misturados, podem ter correspondido a várias comunidades diferentes, mas representam uma composição da megafauna característica da região intertropical e, sem lugar a dúvida, muito diferente da fauna atual da região. O mesmo podemos comentar acerca da vegetação que, pelo tamanho da megafauna e pelos registros conhecidos, principalmente correspondentes a polens, era uma vegetação mais aberta que a atual.

Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG.
Figura 1 – Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais – PUC Minas, Belo Horizonte, MG.

Da vegetação também temos registros a partir aproximadamente do final do Pleistoceno. Um dos mais extensos, inclusive para a América do Sul, foi encontrado ao perfurar a cratera deixada pelo impacto de um meteoro, fato acontecido possivelmente durante o Neogeno na região de Parelheiros, próxima à cidade de São Paulo. A cratera, conhecida como de Colônia, tem um diâmetro de 3,6 km e se calcula que esteja preenchida por cerca de 300 metros de sedimentos. Os testemunhos rasos estudados possuem uma extensão média de 8,5 m devido à dificuldade de se realizar a perfuração mais profunda e recuperar os sedimentos preservando o empilhamento original das camadas de forma manual. Para se obter um testemunho completo de todo o registro sedimentar presente na cratera seria necessário contar com uma estrutura de perfuração semelhante àquelas utilizadas para prospecção de petróleo, o que envolve um custo muito elevado. O estudo desses registros, principalmente utilizando estudos de conjuntos de microfósseis, como polens e esporos, mostraram a evolução da vegetação no local nos últimos 50.000 anos, que alternou de uma floresta com araucárias nos intervalos mais frios para a Mata Atlântica nos momentos de clima mais ameno como o de hoje, embora com diferentes espécies em cada um dos interglaciares identificados, sendo o último acontecido no Holoceno. Dessa forma, chegamos aos dias de hoje onde estão sendo incluídos dentro do registro sedimentar os restos de vida que virão nos próximos milhões de anos deverão tornar-se fósseis.