Stigmata

Hoje James Randi abre sua excelente coluna semanal, SWIFT, com um comentário sobre a exumação de Padre Pio. Penitencio-me por ter deixado passar essa, já que a notícia correu dias atrás, inclusive aqui no Brasil.

Não há muito o que comentar, realmente, exceto notar a tendência universal das religiões de jogar o bom gosto e a honestidade intectuial no lixo sempre que conveniente, e lamentar a falta de observadores críticos quando supostos milagres “acontecem” aqui na Terra de Santa Cruz.

Causa e efeito

Sabia que nenhum povo, por mais “primitivo” que seja, faz a dança da chuva na estação de seca, nem no meio de um deserto?

Isso pode ser atribuído a dois motivos: primeiro, porque a dança é parte de um ritual de fertilidade do solo, e ninguém é louco de esperar solo fértil em plena seca ou no coração do Saara. Segundo, porque nenhum xamã (pajé, curandeiro, sacerdote, sábio, etc.) vai querer pôr a própria reputação em risco. Todo mundo sabe, afinal, que é na estação das chuvas que chove!

Um dos efeitos dessa aplicação diligente de marketing pessoal por parte dos feiticeiros tribais é uma alta taxa de correlação entre dança da chuva e, claro, a chuva: na esmagadora maioria das vezes, horas ou dias depois da dança, chove. Você pode experimentar: saia pulando e agitando guizos pela rua em fevereiro e, depois, gabe-se de ter enchido os reservatórios das hidrelétricas.

Nem toda superstição tem uma correlação tão forte com o evento que pretende causar (ou evitar), no entanto: muitas vezes, a conexão está mais na cabeça do supersticioso – se ver um gato preto dá azar, qualquer coisa ruim que acontecer a alguém depois da passagem do bichano será atribuída a ele.

Para se distrair no fim de semana, dê uma olhada nesta base de dados de superstições e tente imaginar que tipo de “evidência” alimenta essas crenças. É um exercício e tanto.

O homem do Vaticano

Imagine se se descobre que um país estrangeiro fez lobby para a indicação de um ministro do Supremo Tribunal Federal — pior ainda, imagine se se descobre que o lobby foi bem-sucedido.

Se o país estrangeiro for os EUA, a Argentina ou a Namíbia, seria um escândalo institucional capaz de derrubar o governo, com hordas nacionalistas em passeata pelas ruas, discursos inflamados do Congresso e editoriais virulentos na mídia.

Como é o Vaticano, fica tudo por isso mesmo.

Um pouco de ficção edificante

Os chamados gêneros fantásticos (ficção científica, fantasia, o chamado “fantástico literário” de Borges e Poe, etc.) são uma forma literária cultivada por apologistas religiosos de vários timbres e persuasões.

No caso da fantasia isso até não surpreende tanto — uma pessoa disposta a organizar sua vida em torno de poemas épicos da Idade do Bronze cedo ou tarde deve sentir a tentação de criar os próprios, como JRR Tolkien fez em “O Senhor dos Anéis” — mas a ficção científica também é um campo fértil para investidas do tipo. O que, para mim ao menos, sempre foi meio surpreendente.

Essa apropriação da fc pelo proselitismo costuma ter uma forma muito clara: ao final da narrativa, os orgulhosos cientistas vêem como os humildes padres/sacerdotes/profetas é que estavam mesmo certos, e acabam mortos, loucos ou submetem-se de bom grado a alguma forma abjeta de conversão. Talvez o melhor exemplo dessa tendência seja o ótimo (ei, qualidade independe de ideologia) “Um Cântico para Leibowitz“, de Walter M. Miller Jr.

Mas, claro, a cada ação corresponde uma reação, se me permitem tirar as leis de Newton de contexto por um momento. O fantástico conto The Streets of Ashkelon de Harry Harrison, sobre um padre que tenta leavr a palavra de Cristo a uma comunidade de ETs, talvez seja o manifesto de ateísmo mais forte e conciso já escrito, e há alguns anos foi publicada nos EUA a antologia Galileo’s Children, uma poderosa coletânea de histórias que põem a superstição (e a religião) no devido lugar.

Isso, em termos internacionais. A ficção científica brasileira, infelizmente, ainda é muito permeada pelo tipo de “moral da história” em que tradição/sentimento/misticismo dão de dez a zero na fria racionalidade.

Felizmente, há sinais de que esse negócio está dando no saco. Um exemplo que deixo aqui é o conto Cardeais em Órbita, publicado no suplemento online Palavra do Le Monde Diplomatique brasileiro.

Espero que, depois deste exemplo, surjam outros!

O fetiche do sofrimento

Religiões em geral, e o cristianismo em particular, com sua ênfase em sacrifício e a assimilação do estoicismo helênico pelos pais da igreja, cumprem uma função histórica de conciliar duas emoções antagônicas do ser humano — a sensação de impotência perante o sofrimento e a fome de relevância pessoal desencadeada pelo narcisismo.

Essa conciliação se dá quando se empresta ao sofrimento um sentido: nenhuma dor é gratuita; sofrer é bom para você; sua penúria será recompensada no além; a tragédia faz parte de um plano cósmico.

Não devemos nos apressar em condenar esse tipo de placebo psicológico. Afinal, durante milênios, tratou-se do único analgésico disponível.

Mas, com o surgimento dos antibióticos, da anestesia, da psicologia e psiquiatria, a situação tornou-se insustentável. A religião se transformou numa espécie de repartição pública sem função, lutando furiosamente para não ser fechada na próxima reestruturação do serviço.

Os pastores protestantes que atribuíram terremotos e incêndios à disseminação de vacinas e pára-raios estavam, ao menos, sendo coerentes: o cristianismo é, ao fim e ao cabo, o culto de um deus sádico, que cria seres imperfeitos apenas para obrigá-los a sofrer a fim de expiar pecados que não tinham como evitar cometer.

Daí, não há nada de surpreendente na evidente crueldade da oposição religiosa aos estudos com células-tronco embrionárias, mesmo se feitos a partir de embriões congelados e já inviáveis.

O dia em que o mundo não for mais um vale de lágrimas, o crsitianismo estará emparedado.

Células-tronco, o tira-teima

Agora em março, o Supremo Tribunal Federal deve julgar um Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a liberação – limitadíssima – do uso de embriões humanos em pesquisas com células-tronco.

Acho que já fiz uma quantidade razoável de “rants” por aqui quanto à estultice intrínseca da idéia de que um óvulo fertilizado deveria ter qualquer tipo de “direito”. Uma outra postagem minha sobre bioética é esta qui.

Destaco, apenas, dois pontos: primeiro, que a Adin foi proposta, em 2005, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, um católico fervoroso. E depois dizem que foram os petistas que inventaram o aparelhamento do Estado. O tempora, o mores…

Segundo, a corajosa resistência do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao avanço da onda obscurantista. Este é um típico caso do ministro ser um homem público de estatura muito mais elevada – e de vértebras muito mais firmes – que o presidente a que serve.

Por fim, deixo aqui links para três documentos interessantes sobre o assunto, os dois primeiros extraídos dos anais do Conselho Presidencial de Bioética dos EUA. Um deles é um relatório, Monitoring Stem Cell Research, que resume os pontos do debate. O outro é o depoimento do geneticista John Opitz perante esse mesmo conselho, que traz uma descrição fantástica do desenvolvimento embrionário. Em último lugar, um ótimo reductio ad absurdum do verniz de “verdade científica incontestável” que a igreja católica tenta dar a seus dogmas nesta questão.

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