Nanopartículas que emitem luz – parte II

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No post anterior comentei sobre como funciona a fosforescência e a fluorescência e contei que nanopartículas luminescentes podem ser utilizadas para diagnosticar doenças. A questão é que eu não contei COMO elas fazem isso. Para começar, vamos dar nome aos bois. As nanopartículas luminescentes às quais me refiro são conhecidas como pontos quânticos (ou quantum dots, em inglês). Elas nada mais são que nanocristais de materiais semicondutores, tais como sulfeto de cádmio (que é um pigmento laranja). Não é a toa que os chamamos de PONTOS – seu tamanho está na faixa de 1 a 20 nm (o que é bem menor que o vírus da influenza A, por exemplo). Nos nanocristais, mais de 70 % dos átomos estão na sua superfície, coisa que não acontece na macroescala. Esse fato muda a forma como as transições eletrônicas (ou seja, o afastamento e a reaproximação dos elétrons em relação ao núcleo dos átomos) ocorrem no semicondutor. É por isso que sulfeto de zinco em pó (que é preto) não é capaz de emitir luz, mas nanocristais de sulfeto de zinco emitem luz que é uma beleza! O mais legal é que a cor da luz emitida depende de como as transições eletrônicas ocorrem e, portanto, varia conforme o tamanho da partícula. As transições eletrônicas também dependem do tipo de semicondutor utilizado. Considerando isso tudo, fica claro que as propriedades ópticas do quantum dot podem ser alteradas conforme a necessidade mudando-se seu tamanho e o material que compõe sua superfície. É praticamente uma engenharia na nanoescala!

EMISSÃO DE LUMINESCÊNCIA DE SOLUÇÕES DE QUANTUM DOTS DE CdSe/ZnS. O TAMANHO AUMENTA DE 2 A 6 nm DA ESQUERDA PARA A DIREITA

(Fonte: Tomzak e colaboradores, 2009).

Quantum dots podem ser utilizados como sensores químicos para detectar microrganismos patogênicos e toxinas. Quantum dots ligados a anticorpos foram capazes de detectar os microrganismos Cryptosporidium parvum e Giardia lamblia em água. A figura abaixo mostra a cor verde emitida pelos quantum dots ligados a C. parvum e a cor vermelha emitida por aqueles ligados a G. lamblia. A vantagem desses quantum dots frente aos corantes tradicionais é que eles podem ser empregados para qualquer tipo de microrganismo com alta especificidade e são menos susceptíveis a interferentes.

(Fonte: Zhu e colaboradores, 2004)

Quantum dots ligados a oligonucleotídeos podem reconhecer sequências-alvo no DNA. Dessa forma, a identificação de sequências-alvo específicas no material genético foi feita empregando-se combinações de quantum dots de diferentes cores e com capacidade de emitir luz em diferentes intensidades para cada cor. Usando 6 cores e 10 intensidades, é possível obter um milhão de combinações! A identificação de certos alvos na estrutura do material genético poderia permitir o diagnóstico de doenças decorrentes de mutações, tais como certos cânceres. Há potencial na idéia, mas para isso é fundamental ter à disposição uma biblioteca de ligantes (oligonucleotídeos ou anticorpos) capazes de reconhecer os alvos específicos na estrutura do DNA.

O uso dos quantum dots para medir a atividade de certas enzimas é outra aplicação interessante na área de diagnóstico. Quantum dots foram ligados a um oligopeptídeo, que por sua vez foi marcado com rodamina (um corante fluorescente tradicional). Na presença de proteases (enzimas que quebram peptídeos) ocorreu a quebra do oligopeptídeo que unia o quantum dot e a rodamina. Isso alterou a cor do quantum dot, que passou de laranja a verde. Se não houvesse proteases na amostra, a cor do quantum dot não se alteraria. Quanto maior a concentração de protease, maior a intensidade da cor verde. O tipo de oligopeptídeo usado é escolhido em função da enzima específica que se quer detectar (porque essa quebra é altamente seletiva). Com esse teste, os autores puderam diferenciar células normais de células de câncer de mama in vitro em menos de 15 min, porque a atividade de proteases em células cancerosas é maior que em células normais.

Achou bacana? Pois saiba que ainda não acabou. Tem mais sobre quantum dots aplicados à área médica no próximo post!

(Continua no próximo post)

Referências:

Tomczak, N., Jańczewski, D., Han, M., & Vancso, G. (2009). Designer polymer-quantum dot architectures Progress in Polymer Science, 34 (5), 393-430 DOI: 10.1016/j.progpolymsci.2008.11.004

Han, M., Gao, X., Su, J., & Nie, S. (2001). Quantum-dot-tagged microbeads for multiplexed optical coding of biomolecules Nature Biotechnology, 19 (7), 631-635 DOI: 10.1038/90228

Zhu, L., Ang, S., & Liu, W. (2004). Quantum Dots as a Novel Immunofluorescent Detection System for Cryptosporidium parvum and Giardia lamblia Applied and Environmental Microbiology, 70 (1), 597-598 DOI: 10.1128/AEM.70.1.597-598.2004

Shi, L., De Paoli, V., Rosenzweig, N., & Rosenzweig, Z. (2006). Synthesis and Application of Quantum Dots FRET-Based Protease Sensors Journal of the American Chemical Society, 128 (32), 10378-10379 DOI: 10.1021/ja063509o

Discussão - 4 comentários

  1. Letícia disse:

    Oi Fernanda,
    gostei muito destes posts sobre os quantum dots. Na primeira parte, fiquei curiosa para conhecer o MCT da PUC, por incrível que pareça eu ainda não fui la...
    Aproveito para dizer que estou curtindo muito teu blog. Tenho lido os posts sempre e, para mim, é uma ótima fonte para me manter atualizada sobre o nanomundo.
    Grande abraço,
    Letícia Cruz

  2. Oi, Le!
    Que surpresa legal! Especialmente porque você foi uma das pessoas que me acompanhou nessa jornada pelo nanobiomundo desde o começo 🙂
    Parabéns pelo seu trabalho, pela sua vitória. São estímulo e exemplo para mim!
    Forte abraço!
    Fer

  3. Anonymous disse:

    olá! gostaria de saber como as nanoparticulas fluorescentes detectam a presença de um virus.como por exemplo, o da gripe A H1N1. Como isso ocorre quimicamente. Estou fezendo um trabalho q gostaria da sua ajuda!
    Obrigada!

  4. Uma resposta para essa pergunta poderia ser o que chamamos de vetorização ativa: um ligante é adicionado na superfície da nanopartícula fluorescente - esse ligante é capaz de se ligar a um receptor específico no organismo, que pode ser desde uma proteína de membrana até algum componente do capsídeo viral. Dessa forma, se as nanopartículas fluorescentes tem um ligante na sua superfície, elas tenderão a se acumular num local do organismo onde exista grande concentração do seu receptor. Se o receptor for um componente do capsídeo de um vírus, por exemplo, elas tenderão a se acumular no local onde o virus está presente.
    Respondi sua pergunta?
    Abraço,
    Fernanda

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