Quer enxergar o que acontece dentro das células? Use uma nanolanterna!

Sim, uma nanolanterna! Aposto que você acaba de imaginar uma lanterna com lâmpada e cabo, só que numa versão bem pequena, né? A nanolanterna, na verdade, não é bem assim – está mais para uma bolinha colorida. Uma equipe de pesquisadores liderada pelo biofísico Jeeseong Hwang e vinculada ao National Institute of Standards and Technology (NIST, o “Inmetro americano”) e ao National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) desenvolveu um método que utiliza quantum dots para “iluminar” o interior das células. Para quem não lembra ou não leu posts anteriores, quantum dots são nanocristais semicondutores, cuja luz emitida por fluorescência depende do tamanho da partícula. Ela pode ser revestida com um componente orgânico capaz de se ligar na superfície de uma célula específica que se quer estudar.



Você pode perguntar: qual é a novidade? Afinal, os cientistas e os analistas clínicos estão acostumados a usar pequenas moléculas orgânicas e/ou proteínas fluorescentes para investigar o interior das células. A fluorescência dos quantum dots dura muito mais que aquela dos compostos fluorescentes convencionais. Isso faz toda a diferença. Enquanto compostos fluorescentes convencionais permitem a visualização do que acontece dentro das células por curtos períodos de tempo, os quantum dots permitem o monitoramento de processos que levam horas ou mesmo dias para ocorrer. É como estar em uma sala escura na companhia de um gato e tentar descrever o que ele faz lá dentro, a partir de duas diferentes situações: 1. sob flashes de luz ou 2. utilizando uma lâmpada para iluminar o ambiente. Os flashes podem ser suficientes para permitir a localização do gato na sala, mas você não consegue acompanhar todos os seus movimentos. Se a iluminação for feita com uma lâmpada, essa tarefa fica muito mais fácil e é possível descrever as peripécias do gato de forma bem mais completa.



Os pesquisadores citados acima utilizaram os quantum dots para tentar entender melhor como a infecção pelo parasita da malária afeta as células vermelhas do sangue (hemácias). Eles mostraram que a estrutura da rede de proteínas presente na parte interna da membrana celular das hemácias muda com a infecção, reduzindo a flexibilidade mecânica da célula. Por estar menos flexível, a hemácia fica mais suscetível a rompimentos. Isso está fortemente relacionado a certos sintomas da malária, como anemia e paroxismo febril. Outras técnicas, como a microscopia eletrônica, também permitem demonstrar que a flexibilidade da hemácia diminui ao ser infectada pelo plasmódio (que é o parasita que causa malária), porém nessa técnica são obtidas imagens estáticas. O uso de quantum dots é vantajoso por permitir elucidar processos celulares de forma dinâmica, aumentando o nosso entendimento sobre eles. Uma analogia seria tirar conclusões sobre um evento através de algumas fotos ou de um filme. O que você preferiria? Eu preferiria o filme. Cabe salientar que, embora seja muito promissor, esse método que utiliza quantum dots ainda está em fase de desenvolvimento.



(vi no EurekAlert!)

Discussão - 6 comentários

  1. Joey Salgado disse:

    Olá Fernanda!
    Muito legal, quando achava que quantum dots eram um passado na química, você ressalta, mais uma vez, o potencial infinito desse tipo de compostos.
    Só uma coisa, que não entendi. Você mencionou que a fluorescência dos quantum dots persiste por um tempo maior, em relação ao de compostos orgânicos convencionais e proteínas fluorescentes. Isso se deve ao fato dos quantum dots "durarem" mais tempos dentro das células, sem serem decompostos?
    Inté!

  2. Fernanda Poletto disse:

    A resposta está no mecanismo da fluorescência dos quantum dots, que é diferente daquele dos fluoróforos tradicionais. Nos quantum dots ocorre a formação de éxcitons, que são quasi-partículas de sólidos, presentes em semicondutores e isolantes. Excitons são formados por um elétron e um buraco ligados através de interação coulombica e possuem uma energia ligeiramente menor que a de elétrons e buracos livres. Os excitons de semicondutores e isolantes têm tempos de vida muito maiores que os observados nas transições eletrônicas dos fluoróforos tradicionais.

  3. Clarissa disse:

    Nossa, fez minha imaginação se inquietar com essa técnica! 🙂

  4. Joey Salgado disse:

    Hum... Como sempre, tudo é diferente no mundo dos semicondutores.
    O raciocínio de transição singlete-singlete ainda vale para semicondutores? Ou, melhor dizendo, faz sentido?
    Aliás, quando se cria um par elétron-buraco, é o elétron que vai para a banda de condução, que seria o estado excitado, enquanto que o buraco permanece na banda de valência?
    Muitas dúvidas... rs!

  5. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Joey
    Antes tarde que mais tarde! Como meu conhecimento de fotofísica é básico, fui conversar com o professor Ricardo Rego Correia, do Instituto de Física da UFRGS, para saber mais sobre como funciona o incrível mundo dos éxcitons - e, assim, poder responder suas perguntas. Foi uma conversa bacaníssima, e vou tentar escrever aqui um resumo dela.
    Com relação à sua primeira pergunta, o raciocínio não é exatamente o mesmo, pois um estado singlete-singlete se refere a um estado extendido (com distribuição da carga elétrica numa combinação de orbitais moleculares, ao longo de toda a molécula). Já o exciton se refere a uma excitação com estrutura bem localizada e uma dimensão bem definida (bem pontual) - o par elétron-buraco seria como um "átomo de hidrogênio" dentro de um semi-condutor (só que com a massa de um buraco no lugar de um próton).
    Com relação à sua segunda pergunta, a resposta é não, pois o exciton (ou seja, O PAR elétron-buraco) é o estado excitado.
    Uma outra coisa que o professor Ricardo me contou é que o tempo de duração da fluorescência dos quantum dots está relacionado não só ao mecanismo de formação de excitons, mas também às condições de contorno da partícula (como cara´cterísticas de supefície e dimensão) - se o exciton não é perturbado, ele dura mais tempo. A chance de ser perturbado é maior na superfície no que no interior da partícula, certo? Modificações na superfície do quantum dots, que sigam esse raciocínio de minimizar a perturbação do exciton, aumentarão o tempo de duração da fluorescência.
    Nessas horas, dá a maior vontade de cursar física 😉

  6. Joey Salgado disse:

    Caramba, que sensacional!
    Muito obrigado Fê, por todas essas informações mind blowing!
    Realmente, cursar física não teria sido má idéia, rs.
    Inté!

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