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Como um tronco ou um osso vira pedra?

Quem já não se deparou com uma pedra (rocha) que um dia formou parte de um dinossauro ou era a rama mais alta de uma árvore? Visitando um museu ou mesmo no campo?

Pois bem o processo que converte os restos orgânicos (vegetais, animais, bacterianos, etc.) em fósseis como estes é denominado de permineralização e ocorre de forma mais ou menos rápida, claro sempre pensando no tempo geológico. O processo se inicia imediatamente após a queda do resto num ambiente de deposição de sedimentos (córrego, rio, lago, mar…) ou durante o soterramento num desses locais. O que acontece em geral, é que uma solução rica em sílica ou cálcio consegue preencher os espaços vazios entre as células, poros e no interior das células. Com o passar do tempo, a perda de água promovida pelo soterramento induz a formação de cristais de quartzo, no caso de uma solução rica em sílica ou calcita, no caso do cálcio. Esses cristais possuem tamanhos diminutos, da ordem de poucos micrometros (1/1000 de um milímetro), que preservam a anatomia original inclusive das células, e por ser muito estáveis no caso da sílica, permitem a manutenção dos fósseis por muitos milhões de anos. Esse processo de fossilização pode levar 50.000 anos ou menos o que, convenhamos, é quase nada no tempo geológico.

Tronco de conífera da Formação Teresina (260 milhões de anos) permineralizado por sílica. A. Corte longitudinal mostrando traqueides; B. Detalhe de um traqueide, notar os cristais de quartzo que formam a estrutura.

Além da pemineralização por sílica ou carbonato de cálcio, outros minerais como a pirita (sulfeto de ferro) podem permineralizar estruturas orgânicas. Até mesmo a formação de gelo pelo congelamento da água dentro dos tecidos orgânicos, pode ser considerada uma permineralização, logicamente que bem menos estável, pois o fóssil apodrecerá após o descongelamento, como é o caso dos mamutes que frequentemente são encontrados na Sibéria.

No Brasil, temos abundantes sítios com fósseis permineralizados, inclusive alguns com o registro de extensas florestas que existiram há mais de 250 milhões de anos, como a do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Tocantins (MNAFTO), em Bielândia, distrito de Filadélfia, que possui uma extensão de mais de 32.000 hectares ou as florestas fósseis de Mata e de São Padro do Sul no Rio Grande do Sul, um pouco mais jovenzinhas, ou mesmo os registros do interior de São Paulo, que representam as florestas que habitavam as planícies de rios ou próximas à costa em climas quentes e secos. No geral eram compostas por árvores aparentadas com as araucárias, podocarpos, pinheiros e também por samambaias de grande porte e cavalinhas, com certeza sem plantas com flores. Nelas estão preservados troncos com tamanhos que alcançam os 30 metros de comprimento e 1 metro de diâmetro e, menos frequente, folhas. Aliás, a diversidade é fóssil é grande, o que faltam são pesquisadores para estudar tanto material.

Caule de samambaia permineralizado por sílica coletado na MNAPTO

Por último, o processo de permineralização foi o que permitiu a preservação das evidências de vida mais antigas que se conhecem na Terra, com cerca de 3465 milhões de anos, que chegaram até os nosso dias e tem sido interpretados como filamentos de colônias de bactérias fotossintetizantes conhecidas como cianobactérias… Então a permineralizacão é um processo que permite tanto a conservação dos maiores registros fósseis em tamanho como dos menores… é só ter as condições necessárias e o tempo…

Como será o nosso futuro? Que fósseis descreverão em milhões de anos à frente?

Por conta da virada do ano e o início de 2017, fiquei pensando em fechar as crônicas da vida no passado do estado de São Paulo, aproveitando para comentar acerca de qual é o registro da vida que atualmente está sendo incorporado às camadas de sedimentos que se estão depositando. Como a Carolina já descreveu no post dela, a inclusão de restos orgânicos (folhas, galhos, carcaças, conchas, etc.) nas camadas depende do tempo envolvido e da oportunidade, sendo que a parte da Paleontologia que estuda esse processo é conhecida como Tafonomia.

Mata de galeria, no rio Mogi-Guaçu, SP

Então, qual porção do que hoje apreciamos nas matas de galeria será preservado? E dos manguezais? Da Mata Atlântica? Do Cerrado? Será possível reconstruir a sua diversidade, ou ter uma ideia dela ao menos, com base no que hoje está sendo incorporado nas camadas sedimentares em formação?

 

Coleta de uma camada de folhas nas margens do rio Mogi-Guaçu, SP

 Uma das formas para responder a essas inquietudes, e ao meu modo de ver a mais simples, é pesquisar diretamente nos locais onde esses novos registros estão acontecendo, como por exemplo nas florestas ciliares ou também conhecidas como de galeria ou ripícolas, que se desenvolvem à beira dos rios, especialmente naqueles com muitas curvas ou meandros. Pela migração lateral do canal do rio, as curvas acabam se fechando e isolando o braço do rio. Pelo geral, a porção isolada somente recebe água durante as cheias. Assim, vão se formando pequenas lagoas rodeadas por vegetação, nas quais caem folhas, galhos, sementes, polens, esporos, insetos, etc. Nesse processo de acúmulo de restos orgânicos, os vegetais são os que aportam a maior quantidade de biomassa e podem chegar a formar verdadeiras camadas de restos, por vezes bastante espessas, com mais de 20 cm, que ao ser soterrados e prensados entre várias camadas de sedimentos (areia, lama, etc.) poderão se transformar em fósseis de folhas, galhos e sementes na forma de compressões e/ou impressões. A forma de acessar esses acúmulos pelo geral se faz abrindo uma trincheira.

 

Coleta do registro sedimentar utilizando um tubo de alumínio de dois metros.

Nos manguezais ou mesmo nas lagoas associadas aos meandros, por exemplo, se enfiarmos um tubo oco e resistente de uns dois metros de comprimento e a seguir tampar a extremidade superior, poderemos retira-lo da lama, com bastante esforço, e abri-lo de comprido, de forma a observar um registro ordenado da sucessão da deposição dos sedimentos em camadas, pelo geral com camadas de várias cores. As camadas mais escuras terão maior quantidade de matéria orgânica preservada e, por conseguinte, maior probabilidade de preservação. Nesse registro as amostras da base corresponderão aos sedimentos mais antigos e as mais recentes serão as do topo. Uma vez que os sedimentos dos manguezais são bem finos, a deposição será lenta, ou seja, para formar uma camada de 1 cm de espessura será necessário mais tempo envolvido do que em uma camada de areia grossa. Voltando ao registro retirado com o tubo, poderemos ter registrado algumas centenas de anos de deposição e nessas camadas estrarão preservadas assembleias de microrestos (pólens, esporos, diatomáceas, etc.) como também folhas, sementes, galhos entre outros.

Alternância de camadas de areia (em tons de cinza) e de restos vegetais (mais escuras)

Assim, utilizando essas acumulações mais “modernas” de restos orgânicos não fossilizados e que poderão se tornar fósseis um dia, é possível adquirir conhecimento acerca das variações na vegetação que foram produzidas como consequência de mudanças climáticas, ou de variações no nível dos mares ou induzidas pelo homem em escalas menores de tempo, como o último milênio, os últimos séculos, etc.

Conhecer e entender como acontece a entrada dos restos orgânicos no registro sedimentar também ajuda na hora de interpretar jazimentos fósseis pretéritos, para se ter uma ideia de onde provem os fósseis, como chegaram até o local de deposição, como foram fossilizados… entre outras coisas… e se o futuro também terá fósseis da vida que hoje vemos no nosso planeta, pelo menos no próximo um bilhão de anos… mas essa é outra história relacionada com a evolução do Sol.