O triste paradoxo da ciência gaúcha

A ciência do Rio Grande do Sul vive um triste paradoxo. O Estado é o quarto maior produtor de ciência e tecnologia do Brasil, com um corpo de 915 pesquisadores que possuem bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq. Temos universidades que figuram entre as melhores do país, de acordo com dados do Ministério de Educação (MEC). As empresas locais vêm se interessando cada vez mais em incorporar pesquisa tecnológica e inovação em suas atividades. Com tantos ótimos indicadores, onde está o paradoxo? No apoio do governo estadual à ciência, que é simplesmente pífio.

FAP é uma agência estadual de fomento, cuja sigla significa Fundação de Amparo à Pesquisa. A função de uma FAP é basicamente custear projetos de pesquisa com recursos do Tesouro do Estado, a fim de promover a inovação tecnológica, a divulgação científica e estimular a formação de recursos humanos. Ao contrário de órgãos federais como o CNPq, que priorizam interesses nacionais ao fomentar projetos, uma FAP deve prezar pelos interesses regionais. A primeira FAP a ser fundada no Brasil foi a gaúcha FAPERGS, em 1964. Desde então, vários estados criaram as suas próprias FAP, muitas extremamente atuantes, como a FAPESP (São Paulo), a FAPERJ (Rio de Janeiro) e a FAPEMIG (Minas Gerais).

A Lei Complementar n.º 9.103 (8/07-1990) destina 1,5% da receita líquida de impostos do Estado do Rio Grande do Sul à FAPERGS. No entanto, esse percentual nunca foi cumprido. Na prática, apenas cerca de 30 % desse valor era repassado. Mesmo assim, a FAPERGS figurava entre as principais FAP do Brasil na década de 1990. Nessa época, a agência lançou o primeiro edital de interação universidade-empresa do país, cujo modelo foi posteriormente adotado pela FAPESP (que hoje investe cerca de R$ 40 milhões apenas nesse projeto). A situação da FAP gaúcha tem se agravado a cada ano e nos últimos tempos ganhou tons de drama apocalíptico: um corte de 50 % nos repasses ocorreu entre 2005 e 2007. Em 2007, foram recebidos R$ 8,2 milhões ao invés dos R$156,7 milhões de reais determinados pela Constituição Estadual.

A FAPERGS tentou emplacar duas emendas com mais de 13 mil assinaturas de apoio em busca de recursos para a instituição no orçamento de 2010. Só que ciência não é prioridade na opinião da maioria dos nossos deputados estaduais, já que as emendas não foram aprovadas. Devido a isso, a fundação irá fechar o ano com gasto inferior a R$ 9 milhões e a previsão para 2010 é de aproximadamente R$ 10 milhões em caixa. Para fins de comparação, o orçamento da FAPEMIG é de R$ 250 milhões (Minas Gerais tem um número de doutores e de recursos investidos por agências federais semelhante ao do Rio Grande do Sul). A consequência? Boa parte dos recursos federais propostos para a pesquisa no Estado não serão mais recebidos, pois é exigida uma contrapartida, mesmo que simbólica, da FAPERGS. O sucateamento da FAPERGS vai na contramão do que é observado na esfera federal, cujo apoio a Ciência, Tecnologia e Inovação nunca foi tão efetivo.
Essa situação estimulou a professora Marcia Barbosa, Diretora do Instituto de Física da UFRGS, a organizar um levante. Os nomes dos ilustres deputados que votaram contra a emenda de aumento do orçamento da FAPERGS foram publicados no site do Instituto de Física da UFRGS como forma de protesto e de conclamação da comunidade acadêmica a se rebelar contra esse descaso governamental. Do texto publicado pela professora Márcia Barbosa (que recomendo a leitura), extraio um trecho para apreciação do leitor:
“A insuficiência e a instabilidade de recursos da FAPERGS inviabilizam o:
– atendimento continuado da demanda espontânea dos grupos de pesquisa;
– aproveitamento pleno dos recursos federais vinculados à contrapartida do Estado, como é o caso de vários programas da FINEP, CNPq e CAPES;
– financiamento de projetos induzidos em áreas consideradas prioritárias pelo Governo do Estado.”
Quando estive em São Paulo para o lançamento do Photoprot, ouvi reiteradas vezes que o produto inovador e a empresa que o desenvolveu são motivo de orgulho para os paulistas. Ouvir isso me fez pensar… Ora, o investimento governamental em ciência e tecnologia é estratégico, pois estas últimas estão intrinsecamente atreladas à inovação feita pelo setor industrial, que por sua vez gera riqueza econômica e desenvolvimento. A concretização desse ciclo virtuoso só é possível se pesquisa científica for prioridade política.

Esse é um bom momento para os habitantes do Rio Grande do Sul (acadêmicos, políticos, empresários, população em geral, na próxima eleição) tomarem uma decisão sobre que tipo de Estado querem construir para as próximas décadas: um pampa que preza pela inovação e a utiliza como força geradora de riqueza e desenvolvimento, ou um deserto cada vez mais árido de idéias, iniciativa e (por que não?) orgulho.

Agradecimento à professora Adriana Pohlmann, que instigou esse post durante a viagem a São Paulo.

UPDATE 24/11/2009: Os deputados estaduais que participaram da votação mencionada acima fazem parte da Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle da Assembleia Legislativa do RS. Um Projeto de Lei (nesse caso, o PL 226/2009) precisa passar primeiro por uma dessas comissões antes de ser votado em sessão plenária.


Discussão - 6 comentários

  1. Uau, que análise! Não tinha a menor ideia desse panorama.O post é ótimo, cumpre muito bem seu papel de chamar a atenção para essa situação absurda. Depois nêgo fica preocupado com "evasão de cérebros" e cia...Estimo melhoras para a C,T&I no RS, que tem tanta cabeça boa a fim de trabalhar!

  2. Oi, Tati
    Pois é, conheço quem tenha optado por sair do RS por conta desse descaso. Realmente triste.
    Abraço,
    Fer

  3. Dani disse:

    Oi Fe! Excelente esse post! Também não sabia dessa situação do nosso estado em relação à ciência. Inclusive me desestimulo a começar o doutorado aqui no RS, assim como deve haver mta gente indo pra outros estados ou países. E vontade de trabalhar p/ participar da evolução da nossa sociedade é o que não nos falta!!Onde está o dinheiro público que seria para o investimento em evolução através da ciência??? Ahhh, sim, acho que foi parar nos bolsos desses deputados que não priorizam a C,T&I.; Ridículo que estejamos à mercê dos interesses pessoais (pessoais, sim!!!) de cada um desses políticos que desconsideram o interesse do todo, da sociedade.I-N-D-I-G-N-A-N-T-E!!Adiós amigos! Vou-me pra SP, MG, RJ...colocar em prática minha vontade de contribuir para melhorar as condições de vida de todos os cidadões brasileiros, através da ciência acadêmica!!!Bjos, Daniela

  4. Joey Salgado disse:

    Depois de ler isso, vou fazer meus relatórios para a FAPESP com gosto! Que tristeza essa situação no RS, espero que esse quadro mude.
    Inté!

  5. Dedalus disse:

    Cara Fernanda,
    Sei que muita gente não gosta de pensar em política, mas esse é um caso em que deve ver bem quem fez ou não o quê. A base de apoio do governo do RS está de que lado? A oposição está de que lado? Isso tem a ver com as políticas macro de cada lado?
    Um abraço!

  6. Oi, Dedalus
    Pois é, pela lista de quem votou contra ou a favor, vemos uma clara divisão entre a base de apoio governista e a oposição. Ficou evidente que os deputados que votaram contra (da situação) estavam alinhados com a posição (truculenta, na minha opinião) da governadora em cortar custos, independentemente do que seja.
    Provavelmente quem apóia o atual governo do RS discordará da minha opinião (e não sou filiada a nenhum partido, diga-se), mas falta bom-senso à essa gestão. Não se pode smplesmente passar o rodo em tudo, dando o mesmo tratamento a áreas de menor importância e a áreas vitais e estratégicas. É verdade que nosso Estado tem passado por déficits orçamentários graves, mas vamos fechar no azul esse ano. Justamente por isso, acredito que seja esse o momento de repensar o destino dos recursos. Agora podemos fazer isso. Basta querer.
    Obrigada por comentar,
    Abraço,
    Fernanda

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