Por conta da virada do ano e o início de 2017, fiquei pensando em fechar as crônicas da vida no passado do estado de São Paulo, aproveitando para comentar acerca de qual é o registro da vida que atualmente está sendo incorporado às camadas de sedimentos que se estão depositando. Como a Carolina já descreveu no post dela, a inclusão de restos orgânicos (folhas, galhos, carcaças, conchas, etc.) nas camadas depende do tempo envolvido e da oportunidade, sendo que a parte da Paleontologia que estuda esse processo é conhecida como Tafonomia.
Então, qual porção do que hoje apreciamos nas matas de galeria será preservado? E dos manguezais? Da Mata Atlântica? Do Cerrado? Será possível reconstruir a sua diversidade, ou ter uma ideia dela ao menos, com base no que hoje está sendo incorporado nas camadas sedimentares em formação?
Uma das formas para responder a essas inquietudes, e ao meu modo de ver a mais simples, é pesquisar diretamente nos locais onde esses novos registros estão acontecendo, como por exemplo nas florestas ciliares ou também conhecidas como de galeria ou ripícolas, que se desenvolvem à beira dos rios, especialmente naqueles com muitas curvas ou meandros. Pela migração lateral do canal do rio, as curvas acabam se fechando e isolando o braço do rio. Pelo geral, a porção isolada somente recebe água durante as cheias. Assim, vão se formando pequenas lagoas rodeadas por vegetação, nas quais caem folhas, galhos, sementes, polens, esporos, insetos, etc. Nesse processo de acúmulo de restos orgânicos, os vegetais são os que aportam a maior quantidade de biomassa e podem chegar a formar verdadeiras camadas de restos, por vezes bastante espessas, com mais de 20 cm, que ao ser soterrados e prensados entre várias camadas de sedimentos (areia, lama, etc.) poderão se transformar em fósseis de folhas, galhos e sementes na forma de compressões e/ou impressões. A forma de acessar esses acúmulos pelo geral se faz abrindo uma trincheira.
Nos manguezais ou mesmo nas lagoas associadas aos meandros, por exemplo, se enfiarmos um tubo oco e resistente de uns dois metros de comprimento e a seguir tampar a extremidade superior, poderemos retira-lo da lama, com bastante esforço, e abri-lo de comprido, de forma a observar um registro ordenado da sucessão da deposição dos sedimentos em camadas, pelo geral com camadas de várias cores. As camadas mais escuras terão maior quantidade de matéria orgânica preservada e, por conseguinte, maior probabilidade de preservação. Nesse registro as amostras da base corresponderão aos sedimentos mais antigos e as mais recentes serão as do topo. Uma vez que os sedimentos dos manguezais são bem finos, a deposição será lenta, ou seja, para formar uma camada de 1 cm de espessura será necessário mais tempo envolvido do que em uma camada de areia grossa. Voltando ao registro retirado com o tubo, poderemos ter registrado algumas centenas de anos de deposição e nessas camadas estrarão preservadas assembleias de microrestos (pólens, esporos, diatomáceas, etc.) como também folhas, sementes, galhos entre outros.
Assim, utilizando essas acumulações mais “modernas” de restos orgânicos não fossilizados e que poderão se tornar fósseis um dia, é possível adquirir conhecimento acerca das variações na vegetação que foram produzidas como consequência de mudanças climáticas, ou de variações no nível dos mares ou induzidas pelo homem em escalas menores de tempo, como o último milênio, os últimos séculos, etc.
Conhecer e entender como acontece a entrada dos restos orgânicos no registro sedimentar também ajuda na hora de interpretar jazimentos fósseis pretéritos, para se ter uma ideia de onde provem os fósseis, como chegaram até o local de deposição, como foram fossilizados… entre outras coisas… e se o futuro também terá fósseis da vida que hoje vemos no nosso planeta, pelo menos no próximo um bilhão de anos… mas essa é outra história relacionada com a evolução do Sol.