Synbio na terra da Mafalda

Autor: Ivan Lavander, estudante de Ciências Biológicas – USP

Entre os dias 16 e 22 de abril rolou um curso introdutório de biologia sintética, o primeiro desse tipo na America Latina, hosteado pela Universidade de Buenos Aires e financiado pela Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO). Eu fui um dos participantes selecionados, e vou divulgar numa série de posts um pouco do que rolou por lá =)
Esse é um primeiro post sumarizando o curso, e os próximos posts com a sigla [SBAr] se referem ao conteúdo do curso!

Estrutura do Curso – O curso se focou em introduzir os participantes nos principais métodos, estratégias e desafios do synbio. Mesmo nessa fase inicial, algumas idéias e principios já se definem como parte essencial da biologia sintética, incluindo quatro principais tópicos: estratégias bottom-up, top-down, algumas filosofias malucas sobre biobricks e aplicações. Durante o curso, esses tópicos e seus respectivos objetivos foram distribuídos abordados da seguinte forma:

(1)   Da complexidade natural à artificial;

Antes de desenvolver novos circuitos, é preciso se entender a organizaçào e “robustez” dos circuitos naturais. Integrar os dados de bancos de dados, assim como o montante de dados gerados por tecnologias de “high throughput”, que geram quantidades absurdas de dados, possibilitam observar com grande profundidade a dinânica do genoma, transcriptoma, proteoma, metaboloma e suas interações. Como selecionar e aplicar essa montanha de informação originária da natureza e quais métodos devem ser utilizados para otimizar essas redes de informação em circuitos sintéticos?

(2)   Estratégias bottom-up;

Bottom-up, ou “de baixo pra cima”, é a estratégia usado pra construir coisas com legos: usar partes intercambiaveis e bem conhecidas que podem ser utilizadas para se desenvolver sistemas de diferentes complexidades (em contraposição a estratégias top-down, onde mal se conhece o funcionamento do sistema, quanto mais sua complexidade, mas é preciso regula-lo para combater doenças, por exemplo). Esse jeito bottom-up de fazer synbio é uma das areas mais revolucionárias em synbio, trazendo uma nova visão open source de como produzir ciência. Assim, tem-se elevado, através da constante caracterização de novas partes biológicas, a complexidade e potencial de desenvolvimento de novos circuitos biológicos sintéticos pela utilização desses legos biológicos.

(3)   “Life is computation!”;

Modelos físicos teóricos predizem e eu não entendo porra nenhuma com bastante precisão sistemas complexos, e tem ajudado a revelar mecanismos antes inimagináveis de controle de expressão gênica. Esses modelos ajudam a guiar o design de circuitos sintéticos e a otimiza-los.

(4)   Interfaces entre circuitos sintéticos e naturais;

Diferente da estratégia bottom-up, alguns circuitos de interesse são extremamente complexos, dependem de fatores externos ou suas “partes” são pouco conhecidas – pelo menos com quanto as diferentes interações possíveis. Uma estratégia top-down, “de cima pra baixo”, permite regular sistemas biológicas sem que cada parte envolvida tenha sido “reconstruída” ou, no mínimo, seja totalmente conhecida como no caso de biobricks. Seria como desativar, ativar ou modular alguma parte pra ver se continua funcionando ou o que deixa de funcionar. E essa é uma das grandes promessas e revoluções do synbio: usar circuitos sintéticos em interface com circuitos complexos naturais para controlá-los ou modulá-los.

Os participantes 

A organização do curso foi feita pelos professores da Universidade de Buenos Aires Dr. Alejandro Nadra, o Dr. Ignacio Sanchez (o nacho!) e o Dr. Raik Grünberg, da Alemanha, todos advisors do primeiro time argentino do iGEM <http://igem.qb.fcen.uba.ar/site/#page_2/> e que vao ganhar um espaço próprio num futuro post.

Os palestrantes, Dr. Marc Güell, pos doc no Church lab em Harvard, e a Dra. Reshma Shetty, co-fundadora da Ginkgo Bioworks http://ginkgobioworks.com/, uma start up de synbio norte americana, falaram sobre a integração de bancos de dado e otimização de redes naturais para se criar circuitos artificiais. O Dr. Drew Endy (primeiro comentário: imagina um cara com cara de gringo, segundo: dizem por aí que ele é “o próximo steve jobs”) co-fundador da BioBricks Foundation e um dos idealizadores do iGEM, falou sobre estratégias bottom-up e biobricks ohreally?. O Dr. Roman Jerala (o principal advisor do time da Slovenia que ganhou duas vezes o grand award do iGEM) e a Dra Chirstina Smolke (uma das principais pesquisadoras de switches de RNA e professora de bioengenharia em Stanford) falaram sobre modulação de circuitos naturais usando estratégias de top-down (DNA origami, riboswitches, proteínas fusionadas) e o Dr. Thierry Mora e a Dra. Aleksandra Walczak mostrou o que a França tem de melhor, ambos da Ecole Normale Supérieure e do CNRS, falaram sobre modelagem teórica de redes complexas e aspectos teóricos do design de circuitos gênicos.

Mais informações:

http://events.embo.org/12-synthetic-biology/

Um por Todos e Todos por Um! Agradecimentos à Multidão que Faz Acontecer!

Acho que conseguimos fazer algo sensacional. E aparentemente inédito também. Eu já disse em outro post o quão somos todos poderosos com a internet, e foi com esse incrível poder – quase utópico – que conseguimos ser (pelo o que tudo indica) o primeiro projeto de ciência brasileiro a ser financiado com sucesso por crowdfunding, com incríveis 109% financiados.

Até agora não caiu a ficha que conseguimos quase cerca de 6000 reais em um mês e meio. Me lembro do dia em que cheguei no meu apartamento e disse aos meus colegas: “Cara, eu preciso de 2700 dólares nos próximos dois meses!” (antes de me explicar acharam que estava envolvido com algum tipo de máfia de agiotas).
Eu não fazia a mínima ideia de como arrumar esse dinheiro. Parecia impossível. Tínhamos caído em uma grande “sinuca financeira” ao tentar pedir financiamento pela universidade para um projeto que não se encaixa direito em quase nenhum dos programas de apoio que ela oferece. Essa é a sina da inovação: não existe nada pré-definido para aquilo que é novo. Bem, como estávamos fazendo algo novo, porque então não sair do óbvio? Porque esperar sempre apoio das mesmas fontes de financiamento que ditam o que pode e o que não pode ser feito? Foi aí que o Hotta me veio com a intrigante ideia: “Porque vocês não tentam financiamento por esse site aqui?”. Desde então descobri que além de algo chamado crowsourcing, existe algo tão velho quanto o imposto de renda (só que um pouco diferente) chamado crowdfunding, o financiamento pela multidão.

Sem saber a dificuldade de tal tarefa, simplesmente criei uma página de financiamento no RocketHub (o site de crowdfunding que usamos) para um projeto brasileiro de Biologia Sintética. De novo: brasileiro e em algo chamado Biologia Sintética. Como fazer a multidão se interessar por esse projeto dentre vários outros bem mais atrativos envolvendo música, filmes, arte e etc? Estereotipando, éramos um projetinho latinoamericano nerd junto de vários outros gringos, super chamativos e descolados. Eu não sabia em que estava me metendo. Talvez seja por isso que a ficha ainda não caiu depois que tudo deu certo. Você tabém não iria acreditar na quantidade de pessoas que existem aí fora dispostas a apoiar suas ideias.

Seguimos à risca as recomendações que o site dá para conseguir os projetos financiados: entrar em contato primeiro um círculo de pessoas diretamente relacionadas conosco e depois com um círculo de pessoas desconhecidas. O engraçado é que ficou tudo misturado. Ao mesmo tempo que apareciam pessoas totalmente não-relacionadas com qualquer pessoa do grupo, apareciam amigos e parentes dando uma engordada na vaquinha online.

Em cada email que recebia com uma quantia de dinheiro, independente da quantia que fosse, era como um pequeno presente de natal fora de época. Mais do que pessoas dando dinheiro a nós, tínhamos pessoas acreditando no nosso projeto, acreditando em nós. É aquele tipo de coisa que os cartões de crédito nos ensinaram muito bem que não tem preço. É principalmente por isso que por mais que eu escreva, não vou encontrar palavras para agradecer esse apoio de todos deram, seja de amigo, parente, professor, blogueiro, empresa, escritor, entusiasta e parceiro do grupo. Fomos muito além da expectativa mais otimista que tínhamos. Estamos muito mais motivados, felizes e com certeza de toda a responsabilidade que temos agora, que além de representar nosso país na maior competição de Biologia Sintética do mundo, é fazer todos os apoiadores também merecedores (além dos rewards, é claro) do sucesso que tivermos. Mas por enquanto gostaríamos muito de dizer:

Joana Guiro, Tania, Douglas Domingues, Cristiano Breuel, Kathleen Raven, Elias de A. Rodrigues, Renilda Souza, Roseane Souza, Adriana Marcelino Escarabichi, Regivaldo, Bruno Vellutini, Cleandho, Cristina Caldas, Luis Brudna, Daniel Ariano, Bernardo Lemos, Silvério Flora Filho, Alex Gorshkov, Shridhar Jayanthi, Carlos Gustavo, Marcus Nunes, Carlos Hotta, Gilberto, Andrés Ochoa, Blog Blabos de Blebe, Mateus Schriener G. Lopes, Mariana Machado de Paula Albuquerque, Jean Marcel Duvoisin Schmidt, Débora Pimentel, Andre Pimenta Freire, Rafael Calsaverini, Bruno de Medeiros, Integrated DNA Technologies (IDT), Felipe (phi!), Carolina Carrijo, Rafael Tuma Guariento, Fábio Cespedes, Carolina Menezes Silverio, Konrad Förstner, Francisco Camargo (Chico!), Cláudia Chow, Roberto Takata, e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas…

🙂

Há ainda muito trabalho pela frente e vários outros desafios a serem encarados, mas esse nosso primeiro sucesso tangível já está ganhando repercussão em alguns lugares, como no blog sobre ciência da revista piauí (“De grão em grão“) e no blog do próprio RocketHub (“Brazilian Science Dreams Comes Alive” e “A RocketHub Story: Dreamers Don’t Blink“). Espero que essa moda gringa pegue por aqui, e que ainda possamos ver no Brasil vários projetos científicos criativos mais livres, abertos e possíveis com crowdfunding, sem depender muito dos programas pré-formatados de apoio à pesquisa e desenvolvimento. Afinal, como já disse no nosso vídeo promocial: “Because when you help science, you help everyone!”.

OBS: agora eu tenho uma exclusiva “Wings Badge” no RocketHub! A melhor badge que já ganhei! 😀

Enquete: Qual projeto você acha mais interessante!?

Chegamos ao fim do ano com três projetos bastante interessantes para levarmos ao iGEM e queríamos a opinião de vocês sobre qual deles vocês acham mais legal e o porquê! Deêm uma conferida num resumo super rápido de cada proposta:

Plasmídeo Plug&Play

Cansado de ter que fazer vários passos metodológicos para transformar microrganismos? Você adoraria expressar um gene que você sempre quis em sua bactéria de um jeito fácil, rápido, barato e acessível? Chegou a solução! Com apenas dois pequenos passos você tem em mãos um kit de transformação “faça-você-mesmo” (DIY), sem precisar de equipamentos e reagentes caros! Basta fazer um PCR e depois a transformação! Esqueça outros passos como digestão, ligação, e vários outros PCRs cansativos! Veja aqui o link de um vídeo sobre a proposta.

Rede de Memória Associativa em Bactérias

Imagine se fosse possível reproduzir um comportamento cerebral… sem o cérebro! Esse é um tipo de desafio que muitos cientistas da computação e programadores andam trabalhando por aí. Na Biologia Sintética também! Inspirado em algumas publicações recentes envolvendo experimentos in vitro de sistemas com comportamento de uma rede neural, queremos criar um modelo in vivo disso, e sem usar neurônios: com populações de bactérias! Elas seriam capazes de reconhecer um padrão luminoso incompleto de uma “memória” que possuem e depois completar esse padrão, dando uma saída (output) luminosa com o padrão mais próximo de sua memória em relação ao padrão inicial dado. Já escrevemos um post sobre o caminho de ligações improváveis que fizemos para chegar na ideia desse projeto. Veja aqui o link de um vídeo sobre a proposta.

Sensor de Tensão Mecânica de Membrana

Nós temos mecanismos sensoriais bem parecidos dos que existem em microrganismos. Basicamente eles podem ser: metabólitos, temperatura, luz, voltagem, e até mesmo campos magnéticos. Mas e o “tato”!? Aquele tipo de sensor que usamos a todo momento! Como fazer microrganismos traduzirem um contato físico em uma resposta (igual por exemplo à essa plantinha aqui)!? É o que propõe a ideia desse projeto. Propor um novo sensor que pretende fazer microrganismos nos contarem que os estamos tocando (através desse Biobrick, um “stretch channel”), emitindo luz azul nesse processo (através desse Biobrick, Aequorina). No final, podemos aplicar isso igual ao esquema da figura aí em cima. Veja o link de um vídeo sobre a proposta aqui (< desatualizado, mas no mínimo dá pra entender de onde veio o insight da ideia).

E aí!? O que você acha? Dê o seu pitaco!

SynbioBrasil no Science Blogs!

Após passar por um processo de seleção junto à outros ótimos blogs de ciência brasileiros o SynbioBrasil foi convidado a participar da rede ScienceBlogs Brasil (SBBr), uma das mais importantes e influentes comunidades de blogs sobre ciência do Brasil!

Figuram na SBBr grandes blogueiros da ciência e apoiadores da nossa iniciativa, como Átila Iamarino, do blog Rainha Vermelha, e Carlos Hotta, do Brontossauros em Meu Jardim, isso sem falar nos vários outros ótimos blogs (como o Massa Crítica; Chapéu, Chicote e Carbono-14; e Ciência e Ideias).

Todos nós do time de colaboradores, tanto dos que escrevem no blog, como os que participam da iniciativa para o iGEM 2012, recebemos com grande honra essa oportunidade e esperamos poder continuar nosso trabalho de divulgação científica sobre Biologia Sintética, iGEM e DIY Biology, seguindo nossa filosofia para uma ciência mais aberta, acessível e democrática, que estimule a interdisciplinariedade e integração de universidades, institutos e iniciativas privadas na inovação da pesquisa brasileira através da biologia sintética.

Particularmente, é muito bonito poder fazer parte dessa nova geração de blogs científicos, ainda mais podendo participar da comunidade de blogs que leio desde a adolescência e que com certeza influenciou muitas decisões da minha vida, servindo principalmente para alimentar e incentivar minha curiosidade: um dos bens mais preciosos que alguém pode ter! Obrigado! 🙂

ScienceBlogs! Lá vamos nós!

Lâmpada verde da Philips produz luz com bactérias

A Philips lançou uma lâmpada que utiliza bactéria bioluminescentes. Mais interessante é que esses microrganismos se alimentam de metano produzido pela compostagem de restos de alimentos realizado em pequena escala na própria casa. Para a Philips esse é o primeiro passo para a utilização de microrganismos em sistemas de iluminação.

Veja a matéria na íntegra.

Canal do SynbioBrasil no LiveStream!

Já está feito o nosso canal para transmissão ao vivo pela internet das reuniões do Clube de Biologia sintética pelo LiveStream, um site muito legal de streamming ao vivo pela internet que qualquer um pode criar.

Agora com esse novo recurso é possível interagir ao vivo com a apresentação, além de ser possível conferir os vídeos da apresentação depois no próprio canal.

SynbioBrasil no LiveStream!

Confira nosso canal clicando na imagem acima ou na barra aqui à direita com os links do SynbioBrasil.

Veja os horários das reuniões na página do clube de biologia sintética no cabeçalho do site para saber quando o canal estará online!

Esperamos sua participação por lá! Até!

Pesquisadores de Caltech constróem a primeira rede neural artificial de DNA

Pesquisadores da Universidade de
Caltech inventaram um método para construir sistemas de moléculas de DNA cujas interações simulam o comportamento de um modelo matemático simples de redes neurais artificiais.

A inteligência artificial tem sido inspiração para incontáveis livros e filmes, assim como aspiração de inúmeros cientistas e engenheiros. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) deram um importante passo na criação da inteligência artificial – não em um robô ou chip de silicone, mas num tubo. Os pesquisadores são os primeiros a fazerem uma rede neural artificial de DNA, criando um circuito de moléculas interagindo e que apresentam lembranças baseadas em padrões incompletos, assim como um cérebro.

“O cérebro é incrível”, disse Lulu Qian, um bioengenheiro de Caltech. “Permite o reconhecimento de padrões de eventos, formação de memórias, tomada de decisões e ações. Nós nos perguntamos, ao invés de uma rede de células neurais conectadas fisicamente, será que uma sopa de moléculas interagindo pode apresentar um comportamento típico do cérebro?” A resposta, como eles mostraram é sim.

Constituída de quatro neurônios artificiais feitos de 112 fitas distintas de DNA, a rede neural foi “treinada” para “reconhecer” quatro cientistas, cujas identidades são representadas por um conjunto específico de respostas para quatro perguntas sim-ou-não.

Depois de pensar em um cientista, um jogador humano fornece um subsistema de respostas que identificam parcialmente o cientista. O jogador conduz as pistas para a rede ao gotejar fitas de DNA correspondentes àquelas respostas dentro do tubo de ensaio. A rede identifica qual era o cientista que o jogador tinha pensado através de comunicação por sinais fluorescentes. Ou, a rede pode “dizer” que havia informação insuficiente para escolher apenas um dos cientistas em sua memória ou que as pistas contradizem aquilo que foi lembrado. Os pesquisadores jogaram esse jogo com a rede utilizando 27 maneiras de responder às perguntas (de um total de 81 combinações possíveis) e ela respondeu corretamente a cada vez.

Essa rede neural de DNA demonstra a habilidade de a partir de um padrão incompleto, descobrir o que ele representa – uma das características de um cérebro. “Nós somos bons em reconhecer coisas. Podemos reconhecê-las olhando para um conjunto de pistas ou características”, disse o co-autor Jehoshua “Shuki” Bruck. A rede neural de DNA faz isso, mas de uma forma mais rudimentar.

Sistemas bioquímicos com inteligência artificial – ou pelo menos uma capacidade básica de tomar decisões – poderia ter poderosas aplicações na medicina, química e biologia, os pesquisadores disseram. No futuro, esses sistemas poderiam operar dentro das células, ajudando a responder perguntas fundamentais da biologia ou diagnosticar uma doença. Processos bioquímicos que podem responder inteligentemente à presença de outras moléculas poderiam permitir que engenheiros produzissem compostos químicos cada vez mais complexos ou construir novos tipos de estruturas, molécula a molécula.

“Embora comportamentos como o do cérebro dentro de sistemas bioquímicos artificiais tenham sido hipotéticos por décadas”, segundo Qian, “eles são muito difíceis de entender e decifrar.”

Os pesquisadores basearam sua rede neural bioquímica em um modelo neuronal simples, chamado linear threshold function. O modelo neuronal recebe sinais de entrada, multiplica-os por um fator positivo ou negativo, e se a soma ultrapassar um certo limiar, o neurônio dispara, produzindo um sinal de saída.

“Este modelo é uma simplificação dos neurônios reais”, disse o co-autor Erik Winfree. “Mas é uma boa simplificação. Tem sido um modelo extremamente produtivo para explorar como o comportamento coletivo de vários elementos computacionais simples pode levar a comportamentos como o de um cérebro, como completar o padrão e memória associativa.”

Para construir a rede neural de DNA, os pesquisadores utilizaram um processo chamado strand-displacement cascade. Anteriormente, a equipe desenvolveu esta técnica para criar o maior e mais complexo circuito de DNA até então, que computava raízes quadradas.

Dentro do tubo de ensaio, o DNA dentro da solução contém moléculas de DNA simples fita e parcialmente dupla-fita. Uma simples-fita pode mudar sua conformação para uma parcialmente dupla-fita, e se suas bases forem complementares, a simples-fita se junta a dupla-fita, deslocando a outra fita da dupla-hélice. A simples fita então atua como
sinal de entrada enquanto a fita deslocada atua como sinal de saída, que pode então interagir com outras moléculas.

Já que eles podem sintetizar fitas de DNA com a sequência que eles queiram, os pesquisadores podem programar essas interações para se comportarem como uma rede de neurônios. Ao ajustar as concentrações de cada fita de DNA na rede, eles podem ensiná-la a se lembrar dos padrões únicos de respostas sim-ou-não que pertencem a cada um dos quatro cientistas. Diferentemente de algumas redes neurais artificiais que podem aprender diretamente a partir de exemplos, os pesquisadores usaram simulações computacionais para determinar os níveis de concentração molecular necessários para implantar memória na rede neural de DNA.

Enquanto este experimento mostra a promessa de se criar redes de DNA que podem, em essência, pensar, esta rede neural é limitada. O cérebro humano consiste de 100 bilhões de neurônios, mas criar uma rede com apenas 40 desses neurônios baseados em DNA – dez vezes maior que a rede demonstrada – seria um desafio, de acordo com os pesquisadores. Além disso, o sistema é lento; a rede no tubo de ensaio demorou 8 horas para identificar cada cientista misterioso. As moléculas também são incapazes de descolar e parear com uma fita diferente de DNA, então o jogo pode ser jogado apenas uma vez. Talvez no
futuro, uma rede neural bioquímica poderia aprender a melhorar sua performance depois de muitos jogos repetidos, ou aprender novas memórias ao encontrar novas situações. Desenvolver redes que operam dentro do corpo – ou até mesmo dentro de uma célula ou placa de Petri – também é um longo caminho, já que fazer esta tecnologia operar in vivo traz desafios completamente diferentes.

Além de desafios tecnológicos, engenheirar estes sistemas poderia também fornecer uma percepção da evolução da inteligência. “Antes de o cérebro ter evoluído, organismos unicelulares também eram capazes de processar informação, tomar decisões e agir em resposta ao meio
ambiente,” Qian explicou. A fonte de comportamentos complexos deve ter sido uma rede de moléculas fluindo pela célula. “Talvez o cérebro altamente desenvolvido e a inteligência limitada vista nas células unicelulares compartilhem um modelo computacional similar que é programado em diferentes substratos.

“Nosso artigo pode ser interpretado como uma demonstração simples de princípios neuro-computacionais nos níveis moleculares e intracelulares”, de acordo com Bruck. “Uma interpretação possível é que esses princípios sejam universais no processamento de informações biológicas.

Vejam os vídeos explicativos, em inglês, feitos pelos próprios pesquisadores. Ficou bem dinâmico!

Referências

Neural network computation with DNA strand displacement cascades.

http://www.nature.com/nature/journal/v475/n7356/full/nature10262.html

http://www.eurekalert.org/pub_releases/2011-07/ciot-crc072011.php

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Cientistas descobrem novas ferramentas para reescrever o código da vida

O poder de editar genes é revolucionário, útil e com potenciais ilimitados. Porém, a maior parte das ferramentas de edição de DNA são lentas, caras e difíceis de usar – é uma brilhante tecnologia na sua infância. Agora, pesquisadores de Harvard desenvolveram uma técnica que pode editar genomas de uma forma rápida e fácil, reescrevendo o genoma de células vivas. A técnica funciona como um processador de textos, que tem as funções de localizar e substituir. Ele reconhece uma seqüência específica no DNA e a substitui por outra.

“Pela primeira vez, estamos demonstrando que é possível fazer mudanças genômicas no nível do códon”, disse Farren Isaacs, um bioengenheiro da Universidade de Yale em New Haven, Connecticut. “Nós seremos capazes de introduzir novas funcionalidades em organismos”.

A técnica, publicada na revista Science, explora a redundância do código genético. Os aminoácidos, que compõem as proteínas, são codificados por combinações de três letras de DNA chamadas códons. Múltiplos códons às vezes codificam o mesmo aminoácido, por isso se diz que o código genético é degenerado ou redundante.

Isaacs e seus colegas escolheram um códon de parada, TAG, que, junto com o TAA e TGA, sinalizam o fim de uma cadeia de aminoácidos e a liberação da proteína formada. Como esses três códons apresentam a mesma função, os pesquisadores decidiram apagar todos os TAGs do
genoma de uma Escherichia coli e substituí-los por TAAs, utilizando uma plataforma chamada “multiplex automated genome engineering, ou MAGE”. Isso deixa o TAG livre para codificar um novo aminoácido.

Foram sintetizadas 314 fitas de DNA idênticas ao genoma da E. coli exceto que todos os TAGs, nas 314 fitas ao todo, estavam substituídos por TAAs. Em outras palavras, cada uma das 314 fitas não tinha todos os TAGs substituídos por TAAs, mas as 314 fitas juntas sim! Eles então aplicaram corrente elétrica para permitir a entrada do novo DNA nas células. Muitas repetições desta técnica resultaram na obtenção de 31 linhagens da bactéria com 10 dos genes modificados e uma com 4. A equipe bolou um esquema para canalizar todas as 314 mutações para uma célula. Os pesquisadores fizeram uso da habilidade que as bactérias têm de transferir genes para outras bactérias, a conjugação: as 32 linhagens foram pareadas, sendo que uma linhagem doou seus genes mutados para a outra. As 16 linhagens resultantes foram pareadas para formar 8, e novamente para formar 4, condensando as mutações ao longo desse processo. O processo foi batizado “conjugative assembly genome engineering (CAGE)”.

Ansiosos para compartilhar sua tecnologia, eles publicaram seus resultados assim que o CAGE atingiu a rodada semifinal. Os resultados sugerem que as quatro linhagens finais são saudáveis, mesmo com a quantidade de mudanças a que as células foram submetidas.

Após mais duas rodadas de CAGE, segundo Isaacs, uma única linhagem da bactéria conterá todas as 314 mutações e será livre de TAG, que ficará disponível para codificar um aminoácido artificial. Isso desafia as pessoas a imaginarem o genoma como algo muito maleável e editável. Alguns laboratórios já criaram esses aminoácidos, assim como a maquinaria necessária para incorporá-los em proteínas. “O grande avanço aqui é que nós teremos um hospedeiro que permitirá a incorporação de aminoácidos artificiais a taxas muito superiores”, disse Isaacs.

Estes organismos engenheirados seriam geneticamente isolados de outros organismos. A nova informação genética não seria capaz de contaminar organismos naturais porque, fora do laboratório, os aminoácidos naturais no lugar dos artificiais criariam proteínas não funcionais. Além disso, esses organismos seriam imunes a vírus que se baseiam na tradução protéica tradicional – importante para manter linhagens saudáveis e úteis industrialmente. A importância da imunidade viral reside no fato de que indústrias nas quais são cultivadas bactérias, como as farmacêuticas e energéticas, esses vírus podem afetar até 20% das culturas. Um exemplo notável acometeu a Genzyme, cujas perdas devido a contaminações virais podem ter variado de milhões de dólares a até $1 bilhão.

“Essa técnica é mais barata que tentar elaborar genomas a partir do zero. Ao modificar genomas existentes, a maior parte do trabalho já está feita”, disse o co-autor George Church, um geneticista da Harvard Medical School em Boston, Massachusetts.

Cientistas do J. Craig Venter Institute (JCVI), que no ano passado “criaram” a primeira bactéria controlada por um genoma sintético, dizem que o método traz coisas importantes para esse campo de estudo, mas só funciona na prática se o genoma desejado é similar a um organismo existente. “Ultimamente, no JCVI nós estamos tentando fazer células a partir do zero, e apenas uma síntese genômica de novo tornaria isso possível”, disse um porta-voz do Instituto via email.

As duas técnicas provavelmente serão usadas em conjunto, disse Isaacs. “Não surpreenderia se essas tecnologias se unissem e nós começássemos a ver técnicas híbridas inclusive mais poderosas do que as que vemos hoje”.

Referências:

Precise Manipulation of Chromosomes in Vivo Enables Genome-Wide Codon Replacement  Isaacs, et al. Science 15 July 2011: 333 (6040), 348-353. [DOI:10.1126/science.1205822]

http://www.eurekalert.org/pub_releases/2011-07/hms-etg071111.php

http://www.nature.com/news/2011/110714/full/news.2011.419.html

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7º Congresso Brasileiro de Biossegurança

via Agência FAPESP – O 7º Congresso Brasileiro de Biossegurança, organizado pela Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), será realizado em Joinville (SC) de 19 a 23 de setembro.

Sob o tema “Avanços da Biologia Sintética e desafios da Biossegurança”, o evento ocorrerá junto à Conferência Internacional para a América Latina e Caribe de Biosseguridade e Biossegurança.

Estudantes, profissionais e pesquisadores debaterão os riscos ambientais diante os avanços tecnológicos, a biologia sintética na agricultura, a ética, a divulgação científica, os desafios de manejo e riscos em laboratórios de pesquisa e a regulamentação do setor.

A programação do encontro, que ocorrerá na Universidade de Joinville (Univille), inclui palestras, mesas-redondas e minicursos.

Entre os especialistas internacionais confirmados estão Andrew Hessel, da Singularity University, Paul Huntly, da Biorisk, e Paul Langevin, vice-presidente da Merrick Canada.

Mais informações e inscrições: http://www.anbio.org.br/congresso/2011/2011.pdf

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Bactéria com substância química tóxica incorporada ao DNA

Uma equipe internacional de pesquisadores alcançou sucesso em obter uma bactéria que possui o DNA no qual a base timina foi substituída por 5-Chlorouracil, uma substância sintética tóxica para outros organismos.

O trabalho experimental foi baseado numa tecnologia única desenvolvida por Marlière e Mutzel, possibilitando a evolução dirigida de organismos sob condições estritamente  controladas. Populações de bactérias foram cultivadas por períodos prolongados na presença de uma substância química tóxica – no caso, a 5-Chlorouracil – a níveis que não provocam a morte, dessa forma selecionando as células tolerantes a altas concentrações dessa substância.

Em resposta ao surgimento dessas mutantes na população, a concentração do 5-Chlorouracil no meio de cultura foi aumentada para manter a pressão seletiva constante. Esse procedimento de evolução a longo prazo foi aplicado para adaptar E. coli geneticamente modificadas incapazes de sintetizar timina para crescerem num meio com concentrações crescentes de 5-Chlorouracil. Após 1000 gerações aproximadamente, descendentes da linhagem inicial foram analisados, sendo que estes utilizaram o 5-Chlorouracil como substituto da timina. Análises subseqüentes do genoma revelaram numerosas mutações no DNA das bactérias adaptadas. A contribuição dessas mutações para a adaptação das células será objeto de estudos posteriores.

Além do interesse óbvio dessa mudança radical na química de sistemas vivos para a pesquisa básica, os cientistas também consideram os resultados de seu trabalho relevantes para xenobiologia, um ramo da biologia sintética. Essa nova área das ciências da vida tem como objetivo a geração de novos organismos não encontrados naturalmente, com características metabólicas otimizadas para, por exemplo, a produção de modos alternativos de energia e síntese de produtos químicos de alto valor. Assim como os transgênicos ou organismos geneticamente modificados, essas bactérias sintéticas são vistas como potencial ameaça para ecossistemas naturais quando liberadas do laboratório, seja pela competição com organismos selvagens ou através da difusão do “DNA sintético”.

É óbvio que mesmo tentando conter, não é possível evitar absolutamente que seres vivos geneticamente modificados entrem em contato com hábitats naturais, assim como os isótopos radioativos que escapam para as redondezas de uma região de usina nuclear. Entretanto, organismos sintéticos assim como os do presente trabalho – que dependem da disponibilidade de determinadas substâncias para sua proliferação ou que incorporam compostos químicos não naturais em seu DNA – não tem condições de competir com animais selvagens nem trocar DNA com eles.

Referências

Marlière, P., Patrouix, J., Döring, V., Herdewijn, P., Tricot, S., Cruveiller, S., Bouzon, M. and Mutzel, R. (2011), Chemical Evolution of a Bacterium’s Genome. Angewandte Chemie International Edition, 50:
n/a. doi: 10.1002/anie.201100535

Thymine Replacement Directs Bacterium DNA Evolution

An international team of researchers has now succeeded in generating a bacterium possessing a DNA in which thymine is replaced by the synthetic building block 5-Chlorouracil, a substance toxic for other organisms.

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