Publicado
7 de jul de 2009
No último sábado fui com os alunos e outros professores do
Projeto Educacional Alternativa Cidadã (PEAC) ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS. Acho que eu me diverti mais que os alunos, hehehe. Havia um experimento que mostrava como fenômenos que seguem uma
distribuição normal acabam formando uma curva gaussiana. Outro mostrava como funciona a
topologia de Möbius (algo que não vou explicar aqui para não cansar o leitor, mas eu queria muito registrar porque teria facilitado minha vida se eu tivesse visto esse experimento ANTES de estudar reações pericíclicas no doutorado, juro). Mais um: em dois tubos de vidro foram colocados dois objetos cada, uma bolinha e uma pena. No primeiro tubo havia ar como na atmosfera, no segundo havia uma quantidade mínima de ar para simular o vácuo. Dava pra ver direitinho que Newton tinha razão: independentemente da massa, dois corpos caem com a mesma velocidade no vácuo. Isso não acontece num ambiente com ar, que causa resistência – o que fez com que a bolinha caísse bem antes da pena. Simples e bacana.
Bem, vamos parar de enrolar e ir direto ao assunto. O que me motivou a escrever esse post foi um experimento de fotoquímica que vi lá: as pessoas se posicionam na frente de uma parede branca (que é um painel pintado com tinta fosforescente) e apertam um botão que dispara um flash, como se posassem para uma fotografia. As substâncias fosforescentes da tinta na parede absorvem a radiação luminosa proveniente do flash e a reemitem. A região da parede que corresponde à sombra da pessoa é a única que não recebe radiação luminosa do flash, então não reemite luz. O resultado é muito legal – a sombra da pessoa fica “retida” no painel por vários segundos. Essas tintas fosforescentes também são usadas em placas de sinalização de rodovias, interruptores elétricos e mostradores de relógios.
A reemissão de luz por certas substâncias é chamada de luminescência. A luminescência pode ser dividida em fosforescência e fluorescência. O fenômeno da fosforescência ocorre da seguinte maneira: uma fonte externa (que no caso do experimento era o flash) emite fótons, que são absorvidos pela molécula fosforescente; isso faz com que os elétrons da camada mais externa dos seus átomos se afastem do núcleo. Chamamos esse átomo com os elétrons mais afastados do núcleo de estado excitado. Como esse estado excitado dos átomos não pode durar para sempre, os elétrons voltam a se aproximar do núcleo aos poucos, liberando energia. Essa energia é a luz emitida. A fosforescência envolve mudança no spin do elétron, por isso a volta dos átomos ao estado fundamental – que é aquele com os elétrons mais próximos do núcleo – é relativamente lenta e a emissão de luz dura vários segundos. Já no caso da fluorescência também há reemissão de luz, porém a sua duração é muitíssimo mais curta (menos de 0,00001 segundo). Isso ocorre porque na fluorescência a absorção de energia não muda o spin do elétron.
E o que tudo isso pode ter a ver com nanobiotecnologia????
A resposta é…. muita coisa. É possível construir nanopartículas luminescentes que emitem luz numa cor característica quando há um estímulo específico. Essa propriedade tem sido utilizada de forma promissora para o diagnóstico apurado de certas doenças no corpo. Quer saber como isso funciona? Hummm, acho que vou criar um suspense! Os detalhes poderão ser conferidos no próximo post. ;-D
(continua no próximo post)
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3 de jul de 2009
O que vem à cabeça quando alguém fala a palavra cientista? Já sei, logo aparece a imagem de um ser esquisitão e absurdamente inteligente que usa jaleco meio sujo com um monte de canetas no bolso. Ah! Ele é meio descabelado e usa óculos, claro. Fala coisas que ninguém entende, trabalha quieto e sozinho num laboratório, mistura líquidos em tubos de ensaio (que explodem) e é capaz de inventar muitas coisas mirabolantes. Cheguei perto? Pois saiba que, embora até possa ser verdade a parte do jaleco meio sujo e da explosão em alguns casos (lembre que eu trabalho em um laboratório de química….), o resto não é bem assim. A pessoa que trabalha com ciência é como todas as outras: faz compras no supermercado, leva as crianças à escola, passa o domingo com a família, tem algum hobby (música, futebol, corrida, etc etc), fica no céu quando um amor é correspondido e sofre quando não é (pois é…), tem bons amigos com quem dividir uma boa piada, tem contas para pagar e por aí vai. Ah… e não é nenhum gênio. Apenas alguém muito curioso e determinado. Afinal ninguém nasce cientista, há um caminho a percorrer que leva vários anos e inclui graduação, mestrado, doutorado.
Nisso tudo há algo que não é tão obvio, mas é fundamental num cientista moderno: capacidade de se comunicar. Convenhamos, não faz o menor sentido descobrir a cura da AIDS no laboratório (exemplo hipotético) e não contar pra ninguém! É por isso que os cientistas vão a congressos, escrevem artigos (como os discutidos aqui nesse blog com o selinho do Research Blogging), dão palestras…. o negócio é contar o que se descobriu para todo o mundo! Mas será que o mundo todo entende o que os cientistas têm a dizer?
As descobertas científicas são um patrimônio da humanidade. Apesar disso, é engraçado pensar que a alta especialização do conhecimento criou um hermetismo às avessas. Embora qualquer informação que se deseje esteja no Google, esse oráculo moderno, quem é capaz de separar criticamente o que é consistente daquilo que é um tremendo engodo num campo específico da ciência??? Ora, os cientistas que trabalham com o assunto! E é por isso que cabe a eles “descomplicar” as coisas para quem não é especializado na área em questão (incluindo aqui cientistas que trabalham em outras áreas). O entendimento público da ciência é um direito, mas não só isso – a divulgação científica feita de forma responsável é também uma forma de combater o obscurantismo, as superstições e a ignorância; é uma forma de disseminar o pensamento crítico e desfazer fraudes.
Como já disse Carl Sagan, “é melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão”.
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28 de jun de 2009
N&N; é uma sigla que está na moda. N&N significa Nanociência & Nanotecnologia. Fala-se de seus benefícios, de seus riscos e de seus impactos econômicos e sociais em todo o globo. No entanto, será que o domínio da N&N também é global?
Nas minhas buscas sobre o tema, descobri o trabalho de mestrado do economista Leonardo de Assis Santos, intitulado Sistema Brasileiro de Inovação em Nanotecnologia (UFRJ). De acordo com os dados levantados pelo autor, Japão, Estados Unidos e a União Européia estão entre os maiores investidores em nanotecnologia. Certos países emergentes, tais como China e Coréia do Sul, estabeleceram antes do Brasil programas para o desenvolvimento de produtos nanotecnológicos, com um investimento médio de US$ 200 milhões/ano. Até aqui, fica claro que o domínio da N&N não é igual em todas as partes do globo.
Em seu trabalho, Santos menciona que o advento da N&N abre uma nova janela de oportunidade para o Brasil aumentar sua competitividade no mercado mundial. Só que, para inovar, é preciso que a indústria absorva pessoal qualificado. Esse pessoal qualificado é formado nas universidades, onde a nanociência é construída. Como estaria o Brasil quanto à produção de nanociência (em especial na área de medicamentos, que é a minha área) em comparação com outros países? Para ter uma ideia, busquei o número de artigos científicos com os termos “nano* and drug” na base de dados Web of Science, e achei 11215 publicações. É claro que não tenho a menor pretensão de responder de forma apurada qual é a posição do Brasil em relação a N&N, mas essa rápida consulta mostrou que ainda temos muito chão pela frente no que se refere a nanotecnologia e fármacos. Organizei os dados por país – não passou despercebido o fato de que um artigo pode conter endereços de mais de um país, e que outras bases de dados deveriam ser consultadas também (de forma alguma considero essa rápida análise conclusiva, é para ser apenas meramente ilustrativo).

Como podemos ver, deu a lógica: Estados Unidos na frente, seguido por China, Alemanha, França e Japão. Esses países somados detêm 67 % do total de publicações. Ao Brasil, cabe 1,65 % do total.
Será que o Brasil vai perder essa janela ou vai aproveitar a oportunidade? Em 2001, o governo brasileiro apoiou a criação de quatro redes de pesquisa em diferentes áreas da nanotecnologia, sendo uma delas dedicada à nanobiotecnologia. Em 2004, foram instituídas, no Brasil, a Ação Transversal de Nanotecnologia nos Fundos Setoriais e a Rede BrasilNano. Em 2005, foi lançado o Programa Nacional de Nanotecnologia (PNN) e criado o Centro Brasileiro-Argentino de Nanotecnologia para impulsionar as pesquisas latino-americanas na área. O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) tem concentrado os financiamentos dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia em quatro áreas industriais – fármacos, bens de capital, microeletrônica e software – e em três áreas de pesquisa denominadas “portadoras de futuro” – a nanotecnologia, a biotecnologia e a biomassa. Nesse contexto, a nanobiotecnologia é tanto área estratégica quanto portadora de futuro. Formemos, pois, o maior número possível de pessoal qualificado na área de N&N. Além de contribuir para o desenvolvimento da ciência nacional, pode ser um grande investimento econômico.
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25 de jun de 2009
Saiu esse ano na Bioconjugate Chemistry: nanotubos de carbono revestidos com PEG, um polímero hidrofílico (lembra dos
Aviões Stealth do Nanobiomundo?), foram capazes de levar oligonucleotídeos antisense até linfócitos T. Lá dentro da célula, esses oligonucleotídeos antisense “nocautearam” um gene (PTPN22) que está relacionado ao desenvolvimento de diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes. Seria a solução tão esperada pelos portadores de diabetes?
A resposta começa nos próprios oligonucleotídeos antisense (ou anti-sentido, como já vi em alguns trabalhos em português).
Essa pequena sequência sintética de ácidos nucleicos pode bloquear a expressão de um gene específico porque é feita para se ligar de forma complementar ao RNAm (que seria a sequência sense, ou sentido) produzido por um gene específico. Quando ocorre essa ligação entre o RNAm e o oligonucleotídeo antisense, o RNAm é inativado. Se não há mais RNAm ativo para informar qual é a sequência correta de aminoácidos a ser sintetizada pelo organismo, a proteína em questão não é produzida. No caso do estudo discutido aqui, essa proteína é um inibidor da ativação de linfócitos T – uma mutação no gene PTP N22 produz um inibidor muito mais potente de linfócitos T que o normal. O crescimento e ativação reduzidos de linfócitos T em comparação ao normalmente observado são fatores que predispõem a diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes, como artrite reumatóide. Por isso, seria bem interessante inibir esse gene em caso de mutação. O problema é que os oligonucleotídeos antisense são muito sensíveis a certas enzimas chamadas nucleases, presentes tanto nas células quanto em meios de cultura e soro. Além disso, devido à sua carga elétrica negativa, dificilmente atravessam a membrana celular (que também tem carga elétrica negativa) – e eles precisam entrar na célula para funcionar!
É por isso que vários laboratórios desenvolveram oligonucleotídeos antisense modificados, com maior resistência às nucleases e/ou com características moleculares que aumentam sua penetração nas células. Outra estratégia (que é a usada nesse estudo) é usar nanotecnologia para inserir a sequência antisense (sem essas modificações) dentro da célula. Os autores usaram nanotubos de carbono-PEG. O PEG serve para aumentar o tempo de circulação da nanopartícula no organismo (do contrário, ela seria rapidamente eliminada). Já o nanotubo de carbono foi uma escolha estratégica. Devido ao seu comprimento ser maior que sua altura, foi possível aproveitar uma grande extensão de sua superfície para ligar mais de um oligonucleotídeo por nanotubo. O nanotubo entrou nos linfócitos T e, apenas dentro das células, liberou os oligonucleotídeos por causa da quebra de ligações chamadas dissulfeto, que prendiam quimicamente o nanotubo e os oligonucleotídeos.

(crédito: Delogu e col., Bioconjugate Chemistry 2009)
Esses resultados são muito interessantes. Mas….. será que a cura através da terapia gênica unida à nanotecnologia é concreta para os diabéticos? Eu acho que HOJE ainda não é. Esse estudo, por exemplo, foi feito em cultura de células e muitas vezes os resultados positivos in vitro não são significativos quando testados em humanos. Além disso, há um elevadíssimo custo se pensarmos na produção em massa desses nanotubos ligados aos oligonucleotídeos – muitas vezes, esse fator é o que torna inviável a comercialização de muitas estratégias terapêuticas interessantes. Outro ponto importante é o risco do uso de nanotubos de carbono em humanos. Um estudo de 2003 publicado na Nano Letters já havia mostrado por simulações de dinâmica molecular que DNA pode se inserir de forma espontânea dentro de nanotubos de carbono em meio aquoso – não vou negar que isso faz pensar a respeito de como nanotubos de carbono vazios poderiam interagir com o nosso próprio DNA…. .
(crédito: Gao e col., NanoLetters 2009)
No entanto,
não sou pessimista – acho que muita coisa vai mudar nas próximas décadas. O FDA já aprovou um fármaco antisense, o
fomivirsen (Vitravene®), para tratamento de citomegalovirus. Não é encapsulado em nanopartículas, mas apresenta uma modificação na sua estrutura que o torna resistente à degradação pelas nucleases. A própria nanotoxicologia é um campo em expansão. Se não é uma possibilidade concreta para os pacientes hoje (até por uma questão econômica), acho que a união da terapia gênica e da nanotecnologia tem tudo para tornar a vida das pessoas muito melhor nas próximas gerações.
OBS.: O que está em vermelho foi adicionado em 26/07/09 (23h12min) para tornar o texto mais claro.
Delogu, L., Magrini, A., Bergamaschi, A., Rosato, N., Dawson, M., Bottini, N., & Bottini, M. (2009). Conjugation of Antisense Oligonucleotides to PEGylated Carbon Nanotubes Enables Efficient Knockdown of PTPN22 in T Lymphocytes Bioconjugate Chemistry, 20 (3), 427-431 DOI: 10.1021/bc800540jGao, H., Kong, Y., Cui, D., & Ozkan, C. (2003). Spontaneous Insertion of DNA Oligonucleotides into Carbon Nanotubes Nano Letters, 3 (4), 471-473 DOI: 10.1021/nl025967a
Publicado
23 de jun de 2009
(primeiro lugar do prêmio “Science as Art” de 2008, da MRS, de autoria de K. Hark, Chinese University of Hong Kong – “Field of Sunflowers”)
Linda foto de girassóis, não é mesmo?
Hummm, girassóis? Parece… mas não é !
Essa é mais uma daquelas imagens obtidas por microscopia eletrônica e colorizada depois com fins artísticos. Também há arte e poesia no nano(bio)mundo!
Nanofibras de óxidos de silício possuem a habilidade de se organizar de várias formas, inclusive como essa, que se assemelha de forma impressionante a girassóis. Gálio e ouro atuaram como catalisadores da reação entre silício e oxigênio que resultou nessas lindas nanofibras, cada uma com cerca de 10 nm de diâmetro.
Não acha a reação das nanofibras poética? Pois bem, para ninguém dizer que não há poesia nesse post, transcrevo abaixo um dos meus poetas favoritos, no seu melhor heterônimo (na minha humilde opinião):
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…”
(Alberto Caeiro)
Publicado
21 de jun de 2009
Diz a lenda que a mulher mais bela do mundo era Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta. Quando Páris, príncipe de Tróia, foi a Esparta em missão diplomática, apaixonou-se por Helena e ambos fugiram para Tróia, enfurecendo Menelau (quem não se enfureceria no lugar dele, não é mesmo?). Para pegá-la de volta, os gregos resolveram atacar Tróia. Porem, a cidade só foi tomada graças a um artifício bolado por Ulisses, que fazia parte do exército grego: fingindo ter desistido da guerra, os gregos deixaram “para trás” um enorme cavalo de madeira, que os troianos decidiram levar para o interior de sua cidade, como símbolo de sua vitória. À noite, quando todos dormiam, os soldados gregos que se escondiam dentro da estrutura oca de madeira do cavalo saíram e abriram os portões para que todo o exército invadisse a cidade. Apanhados de surpresa, os troianos foram vencidos e a cidade incendiada.
(história contada na Ilíada, de Homero)
No nano(bio)mundo, também podemos ter soldados, Tróia e um cavalo oco que pode ser um presente de grego… Acha que eu agitei demais no fim-de-semana e estou escrevendo delírios aqui? Na, na, não… Provo para você! Pesquisadores nos Estados Unidos deram uma de Ulisses e usaram um cavalo de Tróia celular para liberar nanopartículas (os soldados) em tumores. Os cavalos foram os monócitos, que são células brancas do sangue responsáveis por eliminar corpos estranhos do organismo. Quando há tumores malignos, os monócitos correm para lá. Passando do sangue ao tumor, os monócitos se transformam em macrófagos e são “educados” a promover a progressão do tumor (é o que chamamos de infiltrado, e que leva a um prognóstico que não é dos melhores). Como ficou evidente, o tumor é Tróia nessa história toda.
Os autores prepararam nanopartículas de cerca de 60 nm, compostas por um núcleo de sílica revestido com ouro. Essas nanopartículas podem absorver luz no infravermelho próximo, gerando calor que mata as células (um efeito semelhante à
hipertermia magnética). Um tumor esferóide de células mamárias malignas foi usado como modelo in vitro do estudo. Esse tumor foi incubado com macrófagos e com nanopartículas de ouro. Paralelamente, um tumor incubado apenas com macrófagos foi usado como controle. A fagocitose das nanopartículas de ouro pelos macrófagos, bem como a infiltração dos macrófagos para dentro do tumor foram monitorados por microscopia de transmissão de luz. Os tumores foram irradiados com luz infravermelha e os macrófagos (contendo as nanopartículas) que chegaram no microambiente hipóxico do tumor foram mortos, juntamente com células tumorais das redondezas. Nada aconteceu com o tumor controle. Esse resultado foi visualizado através de uma técnica chamada microscopia confocal, onde imagens tridimensionais de materiais contendo corantes fluorescentes são obtidas. Na figura abaixo, fica fácil entender a analogia da estratégia explicada acima com a história que Homero escreveu por volta do séc. VIII a.C.

(CRÉDITO: Choi e colaboradores, Nano Letters, 7, 3759-3765, 2007)
De acordo com os autores, essa estratégia pode ser útil para uma série de sistemas de liberação de fármacos, e não apenas nanopartículas de ouro. O mais interessante nessa guerra de Tróia biológica é que o ativo (nesse caso, as nanopartículas) não é tóxico para o organismo até chegar no tumor, o que reduz drasticamente os seus efeitos adversos sem comprometer sua eficácia.
Choi, M., Stanton-Maxey, K., Stanley, J., Levin, C., Bardhan, R., Akin, D., Badve, S., Sturgis, J., Robinson, J., Bashir, R., Halas, N., & Clare, S. (2007). A Cellular Trojan Horse for Delivery of Therapeutic Nanoparticles into Tumors Nano Letters, 7 (12), 3759-3765 DOI: 10.1021/nl072209h
Publicado
17 de jun de 2009
O Bala Mágica começou como uma forma de trazer à sociedade informações sobre nanotecnologia aplicada à saúde, de uma forma mais leve, em português e – principalmente – vinda de fontes confiáveis. Por se tratar de temática relativamente recente, a base da maioria das informações no Bala Mágica é a literatura científica especializada. Citar as fontes primárias é uma política deste blog desde seu nascimento. Por tudo isso, fico muito feliz em participar do Research Blogging!
O
Research Blogging é uma organização criada por blogueiros e para blogueiros que tratam de pesquisas científicas revisadas por pares. A coisa funciona assim: os autores recebem um selinho que pode ser aplicado em seus respectivos blogs a fim de indicar quando o post se refere a uma pesquisa revisada por pares que foi lida e analisada minuciosamente.
O mais legal disso tudo é que agora temos uma comunidade do Research Blogging em língua portuguesa!!! Pela iniciativa desse projeto, gostaria de parabenizar o Atila Iamarino e os demais colaboradores voluntários responsáveis por monitorar os artigos que vão pra o ResearchBlogging.org (trabalho hercúleo!).
Então, a partir de agora, todos os posts do Bala Mágica que tratarem sobre um artigo científico específico e que tiverem o selinho também estarão na página do Research Blogging.
Se você também tem um blog sobre pesquisa científica, não deixe de acessar o site da comunidade em português [
aqui] para inscrevê-lo!
P.S.: Aos meus colegas químicos que tanto tem me ensinado sobre essa ciência fascinante, parabéns!
Dia 18 de junho – dia do químico.
Publicado
15 de jun de 2009
Estava eu à toa lendo blogs alheios, e me deparei com um post do
All of My Faults Are Stress Related, do ScienceBlogs, que trata sobre as mulheres na geociência. Achei bem inspirador, e me fez pensar qual seria o papel das mulheres no desenvolvimento da ciência brazuca. O sucesso das mulheres nas carreiras técnico-científicas (em especial nas ditas ciências “duras” –
ou desumanas, como diria um amigo meu das humanas, hehehe) ainda é carregado de tabu aqui também – ou não é verdade que ainda circula aquela piadinha cretina de que, antes de nascer, a mulher escolhe se vai ser bonita ou engenheira/ médica/ matemática/ química
(……………… preencha à vossa escolha)?
Toda mulher que segue a carreira científica acaba se deparando com algumas dificuldades práticas, como o abandono temporário do trabalho devido à maternidade, a difícil decisão de sair ou não do país para estágio científico sem os filhos/marido, a estafa pelo acúmulo de tarefas (trabalho + lar + filhos – sim, muitas mulheres ainda hoje acabam assumindo tudo isso praticamente sozinhas), a impossibilidade de assumir cargos políticos e de docência em outras cidades por causa da família, etc etc. Questões desse tipo são motivo justificado de angústia e, muitas vezes, até de desistência da carreira científica, o que é muito triste e uma grande perda para o país. Isso sem contar que ainda passa por certas cabeças antiquadas (masculinas e femininas!) o velho estereótipo de que mulher inteligente que se preze é aquela que não cuida da própria aparência (como se fossem coisas incompatíveis).
O senso comum sempre me disse que as mulheres enfrentam mais obstáculos para seguir a carreira acadêmica até o fim (entenda-se pesquisador sênior); mas como achismos não servem pra muita coisa, fui atrás de alguns números. Para ter uma medida aproximada do grau de discrepância entre a participação masculina e feminina na ciência brasileira, consultei as estatísticas do CNPq.
Em 2008, o número de bolsas-ano no país na área das ciências exatas e da terra foi igual a 3217 para mulheres e 5744 para homens. Na área de engenharia e computação, foi igual a 3219 para elas e 7428 para eles. A situação se inverte na área da saúde, com 3997 para elas e 2019 para eles, e na área biológica, com 6043 para elas e 3944 para eles
[aqui].
Do total de bolsas de doutorado no país concedidas em 2001, 49 % foram para mulheres. Essa proporção não se alterou muito em 2008, com 51 % para elas. Isso pode dar a idéia de que a ciência brasileira é igualitária quanto ao gênero, porém o número de bolsas de produtividade em pesquisa (que são concedidas a pesquisadores com produção científica destacada) aponta uma discrepância considerável: em 2001, apenas 32 % foram concedidas a mulheres, sendo que esse número subiu para 34 % em 2008.
[aqui]. Se considerarmos os números de 2008 referentes aos níveis que categorizam a bolsa de produtividade
[aqui], vemos que de cada 10 bolsas do nível 2 (o mais baixo), 4 foram para mulheres; e de cada 10 bolsas do nível 1A (o mais alto), apenas 2 foram para elas. Ou seja, embora as primeiras etapas da carreira acadêmica sejam equilibradas quanto ao número de homens e mulheres, ainda é mais complicado para as mulheres galgar os seus degraus mais altos.
Talvez políticas afirmativas sejam um paliativo importante… talvez as próprias mulheres precisem repensar seu papel no mundo científico e acreditar que podem. Porém, mesmo com a discrepância que há hoje, acho que estamos progredindo. Como diria Adélia Prado, “mulher é desdobrável”. Sou muito otimista com relação ao crescente papel da mulher na ciência brasileira nos próximos anos.
“- Abrir espaço para as jovens, mostrando que elas podem fazer parte do campo científico, é uma tarefa de todos nós”.
Homens e mulheres, estamos todos convidados a fazer parte dessa mudança.
Publicado
14 de jun de 2009
Eu tenho observado que algumas publicações na mídia sobre nanobiotecnologia (em especial aquelas que alertam sobre seus riscos) não fazem distinções entre os tipos de nanopartículas dentro dos produtos, como se todas tivessem o mesmo grau de risco, a mesma eficácia, a mesma degradabilidade, etc etc. Isso não deixa de ser preocupante, considerando que o universo de nanopartículas para uso biológico é vasto e diversificado, e juntar tudo no mesmo balaio de gatos pode criar preconceitos dificeis de ser quebrados. Não se pode comparar nanopartículas de óxidos metálicos e lipossomas, por exemplo. As diferenças entre eles são gritantes: enquanto as nanopartículas de óxidos metálicos estão no centro de uma discussão ambiental importante, os lipossomas são rapidamente degradados pelos organismos vivos em pequenos pedaços naturalmente presentes na membrana das células.
Como a coisa não é tão simples, informação nunca é demais. Recomendo o
site da Comissão Européia para quem quiser tirar dúvidas sobre os riscos da nanotecnologia, e o
site do The Project on Emerging Nanotechnologies para quem quiser saber mais sobre a composição de produtos nanotecnológicos que estão no mercado.
Nanopartícula NÃO é tudo igual. Pense nisso quando ler o próximo “alerta” sobre os riscos da nanobiotecnologia.
Publicado
11 de jun de 2009
(Nano Teddy Bear – um dos três trabalhos empatados como primeiro lugar do prêmio Science as Art no encontro da MRS de 2009 – de autoria de Helia Jalili, University of Waterloo)
Essa é pelo dia dos namorados. Que tal dar um (nano)ursinho para sua namorada nessa sexta-feira? Essa é mais uma imagem de nanocoisas, colorizada depois de obtida para ficar “artística”. O que nos parece um ursinho fofo no meio de outros bichinhos de pelúcia na verdade é óxido de zinco depositado em um substrato de óxido de indio. A técnica empregada para obter a imagem chama-se microscopia eletrônica de varredura, e o óxido de zinco foi depositado por uma técnica de deposição eletroquímica.
A deposição eletroquímica funciona assim: o elemento metálico (no caso, zinco), que está inicialmente na forma de um eletrólito solúvel no meio, é transformado em uma forma insolúvel (no caso, óxido de zinco) através de eletrólise. Estando insolúvel, ele se deposita sobre o substrato (no caso, óxido de indio), formando um filme finíssimo na sua superfície. O eletrólito de partida para produzir a imagem acima foi o nitrato de zinco hexaidratado (cuja fórmula química é [Zn(NO3)2 . 6H2O] ).
Perdeu um pouco do romantismo? Que nada, é só olhar a imagem novamente – eu, por exemplo, continuo vendo um ursinho muito fofo!
Glossário:
Eletrólise = é um processo que separa os elementos químicos de um composto através do uso da eletricidade.
A reação feita para produzir o revestimento de óxido de zinco na imagem acima é:
2[Zn(NO3)2 . 6H2O] —–> 2ZnO + NO2(g) + O2(g) + 6H2O